Por Olímpio Cruz Neto (@olimpiocruz)
Nassif, eliseu padilha diz parte da história. eu fiz a denúncia no correio braziliense, há 11 anos. um resumo:
Da Carta Maior
Na ocasião, um jornal até ganhou prêmio por insistir no escândalo que
envolveu o ex-ministro e deputado federal reeleito Eliseu Padilha
(PMDB-RS). Mas passados sete anos, o caso não desperta mais interesse.
Em tempo: ninguém foi punido.
Nelson Breve – Carta Maior
BRASÍLIA - A imprensa denuncia um esquema de corrupção. Funcionários
de um ministério fraudam as normas dando um prejuízo enorme ao Erário.
Um deles aponta o ministro como chefe. Uma sindicância do governo
encontra indícios desse envolvimento, mas seu relatório nunca chega aos
órgãos competentes. Um deputado de oposição pede a instalação de uma
CPI. O presidente da República não toma nenhuma providência e reitera
sua confiança no ministro. Parece um enredo familiar.
O que aconteceria se o fato narrado ocorresse no governo Lula? Os
episódios que dominaram o noticiário político-policial nos últimos anos
não deixam dúvidas: seria um escândalo estampado nas manchetes por
vários meses, até que se derrubasse, ao menos, o ministro do cargo. Mas o
caso descrito aconteceu no governo Fernando Henrique Cardoso.
Ninguém
foi punido, nem constrangido sistematicamente pelos holofotes de um
noticiário persistente. Alguns veículos da imprensa deram destaque por
uns dias. Um deles até ganhou prêmio por insistir um pouco mais.
Passados sete anos, ninguém se lembra do caso, nem está interessado em
seus resultados.
O ministro foi eleito e reeleito deputado pelo Rio
Grande do Sul e os processos contra ele e os assessores envolvidos
seguem inconclusos nos labirintos do Poder Judiciário, que só atua com
rapidez contra os cidadãos comuns e pobres.
O ministro é Eliseu Padilha, que, como prêmio pela atuação
durante a votação da emenda da reeleição de FHC chefiou o Ministério dos
Transportes de maio de 1997 a novembro de 2001. O caso ficou conhecido
como Escândalo da Máfia dos Precatórios.
Foi denunciado pela Folha de S. Paulo, mas foi o Correio Braziliense quem
insistiu no assunto por mais tempo. Em outubro de 1999, o deputado
Agnelo Queiroz (PCdoB-DF) descobriu que o pagamento de indenizações
judiciais do antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER)
era uma das poucas rubricas do orçamento cumpridas integralmente.
Uma apuração mais profunda revelou a existência de uma
série de irregularidades: os pagamentos, em valores milionários, se
davam fora da ordem, sem explicação jurídica consistente. Em um dos
processos, os procuradores do DNER chegaram a cogitar o pagamento de uma
indenização de R$ 1 bilhão relativa à construção de uma rodovia na
Amazônia.
Algumas indenizações beneficiavam os próprios procuradores. O
esquema envolvia escritórios de lobby e permitia o pagamento antecipado
de precatórios em troca de propinas, que chegavam a 25% do valor devido
pelo órgão. Lobistas citaram Padilha como um dos envolvidos nas
irregularidades.
A denúncia provocou uma crise no governo. Padilha exonerou o
diretor financeiro do DNER, Gilson Zerwes de Moura, e afastou o
procurador-geral substituto do órgão, Pedro Eloi Soares. O primeiro era o
responsável pelos pagamentos do órgão. O segundo, pelos acordos
irregulares de pagamento de precatórios. A estratégia do ministro deu
resultado.
Na mesma noite do anúncio, o porta-voz da Presidência da
República, George Lamaziére, disse que Padilha "de modo algum está sob
suspeita" e que o presidente Fernando Henrique Cardoso considerou
satisfatórias as medidas adotadas pelo ministro. "O presidente tem
confiança plena no ministro, a mesma confiança", acrescentou.
Segundo o porta-voz, o presidente estava contente
com as medidas tomadas por Padilha e a investigação das irregularidades
ficaria no âmbito do Ministério dos Transportes. "Em face das medidas
tomadas pelo ministro, o presidente considera que todos os procedimentos
recomendáveis foram adotados e cabe agora aguardar o resultado das
apurações solicitadas pelo ministro", comunicou o porta-voz, dizendo
ainda que o presidente não fixara prazo para o fim dessas investigações.
Questionado
sobre quem apura a participação do ministro, já que as investigações
seriam feitas pelo próprio Ministério dos Transportes, Lamaziére
respondeu que "isso não está em pauta, porque o que está em discussão
são atividades em autarquia do ministério". Padilha disse que
processaria os lobistas que o citaram como envolvido no esquema por
calúnia, infâmia e difamação, mas não consta que tenha levado adiante o
processo, ao menos na Justiça do Distrito Federal. Todo mundo ficou
satisfeito e esqueceu o caso.
No entanto, as denúncias levaram a um processo de
investigação interna na Corregedoria da Advocacia Geral da União (AGU).
Descobriu-se que em 41 processos de indenização movidos contra o DNER os
procuradores aceitaram realizar acordos desvantajosos, que não
representavam economia para os cofres públicos. Ao contrário, davam
prejuízo.
A Corregedoria confirmou as denúncias e apontou a ‘‘má fé’’
dos procuradores do DNER, que teriam autorizado o pagamento irregular de
R$ 122,9 milhões em indenizações. Outros R$ 752,5 milhões só não foram
pagos por intervenção da AGU, do Ministério Público e do Poder
Judiciário.
Conforme determinação da Corregedoria, o relatório
deveria ser encaminhado ao Ministério Público Federal, à Receita
Federal, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao Tribunal de Contas da União
e ao Ministério dos Transportes para as providências cabíveis.
O
Ministério dos Transportes recebeu a documentação, mas a AGU não enviou o
relatório aos demais órgãos. As determinações da Corregedoria foram
publicadas no Diário Oficial.
Agnelo requereu cópias da documentação ao
advogado-geral da União na época, Gilmar Mendes, que posteriormente
seria premiado com a nomeação para ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF).
Mendes negou-se a entregar os documentos, sob o
argumento de que o relatório estava coberto por sigilo. O Ministério dos
Transportes também negou o documento a Agnelo. A Polícia Federal pediu
informações, não as obteve e recorreu à Justiça para conseguir o
relatório. Quando a PF recebeu o documento, sob ordem judicial, o
Ministério dos Transportes remeteu-o a Agnelo, que iniciou a coleta de
assinaturas de parlamentares para instaurar uma Comissão Parlamentar de
Inquérito do DNER.
Assinado pelos corregedores da Advocacia Geral da União
Alexandre Penido Duque Estrada, Zadiel Lobato de Oliveira e pela
advogada da União Ana Valéria de Andrade Rabêlo, o relatório de
correição 067/2001, enumera várias evidências e documentos para
demonstrar que a decisão de fazer os acordos extra-judiciais que deram
prejuízo aos cofres públicos teriam não só o conhecimento, mas também o
aval do ministro dos Transportes, a quem caberia a decisão final sobre o
assunto. Um dos corregedores que assinam o relatório, Zadiel Lobato,
foi afastado da AGU depois de concluído o relatório.
O Correio Braziliense teve
acesso ao relatório. De acordo com reportagem publicada pelo jornal, o
esquema começara em 12 de dezembro de 1998, quando o chefe de gabinete
de Padilha, Raimundo Dantas dos Santos, solicitou ao consultor jurídico,
Arnoldo Braga Filho, estudos iniciais para a implantação de um cadastro
informatizado de demandas judiciais.
A solicitação fazia referência a
um despacho do próprio ministro feito na mesma data e concluía com a
seguinte observação: ‘‘Os acordos administrativos firmados com as
empresas vinculadas/MT e a autarquia DNER só serão consumados depois do
aprovo do titular desta pasta’’.
Em conseqüência
desta solicitação de Raimundo, o então procurador-geral do DNER, Rômulo
Fontenelle Morbach, baixou a instrução normativa PG nº 001, de 13 de
janeiro de 1999. Nessa instrução, ele determinava que fossem feitos os
cálculos dos precatórios mais altos, acima de R$ 1 milhão, ‘‘de modo a
dar celeridade aos pagamentos’’.
E também a suspensão temporária de
acordos judiciais até ‘‘segunda ordem e aprovação do Orçamento/99’’.
Concluindo: ‘‘Sobre este assunto, o senhor ministro dos Transportes
deverá ser pessoalmente notificado das respectivas propostas’’. Assim,
Morbach deixava claro que Padilha tinha de ser informado sobre qualquer
proposta de acordo extra-judicial, pelo menos desde 13 de janeiro de
1999.
O relatório apontava outras evidências de
envolvimento do ministro no esquema. Um fax do dia 14 de maio de 1999,
em que o assessor especial do Ministério dos Transportes, Marcos Antônio
Assi Tozzatti, solicita ao diretor-executivo do DNER, Haroldo Mata, que
providencie dois empenhos (reserva dos recursos orçamentários para
pagamento posterior) no valor de R$ 1,6 milhão para pagar precatório em
nome de Jean Pierry Roy Júnior. Tozzatti deixa claro que o pedido não é
seu. É, conforme ele escreve no início do bilhete, ‘‘de ordem do
excelentíssimo senhor ministro dos Transportes, Eliseu Padilha’’.
Em
outro caso descrito no relatório da Corregedoria, o ex-deputado Álvaro
Gaudêncio Neto (PFL-PB) procura o então secretário-geral da Presidência,
Eduardo Jorge Caldas Pereira. O encontro resulta no aviso nº 214/SG, de
23 de setembro de 1997. Nesse aviso, Eduardo Jorge simplesmente
encaminha o pedido, solicitando ‘‘autorização para a procuradoria do
DNER negociar débito com a Empresa Comércio, Importação e Exportação 3
Irmãos Ltda’’. O aviso de Eduardo Jorge foi encaminhado a Eliseu
Padilha.
Pressionado pela denúncia, Padilha disse
que tomaria providências contra os envolvidos. Mas as suas determinações
foram pífias. Ele suspendeu por 30 dias o procurador Pedro Elói Soares
(que já tinha sido temporariamente afastado anteriormente), mas a
suspensão efetivamente nunca foi cumprida, e fez uma advertência por
escrito ao diretor do DNER, Genésio Bernardino. Os demais envolvidos
sequer foram citados.
O Ministério Público moveu ação por improbidade
administrativa contra Padilha e Gilmar Mendes, alegando que ambos foram
omissos. Também sofreram ação por improbidade Pedro Elói e Rômulo
Fontenelle Morbach.
Dois anos depois das denúncias, o
procurador Pedro Elói decidiu confessar os crimes e apontar Padilha
como responsável. Em 30 de janeiro de 2001, ele escreveu uma ‘‘Carta
Aberta aos Servidores do DNER’’, dizendo que o esquema de pagamento dos
precatórios sofria do ministro dos Transportes uma ‘‘influência
política’’, que classificava como ‘‘desastrosa, imoral e ilegal’’. De
acordo com ele, o esquema teria começado após a saída do ex-ministro
Odacir Klein, em 1996.
A idéia teria sido formatada quando assumiu
interinamente o peemedebista gaúcho Alcides Saldanha, mas apenas após a
posse de Padilha viria a determinação clara de que os pagamentos só
sairiam após o aval do ministro. “A decisão política de pagar ou deixar
de pagar parte do Ministério dos Transportes. Sem essa decisão, nenhum
acordo seria pago’’, afirma o procurador, na carta.
De
acordo com Pedro Elói, Padilha controlava o pagamento das dívidas
judiciais a partir da Secretaria de Desenvolvimento do Ministério dos
Transportes. Após a triagem, os processos subiam para o gabinete. ‘‘De
lá, com o placet ministerial, evoluíam ao diretor geral do DNER para
‘‘fazer de conta’’ que estava exarando ato sponte sua (ato da sua
vontade) e, assim, exercendo na plenitude o cargo’’. Dias depois, o
procurador confirmou as acusações em entrevista ao Correio Braziliense: ‘‘A coisa ganhou corpo mesmo com Padilha. Foi ele quem assumiu isso de vez’’.
O
ex-ministro sempre negou as acusações. Conseguiu se manter no cargo até
o fim de 2001, quando estourou outro escândalo, um desdobramento do
caso dos precatórios. Funcionários do Ministério dos Transportes foram
apanhados em uma operação da Polícia Federal que investigava lavagem de
dinheiro.
Não foi exonerado pelo presidente Fernando Henrique. A
demissão foi a pedido. Padilha teria de sair do governo três meses
depois para atender as exigências da Justiça Eleitoral, pois pretendia
se candidatar a deputado federal nas eleições de 2002.
Uma
ação civil pública por improbidade administrativa contra o ex-ministro
corre há seis anos no Judiciário (processo nº 2000.34.00.042696-2). O
Ministério Público Federal pediu que Padilha fosse punido com a perda da
função pública por ele desempenhada, a suspensão dos seus direitos
políticos pelo prazo de cinco anos, a aplicação de multa no valor de 100
(cem) vezes a sua remuneração percebida (cerda de R$ 4 milhões ao longo
de quatro anos) e a proibição de ele contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio, pelo prazo de cinco anos.
O processo correu
primeiro na 21ª Vara Federal, que demorou dois anos para considerar
improcedente a acusação do Ministério Público, que recorreu ao Tribunal
Federal de Recursos da 1ª Região. Mais um ano para uma das Turmas
declarar o TRF incompetente para julgar Padilha, pelo fato de ser
ex-ministro. Desta vez é o acusado quem recorre da decisão, ganhando
mais dois anos de circulação do processo pelos escaninhos do TRF.
O
recurso foi rejeitado no início deste ano. Mas o ex-ministro recorreu
mais uma vez. Aliás, duas vezes: um recurso extraordinário e outro
especial. Com a manobra, ele conseguiu enviar o processo primeiro para o
STJ. Só depois irá ao STF. Ganhará mais quatro ou cinco anos, pelo
menos. Terá cumprido dois mandatos parlamentares ao longo do processo,
além do período de um ano que ficou no Ministério.
As
ações contra os demais servidores estão correndo em velocidade ainda
menor. Eles conseguiram travar os processos com uma quantidade
interminável de petições e ofícios. Mais de 100 em apenas um dos vários
processos que correm tanto no âmbito civil como no criminal.
Aparentemente, a única punição até agora foi a indisponibilidade de bens
de alguns dos envolvidos.
Ninguém está
acompanhando mais o caso. A imprensa perdeu o interesse. Os procuradores
que moveram a ação foram promovidos e não atuam mais no caso. Os
substitutos apenas cumprem tabela, pois não se trata de um caso deles. O
Judiciário está atolado de processos e recursos protelatórios.
Padilha
tem tido cautela para não chamar a atenção dos holofotes. Permaneceu
discreto como deputado federal nesta Legislatura e deve permanecer
assim, ao menos enquanto seus processos não forem julgados
definitivamente. Nem ele, nem o ex-presidente Fernando Henrique se
dispuseram a comentar o caso.
Padilha estava ocupado com a coordenação
do segundo turno da campanha do candidato tucano Geraldo Alckmin no Rio
Grande do Sul. Fernando Henrique estava apurado com os compromissos no
exterior. Na semana passada disse em Bueno Aires que uma das diferenças
do governo dele com o de Lula é que não tinha protegido seus aliados
envolvidos em falcatruas: “Não demos cobertura a ninguém”.
Assim termina um escândalo do governo FHC.
Sobre o mesmo assunto, leia a resposta de Eliseu Padilha aqui
Fonte: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-caso-da-mafia-dos-precatorios-do-dner