Por
que tantos jovens aderiram à campanha contra o aumento de tarifas de
ônibus e não às manifestações convocadas, com o apoio maciço da mídia,
contra a corrupção e os réus do mensalão? A resposta é simples: porque
esse é um protesto de esquerda, com reivindicações caras à esquerda.
A
direita não está nem aí para o aumento das tarifas do transporte
público, até porque ela anda de SUV. “São só 20 centavos”, foi a reação
mais comum que vi deles nas redes sociais.
Condenaram o movimento desde a
primeira hora, e vão condenar ainda mais daqui para a frente, porque,
em minha opinião, o aumento da tarifa em São Paulo foi apenas o
detonador de uma insatisfação crescente nos últimos anos e que agora
parece prestes a explodir. E que diz respeito não à direita, mas ao PT.
É
uma indignação já antiga, que começou a brotar quando o PT chegou ao
poder, em 2002, e passou a substituir o verbo “lutar” de suas origens
por “acochambrar” – em nome da tal governabilidade, uma palavra cada vez
mais suja.
Em 2010, a esquerda brasileira se uniu em torno de Dilma
Rousseff porque não queria que chegasse ao poder a corja de
fundamentalistas que apoiava o outro candidato.
Mas, para nosso espanto e
asco, eles estão hoje do lado do PT, influindo nos destinos da Nação.
Pior ainda, junto com os ruralistas que sempre abominamos.
Imaginem,
quando poderíamos pensar que a direita ficaria feliz com o PT no poder, e
a esquerda, contrariada? Parece um pesadelo.
No
poder, o PT abandonou praticamente todas suas bandeiras históricas – a
única que se mantém verdadeiramente de pé é a diminuição da pobreza, da
desigualdade social e étnica.
Todos aplaudimos as conquistas inegáveis
neste setor. Mas a gente não quer só comida, lembram? Queremos todas as
outras bandeiras de volta, também.
Abandoná-las tem um custo eleitoral
e, se o partido não resolver fazer algo a respeito, a fatura será
cobrada em 2014.
As bandeiras que o PT abandonou:
– A moralidade.
Não importa que seja caixa 2 ou outra coisa, o mensalão representou uma
mancha num partido que se construiu em cima de um discurso ético e não
para fazer “o que os outros também fazem”. Não houve mea culpa por parte do PT até hoje, e nem sequer uma reflexão conjunta sobre o ocorrido, apenas críticas à mídia e ao Supremo.
– Os direitos humanos.
Este ano, o PT, ao optar pela presidência de outras comissões “mais
importantes”, deixou de estar à frente de uma comissão que
tradicionalmente sempre prezou, a Comissão de Direitos Humanos e
Minorias da Câmara. Isso deu espaço para que se instalasse na
presidência da Comissão, para horror da sociedade civilizada, um pastor
fundamentalista com histórico de homofobia e racismo, Marco Feliciano.
Esta semana, diante da selvageria da PM nas manifestações de
quarta-feira em São Paulo, o governo federal, em vez de denunciar a
violência policial, fazendo jus à história do PT, ofereceu “ajuda” a
Geraldo Alckmin, do PSDB, contra um protesto de jovens. O prefeito
petista da capital, Fernando Haddad, em lugar de se portar ao lado dos
manifestantes como seria digno de um membro do partido que tem greves no
DNA, se colocou ao lado do governador tucano e da truculenta polícia.
– A reforma agrária.
Dilma Rousseff conseguiu ser pior que o governo neoliberal de Fernando
Henrique Cardoso em famílias assentadas: apenas 21,9 mil, o menor número
desde 1995. São dados do MST (Movimento dos Sem-Terra), velho parceiro
de lutas do PT, não do “PIG”.
É o MST quem diz que o governo de Dilma é
um dos piores nos últimos 20 anos em desapropriação de terras para
assentamentos. Não é à toa que a líder ruralista e senadora Kátia Abreu
chegou a declarar que se sente próxima à presidenta “pela concordância
de ideias” e por sua “compreensão da agropecuária brasileira”. Por
favor, respondam: quem, na esquerda, votou no PT esperando ver uma
ruralista contente?
– Os direitos LGBTs. A
bandeira da diversidade, tão cara ao PT desde os seus princípios,
inexiste hoje em dia no partido, que cedeu inteiramente à pressão dos
pastores evangélicos.
Os petistas se encontram tão reféns do
fundamentalismo em nome da “realpolitik” –surrealpolitik, melhor
dizendo–, que o ministro da Saúde telefonou ao pastor-deputado Marco
Feliciano antes de decidir suspender uma campanha pelo uso de camisinhas
entre prostitutas.
E quem vai esquecer que o governo Dilma voltou atrás
em lançar uma campanha anti-homofobia nas escolas só para atender ao
obscurantismo dos políticos evangélicos? O apego ao poder deixou o
valente PT medroso.
– Os índios.
Dilma Rousseff, ao contrário de seus antecessores, nunca recebeu no
Palácio do Planalto as lideranças indígenas. Só recentemente, após um
índio ser morto pela Polícia Federal no Mato Grosso do Sul é que o
secretário-geral da presidência, Gilberto Carvalho, recebeu lideranças
(em um anexo do Palácio) e admitiu erros na condução da política
indígena e na discussão em torno da usina de Belo Monte.
A presidente
Dilma é, até agora, a governante que menos concedeu terras a índios
desde o governo FHC. Enquanto isso, no Mato Grosso do Sul, prosseguem os
conflitos: na segunda-feira 12 outro índio foi morto em uma emboscada. É
ou não é para um cidadão de esquerda ficar indignado?
Crédito - Foto Movimento Passe Livre |
– Transporte público barato e de qualidade.
Sim, o PT já acreditou nisso. Quando Luiza Erundina se tornou a
primeira mulher prefeita de São Paulo, em 1988, o partido defendia a
mesma tarifa zero que os meninos do MPL (Movimento Passe Livre) que
estão nas ruas protestando, defendem (leia mais aqui). Por aí fica claro quem foi que mudou.
P.S.: [Estando você em São Paulo] Não deixe de ir à manifestação PACÍFICA programada para esta segunda-feira em São Paulo, às 17h, no Largo da Batata.
Link original desta Matéria: http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2013/06/os-20-centavos-e-indignacao-da-esquerda.html