terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Crise ética: Os filhos do Dr. Mengele e a insurreição de Bruna Sena

Por Pedro Tierra.

O Dr. Joseph Mengele estudou medicina – e filosofia – na Universidade de Munique. Ficou conhecido no mundo inteiro como o “Anjo da Morte”, durante os julgamentos de Nuremberg, pela eficiência com que, como coronel-médico, conduziu seu trabalho em Auschwitz. Foi responsável pela execução de 400 mil pessoas, prisioneiras do regime nazista acusadas pelo crime de serem ciganos, gays, judeus, comunistas e deficientes físicos.

Joseph Mengele era discípulo do Dr. Ernst Rudin, pesquisador da área de genética, defensor da eugenia, para quem os médicos tinham o dever de eliminar “criaturas indesejáveis” como os deformados, os homossexuais, os comunistas e os judeus. Homem prudente, fugiu do seu laboratório, em Auschwitz, em janeiro de 1945, temendo que os soviéticos não tivessem sensibilidade para compreender o sentido humanitário de suas pesquisas...  Uma figura inspiradora.

É recente o espanto da sociedade brasileira diante de atitudes e manifestações de médicos em absoluto descompasso com os paradigmas da profissão assentados no juramento que fazem ao concluir sua formação. E cultivada na tradição desde Hipócrates, em torno do valor maior submetido aos seus cuidados: a vida humana. Todos recordam a surpreendente, inexplicável e inaceitável recepção oferecida por profissionais de saúde aos médicos cubanos que desembarcaram no aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, em 27 de agosto de 2013. Eles, os médicos cubanos, se dispunham a trabalhar precisamente nas áreas do interior do país e na periferia das grandes metrópoles onde médicos brasileiros se recusavam a oferecer seus serviços.

Nos últimos dias, fomos agredidos pela violação do sigilo de exames médicos que davam notícia do gravíssimo estado de saúde de Marisa Letícia, internada no Hospital Sírio-Libanês. Uma ex-operária tecelã, que por capricho do destino contra todas as expectativas das elites brasileiras, se tornou primeira-dama da República. Por oito anos. A Dra Gabriela Munhoz, responsável pela violação do sigilo, foi demitida imediatamente pela direção do Hospital. Um dia depois, o médico Dr. Richam Faissal El Houssain Ellakis foi demitido pela Unimed, por ter publicado um post no qual prescreve os passos para acelerar a morte ou – como ele próprio expressa – “abrir a pupila” de Marisa Letícia. Você entregaria seu filho, seu marido, sua mulher, seu amigo, sua amiga aos cuidados do Dr. Richam? O que espera o Conselho Federal de Medicina para cassar o diploma desse herdeiro do Dr. Mengele?

Não é ocioso perguntar sobre os critérios éticos ministrados nas escolas de medicina do Brasil. Que escola formou os Drs. Richam e Gabriela? Não me refiro aqui à faculdade a) ou b). Refiro-me a uma distorção que se produz na formação dos profissionais de saúde, no país, que os converteu em ministradores de pacotes tecnológicos impostos pela indústria farmacêutica e que, em nome das relações comerciais estabelecidas pelo mercado, aboliu a relação humana entre o profissional de saúde e a pessoa que o procura. 

A par desse fato, há um outro de igual gravidade. Na sociedade mais desigual do mundo – e que aparentemente se orgulha disso – os médicos estão deixando de ser uma corporação. Estão se convertendo numa casta social. Desde o processo de seleção para frequentar as escolas de medicina. O mais seletivo de todos. Neste ano de 2017, foram 75,58 concorrentes lutando por uma vaga na mais importante Universidade do país.

“Quando a senzala vira médica, a Casa Grande pira” postou Bruna Sena nas redes sociais. Negra. Pobre. Estudante da escola pública. Filha da operadora de caixa de supermercado Dinália Sena, que a sustenta sozinha com um salário de R$ 1.400,00 desde os nove anos. Bruna encarnou nesses dias sombrios uma espécie de insurreição da esperança ao ser aprovada em primeiro lugar na Fuvest, para medicina.

Da conversa que manteve com jornalistas destaco duas reflexões que revelam, a meu juízo, o perfil de Bruna: “Alguns se esquecem do passado, que foram anos de escravidão e sofrimento para os negros. Os programas de cotas são paliativos, mas precisam existir. Não há como concorrer de igual para igual quando não se tem oportunidades de vida iguais."  E, “claro que não sei ainda qual especialidade pretendo seguir, mas sei que quero atender pessoas de baixa renda, que precisam de ajuda, que precisam de alguém para dar a mão e de saúde de qualidade”.

Quero guarda-las para seguir convencido de que o sinal de humanidade que carregamos em nós permanece aceso no coração dessa menina. E pensar que a máquina feroz que Bruna Sena vai enfrentar ao longo de sua formação não derrotará esse ímpeto generoso que encarnou nela as transformações – ainda que tímidas – que ocorreram nos últimos anos, no Brasil, para a vida das jovens negras da periferia.

E possamos olhar friamente e comparar com a frase do Dr. Richam Ellakis sobre os últimos dias de Marisa Letícia: “Esses fdp vão embolizar ainda por cima. Tem que romper no procedimento. Daí já abre a pupila. E o capeta abraça ela.” Uma frase que poderia ter sido proferida pelo Dr. Joseph Mengele. Que, nunca é demais lembrar, morreu impune, depois de uma velhice pacífica, neste país chamado Brasil.

Pedro Tierra é poeta. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo.

Maranhão - Eucalipto: o deserto verde que ameaça a vida dos povos tradicionais do campo.


A situação no estado do Maranhão se destaca pela quantidade de conflitos gerados pela expansão da empresa Suzano Papel e Celulose, que chegou na região em 2008.

Por Leonardo Fernandes, da Página do MST .
A expressão usada para denominar a monocultura de eucalipto não poderia ser mais adequada: deserto verde. Isso porque entre os mais variados e agravados impactos socioambientais dessa prática, está o rápido desaparecimento de fontes de água nas regiões de plantio. Brasil afora, o MST vem travando grandes batalhas contra a ação predatória das empresas de celulose, responsáveis pela monocultura.
A situação no estado do Maranhão se destaca pela quantidade de conflitos gerados pela expansão da empresa Suzano Papel e Celulose, que chegou na região em 2008. Na ocasião da assinatura do decreto que autorizava a instalação da empresa no estado, seus dirigentes destacavam as vantagens de operar na região: a grande oferta de mão de obra, terras próprias para a agricultura e água em abundância. Menos de dez anos depois do começo das operações, a agricultura familiar da região sofre com a falta d’água e com a drástica redução da mata nativa do cerrado, provocada por desmatamentos de áreas de até 15 mil hectares. E no que se refere à tão esperada geração de empregos deu lugar à terceirização e mecanização de atividades.
Segundo Edivan Reis, da Direção Nacional do MST, “A região está sendo destruída por essa prática, acabando com a flora, com as frutas do cerrado, e claro, a vida de toda a população”.
Em outubro de 2016, a Justiça Federal decidiu acatar um pedido do Ministério Público Federal para proibir novos cultivos de eucalipto na região do cerrado maranhense, sob pena de multa diária de 50 mil reais. A ação movida pelo MPF contra a empresa Suzano, o Estado do Maranhão e o Ibama, atendeu ao reclamo de cerca de 63 famílias que luta há anos para proteger cerca de 1.665 hectares de cerrado nativo, onde a monocultura do eucalipto ainda não chegou. A denúncia foi baseada em um estudo elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão, no qual são feitos apontamentos sobre os graves impactos da produção de eucalipto ao ambiente e às formas de vida das comunidades locais, provocados pelos grandes empreendimentos de plantio de eucalipto na região.
“Para nós do MST essa decisão é muito importante, embora tenha vindo tarde, porque já são quase dez anos que essas práticas existem. Essas grandes empresas chegaram, se apropriaram da terra por meio de grilagem, expulsando os camponeses da região e colocando a todos em uma situação de vulnerabilidade, destruindo a cultura e a economia camponesa na região”, comenta Edivan.
A área sobre a qual incide a ação do Ministério Público Federal fica na divisa com o estado do Piauí, conhecida como Baixo Parnaíba. Ocorre que a empresa Suzano também opera em outra região, no sul do estado, próximo à cidade de Imperatriz, segunda maior do Maranhão. Só nessa região há conflitos envolvendo a Suzano Papel e Celulose com pelo menos dez comunidades, a maior parte delas, assentamentos da Reforma Agrária. A população rural da região reclama quanto da infraestrutura das estradas, que ficam totalmente comprometidas pela passagem de caminhões cargueiros. Em períodos de chuva, algumas comunidades ficam isoladas, enquanto a empresa se nega a assumir a responsabilidade sobre o assunto. Ainda na região sul do estado, os moradores denunciam que a empresa segue ocupando ilegalmente terras de comunidades rurais e assentamentos.
De norte a sul do país
Assim como a região do cerrado maranhense, outras regiões do Brasil sofrem com os mesmos graves problemas causados pela monocultura do eucalipto. É o caso do Espírito Santo, onde a empresa Fibria – antiga Aracruz – já ocupa mais de 350 mil hectares com o cultivo da planta. Nessa região, além dos produtores rurais, comunidades indígenas e quilombolas ainda brigam pelo reconhecimento de suas terras, invadidas ilegalmente pela indústria da celulose. Situação semelhante ocorre em outros estados como São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Piauí e Mato Grosso do Sul.
Segundo dados de uma investigação conjunta entre a ONG Repórter Brasil e o Instituto Rosa Luxemburgo, só a região sudeste concentra 55,8% de todo o eucalipto plantado no país. O estado com maior concentração é Minas Gerais, com cerca de 1,4 milhão de hectares de plantio. Em todo o país, a área de monocultura do eucalipto ocupa 6,5 milhões de hectares, de norte a sul. E há planos de expansão. Segundo esse mesmo estudo, o Governo Federal pretende triplicar essa área nos próximos 20 anos, através de créditos e financiamentos às empresas de celulose, que chegaram à ordem dos oito bilhões de reais entre 2009 e 2011.
Enquanto os pequenos produtores rurais sofrem os efeitos da monocultura do eucalipto, o valor bruto da produção de celulose no Brasil chegou aos 51, 8 bilhões de reais em 2010. Em 2017, mesmo com a crise econômica no seu auge, somente a Suzano Papel e Celulose teve um lucro líquido de 1,6 bilhão de reais.

Advogada larga profissão e vira acompanhante de luxo em Brasília.

Foto - Cláudia de Marchi.

Em junho do ano passado, Cláudia de Marchi, 34, deu entrada no pedido de licença de sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. Devolveu a carteira de número 63.467, tirada em 2005, no Rio Grande Sul.
A justificativa deve ter entrado para os anais da entidade de classe: tornar-se “acompanhante de luxo”.
Para exercer a nova profissão, uma das mais antigas do mundo, a gaúcha de Passo Fundo foi de mala, cuia e laptop para Brasília.
E deixou para trás ainda uma carreira de professora universitária em Mato Grosso.
A mudança radical foi motivada pela demissão da Faculdade de Sorriso, do grupo Unic, onde dava aulas de direito constitucional, sua especialidade, em fevereiro de 2016.
Em 11 de abril, Cláudia de Marchi iniciava suas atividades como cortesã de luxo na Capital da República e também um blog onde passou a narrar suas aventuras dentro e fora da alcova.
Matéria transcrita do www.maispb.com.br.

Lava Jato - Ministro do STF Edosn Fachin determina arquivamento de inquérito contra senador Fernando Collor.

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Foto - Senador Fernando Collor.
O Inquérito (INQ) 4250, um dos processos oriundos da chamada Operação Lava Jato que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar o senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL), foi arquivado por determinação do ministro Edson Fachin. A decisão do relator acolheu pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, segundo o qual não existem elementos probatórios mínimos para o prosseguimento das investigação.
Neste inquérito, o senador era investigado pelo suposto envolvimento em esquema criminoso de corrupção de agentes públicos e lavagem de dinheiro relacionado à Petrobras Distribuidora S/A. De acordo com o procurador-geral, não foram levantados elementos suficientes para fundamentar a continuidade do inquérito e a consequente propositura de ação penal. “Seria temerário o oferecimento de uma denúncia com base apenas em declarações de um colaborador, principalmente em hipóteses como a dos autos, em que os elementos de prova reunidos parecem infirmar as genéricas palavras de tal agente”.
Atribuição - “À exceção das hipóteses em que o procurador-geral da República formula pedido de arquivamento de Inquérito sob o fundamento da atipicidade da conduta ou da extinção da punibilidade, é pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte considerando obrigatório o deferimento da pretensão, independentemente da análise das razões invocadas. Trata-se de decorrência da atribuição constitucional ao procurador-geral da República da titularidade exclusiva da opinio delicti a ser apresentada perante o STF”, salientou o relator.
O ministro ressaltou, contudo, que o arquivamento deferido com base na ausência de provas suficientes não impede o prosseguimento das investigações caso futuramente surjam novas evidências.
Foi determinada, na decisão, o envio de cópia digital dos autos à 13ª Vara Federal de Curitiba, Seção Judiciária do Estado do Paraná, a fim que se adote as providências necessárias e cabíveis com relação aos demais envolvidos, não detentores de foro por prerrogativa de função no Supremo.
MB/AD
Processos relacionados - Inq 4250.
Link original: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=336471

MPF apresenta ao Ministério da Justiça preocupações com a situação política indigenista.

O objetivo é promover a aproximação das instituições e estabelecer um diálogo para fortalecer a proteção dos direitos dos povos indígenas.
MPF apresenta ao Ministério da Justiça preocupações com a situação política indigenista
Foto: Mayke Toscano - Fotos Públicas
Estruturação da Funai, demarcação e proteção de terras indígenas, retirada de não-indígenas de terras demarcadas (desintrusão) – esses foram alguns dos temas tratados pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) em reunião com o ministro da Justiça, José Levi do Amaral Júnior, na última terça-feira, 14 de fevereiro.
Coordenador da 6ª CCR/MPF, subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, expressou especial preocupação com o enfraquecimento da Funai, que termina por prejudicar os direitos indígenas, sobretudo na demarcação de terras. “A Funai detém enorme acúmulo de conhecimento com experiência na identificação e demarcação de terras indígenas, o órgão precisa se munir de recursos humanos e materiais”, explicou. Segundo Mariz Maia, o Ministério da Justiça trouxe a boa notícia de que há previsão de nomeação de concursados para a Funai.
Pontos críticos – Os representantes da Câmara de povos indígenas do MPF também expuseram ao ministro a situação de risco a que estão sujeitas as comunidades indígenas em terras onde são desenvolvidas atividades econômicas ilegais, como extração mineral e comércio de madeira, por exemplo.
Além disso, o MPF cobrou o cumprimento da operação de retirada (desintrusão) de não-indígenas da reserva Apyterewa, no município de São Félix do Xingu (PA). “A retirada das famílias que ocupam ilegalmente essas terras é, inclusive, uma das condicionantes não cumpridas para a liberação da licença de operação de Belo Monte”, mencionou Mariz.
O subprocurador-geral Luciano Maia destacou, ainda, a necessidade de aplicação de critérios e metodologias antropológicas nos processos de demarcação de terras indígenas. Para ele, a aplicação restrita do critério temporal pode restringir direitos, na medida em que pode deixar de reconhecer presenças ou resistências de populações em determinados territórios.
Os representantes da 6CCR entregaram um relatório sobre a situação dos processos de demarcação de terras indígenas aos representantes do Ministério da Justiça. Os dados dos processos estão atualizados até 6 de fevereiro deste ano.
Secretaria de Comunicação Social - Procuradoria-Geral da República -       (61) 3405-6406 / 6415 - facebook.com/MPFederal twitter.com/mpf_pgr.

Reforma da Previdência pode ser o fim da aposentadoria rural, afirmam agricultores.

Ana Paula acredita que a reforma da Previdência vai punir famílias agricultoras
Foto: Acervo pessoal
Já tramita na Câmara Federal sob o título de PEC 287 a Proposta de Emenda à Constituição que visa alterar as regras de aposentadoria no Brasil. Assinada por Michel Temer e pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles, a Reforma da Previdência é vista como uma ameaça à aposentadoria da população do campo. Segundo lideranças e agricultoras entrevistadas, as novas regras inviabilizam que a população rural acesse o direito à aposentadoria.
Pelas as novas regras que podem ser estabelecidas pela PEC 287, o trabalhador rural só poderá se aposentar com idade mínima de 60 anos (para homens) e 55 anos (mulheres), um aumento de 10 anos de trabalho em comparação com as regras atuais. E mesmo com 60 e 55 anos, esses camponeses só conseguirão aposentadoria se contribuírem mensalmente com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) por 25 anos. Mas caso queiram recebem a aposentadoria no valor integral, terão que contribuir por 49 anos.
O ponto da contribuição mensal é um dos maiores incômodos do presidente da Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Estado de Pernambuco (FETAPE), Doriel de Barros. “Não pode ser assim. O trabalhador urbano tem salário, mas a renda do trabalhador rural depende da produção. Olhe para o Nordeste, que enfrenta uma seca há seis anos. Como é que pagaremos ao INSS todo mês?”, pergunta Barros. “Além disso é uma proposta mentirosa, que se ancora num suposto déficit da previdência que na prática não existe. Eles querem fazer ‘terrorismo’, afirmando que aposentados ficarão sem receber”, completa. Segundo a Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), a Previdência Social é superavitária, ao contrário do que diz o Governo Federal, que propôs a Reforma da Previdência para solucionar um suposto “rombo”.
Agricultor familiar da comunidade rural de Poço Dantas, na cidade de Tabira, Sertão de Pernambuco, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em Pernambuco, Carlos Veras, acredita que a nova regra que obriga a contribuição mensal vai tirar o direito à aposentadoria rural. “Os recursos que essas famílias têm são para seu sustento. Essa reforma vai acabar com o direito à aposentadoria. Nós vamos trabalhar a vida toda e morrer sem se aposentar”, se queixa Veras. O sindicalista, que vê a Previdência Social como “a principal fonte de distribuição de renda do País”, se refere ainda à seca para exemplificar a dificuldade do agricultor da região Nordeste. “Muitas famílias estão quase sem renda, dependendo de benefícios e dos programas sociais. Como é que essas famílias vão pagar mensalmente a Previdência Social? Nessa seca, qual a renda mensal de um trabalhador rural?!”, provoca.
O dirigente Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) Jaime Amorim avalia que a Reforma da Previdência é “o pior golpe dentro desse golpe”. “Como é que camponeses que plantam para a subsistência pagarão taxas mensais?”, questiona Amorim. “Teremos que pagar desde jovens, mas jovens não produzem excedente financeiro para pagar o INSS. Qualquer taxa mínima é inviável. A reforma é inviável para a economia e para a sobrevivência das pessoas”, reclama.
O advogado trabalhista André Barreto explica que pelas regras atuais, o trabalhador rural pode acessar a aposentadoria por duas vias: a comum para os trabalhadores empregados rurais, que têm recolhimento mensal de impostos para o INSS; e a ‘aposentadoria especial’, em geral para pequenos agricultores e comunidades tradicionais. “A aposentadoria especial não necessita pagamento mensal da Previdência, não precisa pagar ao INSS mensalmente, bastando ao trabalhador comprovar documentalmente que ao longo de 15 anos ou mais ele era trabalhador rural, que estava produzindo, comercializando”, diz Barreto. “Mas com a reforma da previdência a modalidade especial fica extinta. A aposentadoria fica por idade e tempo de contribuição, inclusive para o agricultor familiar”.
A agricultora aposentada Alaíde Martins, 55, da cidade de Triunfo, Sertão pernambucano, conquistou a aposentadoria após provar que exerceu o trabalho durante décadas. “Eu precisei apresentar o ITR (Imposto Territorial Rural), mais de 200 cópias de documentos, mostrei que minha família recebeu o Seguro Safra durante tantos anos, comprovante de quitação eleitoral para mostrar que eu estava mesmo morando na cidade durante esses tempo e ainda os comprovantes de que recebi as sementes do IPA (Instituto Agroeconômico de Pernambuco)”, recorda.
A aposentada alega que o pagamento mensal de INSS é financeiramente inviável para as famílias camponesas. “A maioria dos agricultores não tem outra renda além da agricultura. Como é que ele vai fazer para pagar ao INSS durante 25 anos? Eu pagava só R$ 13 ao Sindicato e ainda pesava no meu orçamento. Imagine pagar o INSS, que deve ser mais de R$ 30?! O agricultor não tem condições de pagar isso”, se queixa. “A pessoa fica a vida inteira trabalhando, suando para se aposentar. Mas com a mudança, com essa história de pagar o INSS todo mês, a pessoa não vai mais conseguir se aposentar. Daqui para quando a pessoa consiga pagar 25 anos de INSS, ela já não vai mais estar viva”, avalia Martins. Em sua opinião, caso a Reforma da Previdência seja aprovada, “daqui uns anos os agricultores idosos estarão morrendo de fome, porque não terão condições de trabalhar e nem estarão aposentados”.
Ana Paula Ferreira, 30, do município de Afogados da Ingazeira, Sertão pernambucano, afirma que a proposta do Governo Temer vai ter grande impacto negativo. “Vai abalar bastante quem é da agricultura familiar. Estamos numa seca de seis anos no Nordeste e não estamos tendo renda. Com certeza as famílias não conseguirão pagar o INSS. E não vamos conseguir nos aposentar”, lamenta. O presidente da FETAPE acredita que o Governo Federal está punindo quem não tem culpa pela crise. “É um absurdo colocar trabalhadores rurais para pagar a conta da crise, para cobrir os juros da dívida pública, impondo a milhões de trabalhadores uma condição de nunca se aposentar”. Cerca de 36% da população brasileira é rural, segundo levantamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário em 2015.
Pelas regras propostas na PEC 287, os homens trabalhadores rurais que hoje têm 50 anos e as mulheres camponesas com 45, idade de se aposentar pelas regras de hoje, também sentirão o impacto, mas dentro de uma “transição”. Para se aposentar recebendo o valor para o qual se programavam, terão de pagar um “pedágio” de 50% sobre o tempo que faltaria para se aposentar pela nova regra (ou seja, terão que pagar 50% do valor que pagariam até completar 60 e 55 anos.
O advogado André Barreto avalia que as medidas têm o objetivo de impedir que as pessoas consigam se aposentar. “Essas famílias de agricultores obtêm recurso por safra, não têm condições de pagar esses valores mensalmente. Então o que acontece é que essa população não vai conseguir se aposentar. Vai trabalhar até o fim da vida. As regras estão colocadas para impedir o acesso ao direito de se aposentar”.
Outro ponto crítico da Reforma da Previdência é a desvinculação da aposentadoria à política de salário mínimo. A agricultora Alaíde Martins conta que, ao se aposentar, passou a ter uma vida mais digna e a fazer feira com mais tranquilidade, mas não livre de dificuldades financeiras. “A aposentadoria vinculada ao salário mínimo já dá ‘a continha’ certa para fazer a feira do mês e comprar um ou outro remédio. Mas com essa mudança, não vai dar nem para manter a alimentação e a saúde, que é o básico. Isso vai acabar com o povo”, diz. “A desvinculação pode fazer com que, daqui a 10 anos, a aposentadoria seja equivalente à metade de um salário mínimo”, completa Jaime Amorim.
Cidades do Interior
Os entrevistados também foram unânimes na avaliação de que o ataque à aposentadoria rural não atinge apenas as famílias agricultoras, mas todas as cidades do interior do Brasil. “Hoje a economia dos municípios menores, os que não têm indústria, dependem do pequeno comércio, dos mercadinhos, das bodegas. E o recurso que circula é o da previdência. É a fonte de renda dos municípios”, afirma o presidente da CUT Pernambuco. “Com essa reforma essas cidades vão quebrar. As prefeituras não têm como dinamizar a economia. As prefeituras irão falir. E a consequência é o êxodo rural seguido da favelização. Essa reforma vai inchar as cidades”, avalia Carlos Veras.
A jovem Ana Paula acredita que a reforma pode acabar com o comércio da sua cidade. “A população de Afogados depende do comércio de hortaliças e pequenos animais”. Jaime Amorim, do MST, também prevê essa situação. “Os pequenos municípios dependem economicamente desse recurso que vem da aposentadoria dos camponeses. Mensalmente os trabalhadores rurais aposentados gastam esse dinheiro no comércio das pequenas cidades”, diz Amorim. “A reforma da previdência vai reduzir drasticamente o número de pessoas que conseguem se aposentar, especialmente mulheres. Os idosos falecem, o recurso deixa de circular e não entra novo recurso, porque as pessoas não conseguem se aposentar. Isso inviabiliza a economia rural e dos municípios, atingindo milhões de pessoas que trabalharam duramente para construir esse país”, completa.
Veras acredita que a PEC 287 é um caminho para o Nordeste voltar à condição de “exportador de mão de obra barata para outras regiões”, em contraponto com a última década, quando os estados nordestinos viveram o oposto, com as famílias retornando para reconstruir suas vidas na região. “E no caso do campo corremos o risco de voltar aos tempos de medidas de emergências, saques e aumento da pobreza. Com certeza essa reforma vai colocar o Brasil de novo no Mapa da Fome. O projeto é muito prejudicial às economias locais e ainda tira as mínimas condições de vida das pessoas”, lamenta.
Resistência
Doriel de Barros avisa que a FETAPE está mobilizada para enfrentar a Reforma da Previdência. “Estamos organizando as bases para denunciar e enfrentar essa Reforma da Previdência, pois essa medida visa tirar os direitos conquistados pela classe trabalhadora. Queremos debater com a sociedade nos próximos meses”, avisa. “A expectativa de vida média dos trabalhadores rurais é de 67 anos. Se essa proposta passar, muitos trabalhadores rurais não conseguirão se aposentar”, reclama o sindicalista. Carlos Veras, da CUT, reforça o coro. “O camponês começa a trabalhar com 5 anos de idade, seja menino ou menina. Impedir que essa pessoa se aposente é uma crueldade que não pode ser aceita”. E Jaime Amorim, dirigente do MST, afirma que “mexer na Previdência é declarar guerra aos camponeses. Os trabalhadores rurais de todo o País resistirão”.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

‘Redwashing': discursos de ‘esquerda’ para limpar os crimes do Estado de Israel.

jean wyllys

O ‘redwashing’ não é apenas cúmplice, no sentido de assistir ao desaparecimento do povo palestino; é parte estruturante da sofisticada e tentacular necropolítica do Estado de Israel.