27/05/2013 - Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Boa parte da rotina dos cientistas forenses é
dedicada a identificar pessoas – sejam elas vítimas de acidentes,
desaparecidos, suspeitos de crimes ou, simplesmente, cadáveres
desconhecidos.
Embora o exame de DNA seja um importante aliado nesse trabalho, não é
a única ferramenta disponível. Em determinados casos, a análise dos
ossos pode trazer pistas ainda mais valiosas e fundamentais para
desvendar o enigma.
“De que adianta avaliar o DNA de uma ossada encontrada em um
cemitério clandestino se não houver um suspeito para comparar?”, disse Marco Aurélio Guimarães,
responsável pelo Laboratório de Antropologia Forense do Centro de
Medicina Legal (Cemel) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da
Universidade de São Paulo (FMRP-USP), onde depara cotidianamente com
esse tipo de situação.
“Nesses casos, buscamos determinar, pela morfologia dos ossos, o sexo
da vítima, sua ancestralidade (caucasiana, africana, asiática ou
indígena), faixa etária, estatura e até mesmo a destreza manual. Também
buscamos marcas de cirurgias, de traumas ou alterações anatômicas de
nascença que facilitem o reconhecimento.
Esse perfil é então divulgado
na expectativa de encontrar familiares que possam fornecer mais
informações e, eventualmente, uma amostra de DNA para a comparação”,
disse Guimarães, um dos palestrantes do 4º Congresso Brasileiro de
Genética Forense, realizado entre os dias 7 e 10 de maio em São Paulo
com apoio da FAPESP.
Segundo Guimarães, são poucos os distritos do país que contam com
peritos treinados para fazer essa análise bioantropológica. Além disso,
não há uma metodologia uniforme e bem estabelecida no Brasil. O
protocolo usado no Cemel foi desenvolvido por Guimarães há cerca de oito
anos em parceria com cientistas da Universidade de Sheffield, no Reino
Unido.
“Para determinar o sexo, por exemplo, usamos principalmente os ossos
do crânio e da pelve. Selecionamos os parâmetros morfológicos mais
confiáveis da literatura científica e avaliamos se há mais
características masculinas ou femininas presentes. No caso da estatura,
tomamos como base a medida de ossos longos e usamos fórmulas matemáticas
de regressão para fazer uma estimativa. Já o estado das articulações
pode revelar pistas importantes sobre a faixa etária”, disse.
Com essa metodologia, aliada à análise das arcadas dentárias, os
peritos do Cemel conseguem descobrir a identidade de um terço das
ossadas que dão entrada no laboratório. Segundo Guimarães, o índice é
comparável ao dos melhores centros de antropologia forense do mundo.
A mesma técnica vem sendo empregada
pelo cientista no Grupo de Trabalho do Araguaia (GTA), que há cerca de
cinco anos realiza expedições no Norte do país em busca dos corpos dos
guerrilheiros comunistas mortos durante a ditadura militar (1964-1985).
“Se todas as ossadas encontradas na região fossem encaminhadas para a
análise de DNA, o trabalho de identificação custaria uma fortuna e
traria poucos resultados. Por isso, fazemos uma triagem ainda no local
da escavação, com o objetivo de determinar se aquele despojo tem o
perfil compatível com o de um guerrilheiro”, contou Guimarães.
Mas determinar a ancestralidade e até mesmo a estatura com base em
parâmetros estabelecidos a partir de dados internacionais pode ser uma
tarefa ingrata em um país miscigenado como o Brasil. Por esse motivo,
Guimarães orienta atualmente um trabalho de doutorado cujo objetivo é
estabelecer parâmetros mais fidedignos para a população brasileira.
“Vamos exumar 150 corpos não reclamados por familiares de um
cemitério de Ribeirão Preto, aplicar esse protocolo de análise e
comparar os resultados obtidos com os esperados pelos parâmetros do
Cemel. A ideia é estabelecer referências nacionais mais confiáveis”,
contou.
A pesquisa está sendo conduzida por Raffaela Arrabaça Francisco, na FMRP-USP, e conta com Bolsa da FAPESP.
Guimarães ressalta, no entanto, que nem mesmo o melhor protocolo de
antropologia forense conseguirá resolver sozinho todos os casos. “Muitas
vezes precisamos combinar diversas metodologias de identificação, como
impressão digital, análise da arcada dentária e, em último caso, exame
de DNA. São técnicas inter-relacionadas e a mais indicada depende de
cada situação”, disse.
Banco de perfis genéticos
Desde março, quando foi regulamentada a lei 12.654, de 2012, os
peritos envolvidos no trabalho de identificação de pessoas passaram a
contar com um importante trunfo. Segundo a norma, a coleta de material
genético de condenados por crimes hediondos tornou-se obrigatória. As
informações serão armazenadas em bancos de dados estaduais e
interligadas em uma base nacional, coordenada pelo Instituto Nacional de
Criminalística (INC), em Brasília.
“A lei também criou a possibilidade de coletar o DNA de suspeitos de
crimes, desde que o juiz concorde que isso é essencial para as
investigações. Todos esses dados vão compor um banco que será muito
útil, pois na maior parte dos crimes em que são encontrados vestígios no
local – como sangue ou sêmen – não existe um suspeito para fazer a
comparação”, contou Guilherme Jacques, perito criminal federal que
trabalha na implantação da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos.
O Banco de Perfis Genéticos também poderá, segundo a lei, ser usado
para a identificação de pessoas desaparecidas. “Agora, é necessário que
seja feita uma divulgação para que os parentes de desaparecidos procurem
as instituições de perícia e cedam seu material genético. Esses dados
ficarão armazenados para possibilitar a comparação com o DNA de ossadas e
corpos encontrados”, explicou Eloisa Auler Bettencourt, perita criminal
do Estado de São Paulo.
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