Túlio Muniz: Portugal e a exportação de professores.
A mídia cartelista - por Túlio Muniz, via e-mail. Portugal, este domingo, 18 de Dezembro:
– Manchete na edição on-line do diário “i”: Passos Coelho sugere que professores desempregados emigrem para o Brasil e para Angola.
– Manchete na edição on-line do “Público”: Passos Coelho sugere a emigração a professores desempregados.
– Manchetes na edição on-line do “Diário de Notícias”: “Seguro chocado com declarações de Passos sobre professores” e “Líder da FENPROF aconselha Passos Coelho a emigrar”.
Fugir “a salto” era, no Portugal da ditadura fascista, migrar para
França “pulando” a Espanha. Eis que o primeiro ministro da direita
portuguesa, Passos Coelho (um político estreante e inábil) reifica a
modalidade: se não se pode solucionar a Educação, livra-te dela, ainda
que a custa da inteligência de um país.
Os links acima são exemplos da crueldade acerca do que é a genuína
direita européia, que mergulha o continente numa era de incertezas e
exploração capitalista poucas vezes vistas na História. Acentua-se a
gravidade em contextos como os de Portugal, país com uma das maiores
defasagens de escolaridade entre seus habitantes (quase 20% não
completaram nível algum). A refletir e acompanhar.
Entretanto, uso do delicado acontecimento para remeter ao que abunda
na Europa e claudica por cá. Portugal, em que pese a crise econômica e
social que atravessa, nos lega uma lição primorosa de jornalismo, essa
invenção fantástica do século XIX, na definição Foucault.
Nenhuma das manchetes acima foi gerada por matéria de um dos grandes
jornais de Portugal citados no início deste texto, mas pelo “Correio da
Manhã”, uma espécie de “O Dia” lusitano. Diferente do que cá ocorre, a
imprensa portuguesa não deixa de repercutir um assunto que é de
interesse público, ainda que o mote seja o de um concorrente. O mesmo se
dá nas redes de TV, nas emissoras de rádio, mesmo que o assunto
contrarie este ou aquele interesse privado. Afinal, eis a justificativa
da existência do jornalismo, a difusão e o amplo debate público de
determinada questão.
No Brasil, há uma interdição ao debate e a citação de um concorrente
pelo outro, com exceção poucos de veículos de alcance nacional, como a
revista Carta Capital ou a TV Record, raridade replicante nas mídias
locais e regionais (em Fortaleza, “O Povo” eventualmente cita e
repercute seu principal concorrente, o “Diário do Nordeste”/Globo, mas a
recíproca inexiste). Ironia: a rede Recod, de propriedade da Igreja
Universal do Reino de Deus é hoje o melhor e mais ético jornalismo
televisivo do País, no âmbito das empresas privadas.
Contudo, a não-citação da concorrência, longe de ser uma questão de
disputa de mercado, revela-se como estratégia cartelista de poder.
“Cartel”, termo oriundo da economia que significa “acordo explícito ou
implícito entre concorrentes para, principalmente, fixação de preços ou
quotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação. O
objetivo é, por meio da ação coordenada entre concorrentes, eliminar a
concorrência, com o conseqüente aumento de preços e redução de bem-estar
para o consumidor” (a definição é do próprio Ministério da Justiça,
http://portal.mj.gov.br/sde).
Fora do foco das redes e TV e dos jornalões, o lançamento e
consequente repercussão do livro “A Privataria Tucana” do jornalista
Amaury Ribeiro Jr , provavelmente, o maior fenômeno editoral do século
(80 mil exemplares tirados e praticamente vendidos em uma semana), é
também símbolo da importância de veículos credíveis de imprensa (Carta e
Record).
Sobretudo, é prova da irreversível penetração da internet na
sociedade, legando ao vexame público jornais e jornalistas ávidos por
escândalos, desde que não contrariem aos interesses de seus patrões e/ou
de patrocinadores de iniciativas e de suas publicações e projetos
pessoais.
A imprensa européia não é imune de controle por parte do mercado, mas
não zomba da inteligência do público, tampouco prescinde da presença de
intelectuais em suas páginas, diariamente e não a conta gotas semanais,
prescrição comum no Brasil (mesmo em certo jornalismo universitário),
cuja imprensa é inimiga do pensamento.
“Privataria” e sua desconsideração evidenciam a estratégia
orquestrada de poder dos grupos privados de comunicação de massa. O
silêncio para com o “concorrente” (aspas, pois aqui não se trata de
concorrência e sim de aliado cartelista) ocorre para não promover ao
hipotético adversário de mercado, mas para também, e sobretudo,
legitimar o próprio silêncio em torno de assunto que contrarie aos
interesses do cartel (não confundir com “máfia”, apesar das
semelhanças).
Grosseiramente invisibilizado pela mídia convencional, “Privataria”
demonstra como o cartel foi assimilado pela grande (?) mídia nacional
não só em termos de disputa mercado, mas também de negação de um
imaginário já consolidado entre a população, que lhe presta assistência e
audiência, mas não mais se deixa guiar acriticamente como há duas
décadas.
Lembremos da reeleição de Lula em 2006: sob massacre e bombardeio da
mídia cartelista, ele não só venceu o segundo turno como seu adversário
(Alckmin) teve menos votos que obtivera no primeiro.
Portanto, o caso de “Privataria” não é o primeiro. Será o último?
Leia também:
Amaury: Convites para eventos em todo o Brasil
Luciano Martins Costa: Renúncia ao bom jornalismo
Protógenes e a CPI da Privataria
Matéria copiada: http://www.viomundo.com.br/politica/tulio-muniz-portugal-e-a-exportacao-de-professores.html
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