Muito rapidamente, políticas de “austeridade” multiplicaram desemprego e pobreza. Ninguém desafia mercados – exceto “indignados”, que enfrentarão novos desafios em 2012.
Por Pep Valenzuela
Publicado por Outras Palavras.
Não me lembro de momento nenhum da minha vida em que existisse
unanimidade tão grande quanto a dos prognósticos sobre a economia no
Estado espanhol. O chefe de Estado, Rei Juan Carlos; o novo presidente
do governo espanhol; as lideranças de todos os partidos (sejam de
esquerda ou direita; as lideranças sindicais dos trabalhadores e dos
empresários; os dirigentes do FMI, do Banco Central Europeu (BCE) e da
Comissão Europeia; assim como os pesquisadores da OCDE e dos distintos
institutos públicos ou privados de pesquisa econômica mundo afora — todo
mundo, enfim, garante: “a situação da Europa e da Espanha, já muito
ruim, vai piorar!” E, ainda, “não há como saber quando vai recomeçar a
recuperação do crescimento”.
Para além de discursos e declarações, a sociedade sabe que todos têm
razão. Está na hora de viver na carne o desemprego, sem subsídio algum;
e, pior ainda, sem perspectiva real de arrumar sequer algum bico, para
ir em frente. Há seis meses, o secretário de Trabalho do governo catalão
declarava para um jornal de Barcelona que “50% dos atuais desempregados
não vão conseguir mais achar trabalho”.
O senhor secretário referia-se aos desempregados da Catalunha, se bem
que há sobrados motivos para assegurar que essa afirmação serve também
para o conjunto do Estado espanhol.
Em algumas regiões, é até pior, dadas as perspectivas bem menores de investimentos. Sabendo que o número de desempregados é de quase 5 milhões (mais de 20% da população ativa), significa que 2,5 milhões de pessoas não vão conseguir trabalhar mais pra valer na sua vida.
Em algumas regiões, é até pior, dadas as perspectivas bem menores de investimentos. Sabendo que o número de desempregados é de quase 5 milhões (mais de 20% da população ativa), significa que 2,5 milhões de pessoas não vão conseguir trabalhar mais pra valer na sua vida.
É uma situação muito grave e cheia de conflito. Mas há de considerar
ainda que a imposição de políticas de austeridade, sobretudo a partir da
diminuição do gasto público e dos investimentos na área “social”, vai
ter como decorrência imediata a liquidação dos subsídios para o
desemprego e a diminuição do gasto para formação profissional e
assistência social em geral. O crescimento do número de pobres, que já
foi muito grande durante os últimos quatro anos, de acordo com dados dos
governos e de organizações cidadãs, deve aumentar muito ainda.
E não é que faltem estudos e propostas que apontem soluções para tais
problemas. Bem ao contrário: são prêmios Nobel de Economia,
ex-funcionários do FMI e do Banco Mundial, intelectuais de esquerda, de
centro e até da direita; estudiosos, pesquisadores e colunistas de todos
os jornais e mídia… advertem que as políticas de “austeridade” e corte
do gasto público só vão piorar as coisas. De um lado, deterioram as
condições de vida para amplas camadas sociais; de outro, impedem a
criação de condições para a retomada do crescimento econômico.
Vejam, por exemplo, Manel Pérez, analista do prestigioso (tanto
quanto conservador), jornal diário La Vanguardia, de Barcelona: “A
dinâmica continua sendo a da austeridade indiscriminada, a que devem
submeter-se todos, tanto os que não têm mais chance, como é o caso dos
[países] do sul da Europa, quanto os que desfrutam de um enorme
superávit comercial. E isso significa caminhar para a deflação,
condenando as economias em crise a endividar-se a cada vez mais…”
Veja-se ainda que o governo da União Europeia aprovou medidas que
fazem com que “os bancos tenham, agora ‘barra libre’ (direito de tomar
empréstimos sem limite) para comprar dívida pública com um argumento
excitante: retiram os fundos do BCE a 1% de juros ao ano para comprar
letras a 6%”.
A coisa tem todo o jeito de absurdo. Mas, como poderia ser um
absurdo, quando estamos falando dos governos e os bancos da velha Europa
– onde nasceu o capitalismo e floresceram os impérios coloniais? Até
onde pode-se enxergar, parece meridianamente claro que se consumou a
destruição do pacto social que fez possível estado do bem-estar na
Europa do pós- II Guerra Mundial. Desde essa perspectiva é possível
entender a inversão de prioridades de quase todos os governos, a mudança
de agenda e rumos.
A chamada “crise financeira” (o estouro dos jogos especulativos) dos
últimos quatro anos pôs em evidência quem tem o poder e a força. Os
bancos e especuladores foram salvos com o dinheiro público. Mas não
foram os bancos que, em função disso, tornaram-se dependentes dos
Estados. Ao contrário: os governos ficam cada vez mais presos aos
bancos, aos especuladores e às chamadas agências de qualificação de
risco.
A palavra de ordem dos executores das novas políticas de “ajuste
fiscal” e “austeridade” é: “vocês viveram acima das suas possibilidades;
agora, é preciso cortar os excessos”. Isso mesmo, o que até ontem era
quase que unanimemente considerado direitos sociais e ou serviços
públicos, agora é chamado de “viver acima das possibilidades”. E os
novos governos, ditos de “técnicos”, que na Itália e Grécia nem sequer
são produto de processos eleitorais, afirmam: “vocês terão o estado do
bem-estar que possam pagar”. Ou seja, já não se preocupam sequer em
utilizar eufemismos ou metáforas, para disfarçar as políticas que impõem.
Diante desta situação, os grandes sindicatos da maioria dos países
vêm tentando manter, pelo menos, o papel de negociador no conflito
trabalhista. O problema é que mesmo isso é cada vez menos importante
para os empresários e o capital. Na Espanha o novo governo central vai
cortar boa parte das subvenções com as quais as confederações sindicais
mantêm a estrutura de profissionais e serviços. Enquanto isso, o chamado
“sindicalismo alternativo”, continua minoritário e sem capacidade de
conflito.
Em outro terreno, os partidos social-democratas sofrem uma doença
similar. Sabiam gerenciar o sistema, amortecer de certo modo os
conflitos. Agora, pouco ou nada os diferencia dos partidos da direita. O
Partido Socialista Francês é o único que, talvez, tente agora fazer
oposição às políticas determinadas pelo atual pensamento único. Por sua
parte, os velhos partidos comunistas praticamente sumiram (exceto na
Grécia e Portugal, onde articulam-se com os Verdes e o Bloco de
Esquerda).
Neste cenário de devastação e falta de horizontes, o surgimento dos
“indignados” no Estado espanhol evidenciou de novo que o rei está nu! Os
indignados deram uma virada na agenda do debate político (não na das
políticas reais e concretas). Demonstraram, além disso, que há vida além
do capitalismo, e que essa vida chama-se soberania popular, democracia
real, justiça social, controle dos capitais e por aí adiante.
O recém-nascido movimento dos indignados fez muita coisa no curto
espaço de tempo desde seu nascimento inesperado, em 15 de maio. Mas em
2012, enfrentará desafios mais duros. O lança roteiros e propostas. As
forças sociais e políticas da esquerda ficaram na obrigação de dar
retorno. Não há muito tempo, é verdade. Mas também é verdade que as
políticas em curso devem ser chamadas de destruição em massa. Querendo
ou sem querer, os povos terão de articular formas de resistência e para a
alternativa.
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