O Presidente da CBF, Ricardo Teixeira, se licenciou este mês da direção do órgão e do Comitê Organizador da Copa. O analista esportivo Thomas Kistner acredita ser esse um prenúncio da despedida do dirigente brasileiro.
Em entrevista à Deutsche Welle, o jornalista alemão Thomas Kistner,
repórter especializado em política esportiva do prestigiado jornal Süddeutsche Zeitung, analisou
a situação político-esportiva do país-sede da Copa de 2014 e de seu
principal personagem, o controvertido presidente da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF) e do Comitê Organizador Local da Copa (COL),
Ricardo Teixeira. Acusado de corrupção, nepotismo e fraudes fiscais,
o dirigente sai neste mês de licença de seus cargos, notícia recebida
com estranhamento pela imprensa europeia.
A pressão internacional sobre Teixeira tende a crescer. Um tribunal
suíço determinou semana passada a divulgação de documentos relacionados
ao caso ISL, empresa de marketing esportivo que mantinha negócios com a
Federação Internacional de Futebol (Fifa) e teria subornado membros da
entidade. De acordo com informações da imprensa britânica, os papéis
comprovam que empresas ligadas ao ex-presidente da Fifa, João Havelange,
e ao presidente da CBF, Ricardo Teixeira, receberam da ISL milhões de
francos suíços em subornos.
Kistner é autor de diversas obras sobre negociatas dos bastidores do
esporte alemão e mundial. Seu próximo livro, previsto para ser lançado
no primeiro semestre deste ano, tematiza a corrupção dentro Fifa.
Ganhador de diversos prêmios por suas reportagens, ele é profundo
conhecedor do futebol brasileiro e se considera torcedor ferrenho da
seleção canarinho.
Deutsche Welle: O presidente da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, é personagem constante em
artigos que o senhor escreve sobre corrupção no futebol mundial. Um
exemplo é a reportagem intitulada "Inatacável, autoconfiante, corrupto",
sobre o dirigente brasileiro, publicada pelo jornal Süddeutsche Zeitung em
meados de agosto passado. O senhor acredita que o presidente da CBF e
do COL da Copa do Mundo de 2014 seja uma pessoa corrupta?
Thomas Kister: No estado atual das coisas, tudo leva a
crer. Existem inegáveis transferências milionárias de dinheiro (no caso
da falida empresa de marketing esportivo ISL, parceira da Fifa) para
empresas atribuídas a Teixeira e até hoje não há esclarecimentos sobre
os serviços que essa verba estaria pagando. Essas acusações não são
novas, já têm muitos anos, e Teixeira nunca conseguiu se defender delas.
E podemos ver o mesmo nas investigações que o Comitê Olímpico
Internacional levantou contra João Havelange, ocasião em que houve um
esclarecimento, onde se chegou à conclusão de que aqueles pagamentos
foram suborno.
Por que o presidente da CBF é repetidamente acusado de corrupção e nada parece acontecer?
Sobre a falta de consequências para Ricardo Teixeira a respeito de
acusações que já têm 10 anos ou mais, você tem que perguntar à própria
Justiça brasileira. Ela recebeu, digamos, várias indicações de diversos
deputados nas grandes CPIs contra a CBF, realizadas no Senado e na
Câmara brasileiras há 10 anos e nada aconteceu.
É evidente que as ligações de Teixeira, uma figura poderosa do futebol
no Brasil, foram tão boas que conseguiram evitar consequências. Sobre as
investigações na Suíça, deve-se dizer que o grande problema é o país
não ter leis que penalizem dirigentes esportivos corruptos.
Na Suíça, eles podem encher os bolsos e sair rindo, que não há
problema. Não é coincidência que 80% a 90% de todas as organizações
esportivas mundiais tenham sede na Suíça. Elas fazem isso porque há
grandes vantagens no país, como o imposto e as leis mais relaxados. O
governo suíço está tentando mudar isso, planejando para ano que vem um
projeto de lei que também prevê punição para dirigentes corruptos. Vamos
ver se isso realmente será feito.
O senhor acha que essa situação pode perdurar até a Copa do Mundo de 2014?
Acho que a era Teixeira está no fim. O presidente da Fifa, Joseph
Blatter, anunciou na reunião executiva da Fifa que Teixeira ficaria o
mês inteiro de janeiro de licença. Teixeira alegou problemas de saúde.
Mas esse me parece o primeiro indício de que Teixeira está saindo de
cena lentamente. O licenciamento de um presidente de federação e do COL
nessa altura do campeonato é uma medida bastante incomum.
Não consigo lembrar de isso ter ocorrido nos últimos anos. Na CBF, já
existem rumores de que se prepara um sucessor. Há grande pressão
internacional atualmente sobre Teixeira e parece que agora é o começo de
um lento adeus do dirigente brasileiro. Não posso imaginar que a
liderança do futebol brasileiro no ano de 2014 ainda esteja nas mãos de
Ricardo Teixeira.
O senhor não acredita que Teixeira algum dia venha a ser presidente da Fifa, como dizem ser a intenção dele?
Não posso imaginar que isso aconteça. A Fifa é hoje uma organização que
no mundo inteiro tem fama de corrupta, e com razão. É inimaginável a
quantidade de casos de corrupção que existiram e ainda existem
envolvendo altas personalidades da entidade. Há investigações e
processos não somente contra Teixeira, mas também contra outros
funcionários. E o homem que é o principal responsável por tudo é o
presidente da Fifa, Joseph Blatter, que continua em seu posto.
Mas, diferentemente de Teixeira, as acusações contra ele, apesar de
palpáveis, não foram provadas, o que só será possível quando instâncias
jurídicas independentes, fora do esporte, realizarem investigações
detalhadas. No caso de Teixeira, vemos que isso está acontecendo. Tanto
no processo do caso da ISL, na Suíça, como em investigações no Brasil
por suspeita de lavagem de dinheiro e fraude fiscal, pelo menos segundo o
que foi divulgado.
Existe uma guerra de poder entre Teixeira e Blatter?
É evidente que sim. A partir das informações que temos, Teixeira
planejou ser presidente da Fifa em 2015, há declarações dele na mídia
brasileira que também comprovam essa avaliação. Seguramente, na época em
que João Havelange transferiu seu posto ao sucessor, Blatter, houve
algum tipo de acordo para que Teixeira fosse nomeado sucessor de
Blatter.
Conhecemos isso do Blatter, que promete tudo a todo mundo e não cumpre o
prometido. E ele certamente não ficou muito contente. Além disso, tudo
leva a crer que Teixeira apoiou o adversário de Blatter, Mohammed Bin
Hammam, na última votação para presidente da Fifa, em junho. Muita coisa
leva a crer que o relacionamento entre os dois se rompeu. São coisas
que o Blatter não costuma perdoar. Podemos dizer já agora que ele, com
certeza, não será o homem que vai apoiar Teixeira se ele tentar subir ao
trono da Fifa, e dentro da Fifa nada acontece sem Blatter.
O senhor sempre cita em seus artigos o papel da Rede Globo no apoio
a Teixeira. Qual é o papel da mídia na corrupção no futebol brasileiro?
A mídia tem uma situação delicada. De um lado, existe a Globo, que
tradicionalmente tem uma ligação estreita com Teixeira, sobretudo por
causa dos direitos de transmissão de torneios de futebol. A Globo tem
medo evidente que Teixeira se contrarie com a empresa e que ofereça seus
direitos de transmissão à concorrente, a Rede Record, que tentou várias
vezes conseguir esses direitos.
Essa briga entre duas emissoras concorrentes em torno de direitos de
transmissão de campeonatos de futebol é, naturalmente, bizarra. Traz um
desequilíbrio nessa história toda, porque ambos os lados se interessam
pela utilização comercial de direitos de futebol e não pela verdade e
pelo esclarecimento e punição de possíveis casos de corrupção dos
dirigentes. Isso é um complicador adicional, que permite que Teixeira
sempre tenha uma carta na manga para agradar a um ou a outro lado. É
realmente uma situação lamentável. E acho que tem um pouco de tradição
no Brasil.
O senhor, que já foi a várias Copas, tem conhecimento de situações
parecidas em outros países nas vésperas de torneio tão importante?
Na Alemanha, podemos dizer que a corrupção existe num grau mais
profissional, mais elegante e sutil. Não é tão evidente como em países
como o Brasil. Um dirigente como o Ricardo Teixeira não seria possível
aqui, mas não diria ser impossível que algo assim aconteça na Alemanha.
No momento, temos uma situação de alta corrupção na paisagem do futebol
brasileiro.
Mas, por outro lado, agora há grandes esforços, e a presidente Dilma
Rousseff parece que está fazendo um bom trabalho nesse sentido. Ela
parece ter mesmo intenção de organizar a casa, já ouve demissão de meia
dúzia de ministros por supostos casos de corrupção num tempo
relativamente curto. É uma boa imagem que esta sendo transmitida.
O governo do Brasil e também a nação brasileira como um todo têm uma
chance imensa nos próximos anos de mostrar uma imagem de melhorias e
ganhar em credibilidade internacional, caso consiga “limpar a casa”,
renovar e melhorar estruturas até a Copa de 2014.
O que o senhor diria aos que dizem que tudo acaba em pizza no Brasil?
Acabar em pizza é, com certeza, o que até agora vem acontecendo. E o
medo que as coisas não mudem tem uma razão de ser, porque estruturas
corruptas não podem ser mudadas da noite para o dia, e existe certa
aceitação da corrupção dentro da sociedade. Mas agora existe a chance,
porque já houve um começo.
E um sinal importante é que Ricardo Teixeira se encontra enfraquecido,
não é mais inatingível como há um ano. Se a Justiça brasileira e o
governo fizerem seu trabalho, então nada mais acabará em pizza e será
dado um passo adiante, tanto no aspecto político como social.
FONTE: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,15643266,00.html
Entrevista: Marcio Damasceno
Revisão: Augusto Valente
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