O termo ‘desindustrialização’ não consta dos
dicionários brasileiros, mesmo dos mais recentes e atualizados, como a
Enciclopédia Koogan/Houaiss, de 1997, com 75 mil verbetes. Mas o tema
teima em aparecer na pauta jornalística, tendo sido até motivo de
passeata inter-classista na última semana, em São Paulo, de denúncia
contra os perigos de perda de empregos para os trabalhadores e de
mercados para os industriais.
Vamos nos aproximar do tema e da expressão com os cuidados devidos,
para caracterizar fenômenos que não são tão novos e têm evidente relação
com o debate atual da desindustrialização.
O primeiro experimento concreto que remonta às origens da crise
industrial atual é uma longa semi-estagnação da indústria, desde 1981
até 2003, cujo crescimento real, na média destes 23 anos, foi de 1,4%. A
melhoria do desempenho de 2004 a 2010, na esteira de um processo de
expansão do comércio exterior, que também levou a indústria a crescer no
patamar médio dos 5% ao ano, ocorreu, mas com forte presença dos
setores leves, ligados à agroindústria alimentar e ao beneficiamento
mineral.
Por seu turno, o processo de retomada do crescimento industrial nos
anos 2000, conforme os dados medidos pelas Contas Nacionais, é também a
armadilha que o ameaça no presente – a mudança qualitativa das
exportações no período, que crescem aceleradamente, sob a liderança dos
setores agroindustriais e minerais. Isto leva a uma certa
“reprimarização” desse comércio externo.
Esse duplo processo histórico recente – da semi-estagnação industrial
e da reprimarização e expansão das exportações - está na origem da
crise atual. Na verdade não se pode referir ao fenômeno da
desindustrialização meramente com o uso de estatísticas de perda
relativa de participação do produto industrial no Produto Interno Bruto,
que, diga-se de passagem, não está ainda configurada nas Contas
Nacionais e, ainda que o estivesse, poderia ter outros significados (por
exemplo, a dinâmica crescente dos Serviços).
O nó górdio da desindustrialização é a perda qualitativa e
quantitativa do setor produtor de progresso técnico e inovação
industrial (o chamado Departamento 1 da indústria, em linguagem
marxiana), como bem analisa o professor Luiz Gonzaga Belluzzo em vários
artigos recentes, cuja conseqüência a médio prazo é a perda de
competitividade externa do sistema econômico como um todo. E isto está
acontecendo claramente, a perda de competitividade externa - notadamente
detectada pelo aprofundamento do déficit comercial externo da
indústria; e pela progressiva desmontagem dos núcleos de inovação
técnica da indústria, detectável por outras evidências factuais a que
ainda nos referiremos adiante.
Observe-se que há na indústria setores de ponta ligados à química e
petroquímica e aos materiais de transporte (aéreo), para citar dois
exemplos mais evidentes, que continuam a crescer sob o arrasto do
progresso técnico e da inovação industrial. Mas são excepcionais. A
regra que comanda a expansão econômica voltada ao setor externo é o
controle de ‘vantagens comparativas naturais’ na produção de
matérias-primas do agronegócio, da mineração e na exploração de recursos
hídricos. E esses setores funcionam com base em crescimento extensivo
ou intensificação de pacotes técnicos reciclados da era da ‘Revolução
Verde’. Praticamente não há efeitos de arrasto da inovação técnica
industrial para a expansão desses setores; e o crescimento rápido desses
setores puxados pela demanda primária somente superficialmente acarreta
progresso técnico, ainda assim viciado por custos sociais exagerados,
advindos da super-exploração de recursos naturais.
Do exposto, parece-nos relevante destacar alguns conceitos chaves
para entender o processo em curso – da desindustrialização -, vinculado
ao seu irmão siamês, qual seja, a reprimarização das exportações. No
primeiro caso ocorre abandono paulatino do progresso técnico endógeno
como motor do crescimento industrial. No segundo caso, remete-se quase
toda a responsabilidade da competitividade externa para as atividades
não industriais – os serviços que pouco exportam e o setor primário que
muito exporta, baseado em ‘vantagens comparativas naturais’. O
equilíbrio externo em tais condições é muito precário e dependente de
capital estrangeiro.
A situação conjuntural de excesso de liquidez internacional gerando
forte pressão por valorização do câmbio exacerba o déficit comercial
externo da indústria (forte competição dos importados e perda de
mercados de exportação). O governo responde com maior compra de dólar e
desoneração fiscal à indústria. Mas a raiz estrutural do binômio
desindustrialização/reprimarização da economia permanece intacta, ou
aparecendo equivocadamente à opinião pública como problema conjuntural,
provocado pela “invasão dos produtos chineses”.
Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
FONTE. http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7009:manchete110412&catid=72:imagens-rolantes
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