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| Foto: Fernando Vivas/ Ag. A TARDE/ 31.07.2010 |
Quando se fala em encruzilhada, imediatamente surge na cabeça dos
brasileiros a ideia de Exu e de “bozó”, nome pelo qual o povo gosta de
designar as oferendas que o povo de candomblé faz fora do
terreiro-templo.
Claro que a referida divindade está, sim, ligada aos
entrecruzamentos de caminhos.
Mas o simbolismo da encruzilhada e,
consequentemente, da cruz está presente em muitas religiões, sendo,
assim, universal.
O catolicismo soube enaltecer e ao mesmo tempo
popularizar a imagem da cruz, mostrando Jesus sacrificando-se pela
humanidade, momento em que ultrapassou seu estágio
humano. A cruz, com seus quatro “braços” que apontam para os quatro
pontos cardeais, é símbolo de orientação no espaço, para que a jornada
humana não seja perdida.
A encruzilhada, portanto, é um lugar de
pausa, um momento parado no tempo, que leva à mudança de um estágio a
outro ou, simplesmente, de uma situação a outra. Quando, portanto,
oferendas nas encruzilhadas são depositadas, está se pedindo inspiração
para o novo caminho que se deseja trilhar. Está se pedindo a quem? A
Exu, que é, na crença nos orixás, a divindade orientadora dos caminhos,
responsável por mostrar a direção correta a ser tomada, tendo em vista
que as dúvidas e incertezas possam, por fim, dar o descanso necessário à
mente. Exu é a nossa bússola, aquele que nos protege para que não
fiquemos desnorteados. Afinal, enquanto seres humanos, nós somos muito
instáveis.
Em rituais celebrados pelo candomblé, a
característica de instabilidade do ser humano é cantada: Pákun aboìxá;
Ibà pa ràn tán axó dá ma aro; a fi dà wa rá àxé akó ma orixá; orixá wa
baba alaye = Apague o fogo dos incêndios e nos proteja do aguaceiro;
apague o fogo, o calor que se alastra; termine com as muitas discussões e
tristezas criadas; nós somos instáveis, transforme-nos, imploramos
sempre pelas suas instruções e sua doutrina, orixá. Seja nosso mestre, o
dono do nosso modo de viver.
Cecília Meireles, em seu poema Ou isto ou
aquilo, também nos lembra dessa particularidade, que tanto desgaste dá à
mente humana: “Ou se tem chuva e não se tem sol/ ou se
tem sol e não se tem chuva!// Ou se calça a luva e não se põe o anel/
ou se põe o anel e não se calça a luva!// Quem sobe nos ares não fica no
chão,/ quem fica no chão não sobe nos ares.// É uma grande pena que não
se possa/ estar ao mesmo tempo em dois lugares!// Ou guardo o dinheiro
e não compro o doce/ ou compro o doce e gasto o dinheiro.// Ou isto ou
aquilo… ou isto ou aquilo…/ e vivo escolhendo o dia inteiro!// Não sei
se brinco, não sei se estudo/ se saio correndo ou fico tranquilo// Mas
não consegui entender ainda/ qual é melhor, se é isto ou aquilo.”
A vida nos coloca sempre em
encruzilhadas, onde somos obrigados a escolher que atitude tomar, por
isto se diz que é na encruzilhada que se encontra o destino. É que as
encruzilhadas, isto é, os cruzamentos de caminhos, são espaços sagrados,
daí a responsabilidade que se deve ter com os rituais e,
consequentemente, os pedidos feitos nestes locais.
Por exemplo, é comum o
hábito de se depositar oferendas para determinadas “entidades”, com o
objetivo de conseguir um amor. Inocentes pessoas que, sem o conhecimento
devido, não sabem que os amores assim conseguidos são passageiros,
tanto que em latim a palavra encruzilhada é conhecida como trivium,
significando aquilo que é trivial, que é efêmero.
Repetindo, as encruzilhadas são lugares
sagrados onde se pede ajuda aos deuses para que tenhamos critérios nas
escolhas feitas, a fim de não nos perdermos no caminho. São também
nesses locais que pessoas que possuem o devido preparo espiritual, com
muita responsabilidade e respeito, realizam rituais cuja finalidade é
despachar, no sentido de expulsar, as energias negativas, que o sagrado
consegue transmutar em energias positivas, para depois serem devolvidas
aos homens, já livre de todas as impurezas. Pois as encruzilhadas são
lugares, e momentos, de reflexão para escolha do caminho a seguir, mas
também são lugares naturais para que possamos nos desvencilhar das
negatividades por nós criadas ou em nós respingadas.
FONTE:http://mundoafro.atarde.uol.com.br/?p=4966

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