Um povo cercado por um anel de ferro
As 380 famílias da localidade de Piquiá de Baixo, no Maranhão, são obrigadas a conviver com a elevada contaminação da água, do ar e do solo, causada pelo vizinho polo siderúrgico
Por Fabíola Ortiz, da IPS [26.04.2012 18h00]
Publicado por Envolverde
As 380 famílias da localidade de Piquiá de Baixo, no Maranhão, são
obrigadas a conviver com a elevada contaminação da água, do ar e do
solo, causada pelo vizinho polo siderúrgico.
O lugar toma seu nome da
árvore piquiá, que dá uma madeira altamente apreciada, mas que se
extinguiu na região, onde estão instaladas, há 25 anos, cinco usinas
siderúrgicas, lideradas pela Vale, empresa de mineração. Atualmente são
produzidas nesse lugar 500 mil toneladas de ferro-gusa, matéria-prima do
aço, que se obtém fundindo em altos fornos carvão, calcário e minério
de ferro.
O polo de Açailândia, município com jurisdição sobre a área,
depende do fortalecimento da atividade das minas de ferro da Vale, cuja
produção é levada aos portos do Atlântico nas proximidades de São Luís,
capital do Estado, que fica a 500 quilômetros de distância.
Os moradores
da pequena localidade, onde os quintais de suas modestas casas ficam ao
lado dos terrenos das grandes fábricas, já apresentam em sua saúde os
impactos da contaminação e da degradação ambiental.
Devido à péssima qualidade do ar que respiram e da água que
consomem, mais de 40% dos moradores de Piquiá de Baixo se queixam de
doenças e males respiratórios e dos pulmões, bem como de lesões
dermatológicas, segundo um estudo do Centro de Referência em
Enfermidades Infecciosas e Parasitárias, da Universidade Federal do
Maranhão.
Esta população, que reclama sua transferência para um lugar seguro,
limpo e distante do polo siderúrgico, é formada em sua maioria por
agricultores que hoje só podem trabalhar a terra a mais de 200
quilômetros de suas casas. Este é um drama que se repete em muitas das
cidades com atividade de mineração do Brasil, várias delas também
mobilizadas.
Edvard Dantas Cardeal, de 68 anos, preside a associação dos
moradores de Piquiá de Baixo, afetados pela fumaça e pelos resíduos
gerados pelos 70 fornos de fundição existentes na região. “Estamos em
perigo, pois vivemos ao lado de cinco siderúrgicas e, além disso, a Vale
tem um posto de minério a 300 metros de nossas casas, e todos os dias
centenas de toneladas de ferro cruzam nosso povoado durante as 24 horas
do dia”, disse à IPS.
A denúncia das precárias condições de vida em Piquiá de Baixo está
destacada no Relatório de Insustentabilidade da Vale 2012, apresentado
no dia 18 no Rio de Janeiro pela Articulação Internacional dos Afetados
pela Vale, que reúne 30 movimentos sociais de Brasil, Canadá, Chile,
Argentina e Moçambique, alguns dos países onde a empresa atua.
A diretora-executiva da organização não governamental Justiça
Global, Andressa Caldas, afirmou à IPS que o caso de Açailândia é
emblemático, porque é uma comunidade assentada há mais de 50 anos e que
“pede para ser trasladada devido ao grau de degradação ambiental e
contaminação tóxica que sofre”.
Concordando com Andressa, Danilo Chammas, advogado dos moradores de
Piquiá de Baixo, observou que o lugar já existia quando foi instalado o
polo siderúrgico na região, há 25 anos. Agora, “a convivência se tornou
inviável, já que a população respira todos os dias pó de ferro
misturado com carvão”, ressaltou.
“O traslado das famílias deveria ter sido feito quando começou a
construção do polo, e ainda hoje esta alternativa é a única e urgente”,
assegurou Chammas à IPS, acrescentando que exige-se “da Vale um
compromisso maior com os moradores e que, efetivamente, forneça recursos
para a construção de um novo assentamento longe da contaminação”.
Segundo o Relatório de Insustentabilidade, a Vale “nega-se a
reparar os danos causados a essas pessoas e, por conseguinte, a assumir o
custo de reassentar as famílias”. Cardeal também aderiu a essa
reclamação, porque sua comunidade “não pode mais ficar ali, já que
existe um grande risco de a saúde pública degradar ainda mais”. E
enfatizou que “não podemos mais, as siderúrgicas contaminam o rio que
cruza a cidade e só podemos pedir a Deus para sair deste lugar”.
A IPS confirmou que existe um terreno distante do polo siderúrgico
que foi expropriado em julho de 2011 pelo município de Açailândia para
reassentar os moradores afetados.
Apesar de inicialmente terem existido
recursos legais apresentados por seu proprietário, o assunto foi
resolvido no dia 20 de março pelo Tribunal de Justiça do Maranhão.
Cardeal e Chammas viajaram ao Rio de Janeiro tentando um encontro
com representantes do consórcio Vale. “Viemos com o espírito de dialogar
e para que a empresa aproveite a oportunidade para limpar sua imagem,
manchada pelo vínculo que tem com as indústrias de ferro-gusa, muitas
das quais promovem o trabalho escravo e infantil”, denunciou o advogado.
A assessoria de imprensa da Vale não quis comentar o assunto ao ser
questionada pela IPS, mas depois divulgou um comunicado em resposta ao
Relatório de Insustentabilidade.
“A Vale recebe com respeito todas as sugestões e denúncias
referentes às suas operações. Temos consciência de que a atividade
mineradora provoca impacto e, por isso, trabalhamos em conjunto com as
comunidades e os governos para encontrar soluções que garantam segurança
às pessoas, bem como uma convivência harmônica e saudável”, diz o texto
da companhia.
FONTE:http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9842/um-povo-cercado-por-um-anel-de-ferro
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