Deisy Ventura, Flávia Piovesan e Juana Kweitel.
Após ser questionado por Belo Monte, o Brasil foi virulento. Ao quer limitar a ação da comissão, o país ainda encoraja Equador e Venezuela a atacarem o sistema.
07.Ago.2012. O
Sistema Interamericano de Direitos Humanos está sob forte ataque. Um
processo de reforma capciosamente batizado de "fortalecimento" esconde a
tentativa de limitar sua capacidade de agir de forma autônoma e
independente.
Organizações de direitos humanos de todos os países da região apontam o Brasil como um detrator.
A
diplomacia brasileira reconhece abertamente que suas relações com o
sistema estão estremecidas, mas nega os ataques. Na visão do Itamaraty, o
Brasil estaria apenas buscando o seu "aprimoramento". Mas o que
realmente está em jogo?
Criado
nos anos 1960 no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), o
sistema têm uma comissão e uma corte independentes, que complementam a
ação dos Estados. Por meio de medidas de urgência, tem salvado muitas
vidas.
Permitiu
a desestabilização dos regimes ditatoriais, exigiu justiça e o fim da
impunidade nas transições democráticas e agora demanda o fortalecimento
da democracia, contra as violações de direitos e proteção aos grupos
mais vulneráveis.
Tem
prestado uma extraordinária contribuição para a promoção dos direitos
humanos, do Estado de Direito e da democracia na região.
No
entanto, quando a comissão fez recomendações no caso da hidroelétrica
de Belo Monte, o Brasil não perdoou. Contrariado, desqualificou
publicamente a comissão, retirou seu embaixador junto à OEA, decidiu não
pagar a sua quota por meses e desistiu da candidatura de um membro
brasileiro para a comissão.
Foi
a primeira vez que o Brasil reagiu com tal virulência, embora vítimas e
organizações sociais brasileiras recorram com frequência ao sistema.
Entre 1998 e 2011, o Brasil foi alvo de 27 "medidas cautelares"
(recomendações com caráter de urgência) da comissão. Já a corte, desde
1998, proferiu quatro sentenças condenatórias ao Brasil.
Até
Belo Monte, o governo brasileiro parecia se esforçar no cumprimento de
tais recomendações e sentenças. O caso Maria da Penha -que resultou em
uma lei sobre a violência contra a mulher- é um exemplo.
Por
causar constrangimento internacional aos Estados, o Sistema
Interamericano foi alvo de ataques de diferentes países durante toda a
sua história. Os EUA, por exemplo, jamais aceitaram a jurisdição da
corte e nunca ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos.
A
propósito, não se pode confundir a OEA com o sistema. A OEA possui 35
membros.
Apenas 25 deles são signatários da convenção, dos quais 21
aceitam a jurisdição da corte.
Hoje,
entre as maiores ameaças, destacam-se propostas que: restringem o poder
da comissão de adotar medidas cautelares (único instrumento previsto
para casos de urgência e gravidade), suprimem a possibilidade de
analisar detidamente casos de países com violações massivas e limitam as
faculdades das relatorias especiais, como a de liberdade de expressão e
acesso à informação.
Cada
país ou bloco tem interesse particular em um desses pontos. O Brasil
tem procurado abertamente limitar as medidas cautelares. Sua atitude tem
encorajado posições ainda mais extremas, sobretudo do Equador e da
Venezuela, há pouco questionados em casos de direitos políticos e
liberdade de expressão.
Se
o Brasil, de forma efetiva, deseja o aprimoramento do sistema, o
silêncio e a ação de bastidores não podem ser opções. É preciso um
sistema interamericano forte, autônomo e independente.
O
país não pode carregar na sua história a mácula de ter contribuído para
acabar com o mais importante mecanismo para a proteção de direitos
humanos da nossa região.
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