Porto
Príncipe, Haiti, 18/10/2012 (IPS/Haiti Grassroots Watch) – Embora,
finalmente, tenha sido anulado o decreto do governo, que por quase dois
anos bloqueou a reconstrução do centro de Porto Príncipe, ainda há
muitas dúvidas e frustrações quanto às perspectivas de recuperação da
capital econômica, cultural e política do Haiti. Tudo indica que, em
lugar de centrar-se nas cruciais obras de infraestrutura, o governo está
mais interessado em reconstruir as sedes de seus ministérios.
Embora
nos dois últimos anos e meio tenha havido reuniões, estudos e
declarações sobre o assunto, um passeio pelo centro da cidade mostra
que, além da remoção de alguns escombros, a reconstrução tem sido pouca.
Foi erguido apenas um edifício significativo. O resto é um caos de
ruínas, escombros, pelo menos quatro milharais e um monte de lixo que
envenena o ar.
Não há sinais de que se trabalha nos sistemas de
saneamento, drenagem ou eletricidade. E a falta de policiamento permite
que ladrões atuem na antiga crucial área comercial da capital. Muitas
das grandes empresas se mudaram para os subúrbios, deixando a rua
principal para ambulantes que a ocupam. Outros comerciantes se mostram
desesperançados.
“Porto Príncipe nunca será como era há 25 anos”,
disse à Haiti Grassroots Watch (HGW) um comerciante de quase 50 anos
sentado em sua loja de eletrodomésticos, quase vazia, na Rue des
Miracles. “Nada acontecerá”, lamentou este homem que, como a maioria dos
outros 15 comerciantes ouvidos pela HGW, concordou em falar sob a
condição de não ser identificado.
Entretanto, o governo garante
que está havendo progressos concretos. “O centro foi e voltará a ser o
coração econômico do país. Será, inclusive, melhor do que antes. Temos
que terminar os estudos. Estamos trabalhando muito seriamente, sem
descanso”, afirmou Michel Présumé, da governamental Unidade para a
Reconstrução de Moradias e Prédios Públicos (UCLBP) em entrevista
divulgada no dia 19 de junho.
O terremoto de 12 de janeiro de 2010
foi um dos maiores desastres urbanos da era moderna. Além de
aproximadamente 200 mil mortos, causou “prejuízos com reconstrução
urgente estimados em US$ 11,5 milhões, destruiu cerca de 80% de Porto
Príncipe e vários povoados e aldeias próximas, e derrubou as sedes dos
três poderes do Estado, junto com 15 dos 17 ministérios, 45% das
delegacias e vários tribunais”, informou o Grupo Internacional de Crise,
organização com sede em Bruxelas especializada na análise de conflitos,
em um informe de 31 de março deste ano.
No dia 2 de setembro de
2010, um decreto governamental estabeleceu que cerca de 200 hectares de
terras do centro passavam a ser “de utilidade pública”, bloqueando todo
esforço de reconstrução. “Toda construção, criação de ruas, divisão de
lotes ou qualquer outra exploração da terra, incluída qualquer transação
de bens de raiz estão e permanecerão proibidas para toda a área
definida no Artigo 1”, diz o Artigo 2 do decreto.
Michelle Mourra,
integrante e fundadora da SOS Centre-Ville, uma organização de
empresários e donos de propriedades no centro da cidade, disse que o
decreto é “um golpe terrível”. “Provavelmente, o privado seja o setor
que sofreu as piores perdas materiais do que qualquer outro em 12 de
janeiro de 2010”, escreveu em um email enviado no dia 16 de julho deste
ano à HGW. Esse decreto “foi um retrocesso ainda pior, porque durante
dois anos tivemos que olhar, impotentes, enquanto o centro era saqueado e
destruído”, destacou.
Apesar da mudança de governo ocorrida em
maio de 2011, o decreto só foi anulado um ano mais tarde. Mas seu
cancelamento não foi o único obstáculo. Como era de se esperar, um
desafio importante é planejar como reconstruir a capital devastada.
Foram apresentadas propostas – uma da Grã-Bretanha, outra do próprio
Haiti – mas até agora nenhum enfoque definitivo. O Ministério de
Planejamento e Cooperação Externa, junto com a ONU-Habitat, realizou
reuniões em julho de 2010, e o fórum Vil Nou Vle A (A Cidade que
Queremos), em novembro de 2011.
“É bom haver um debate sobre
certas ideias, mas há um momento em que se deve dizer: bom, agora vamos
resumir tudo isto, pegar o melhor do príncipe Charles (da Grã-Bretanha),
o melhor da (firma de arquitetos) Grupo Trame, o melhor dos demais,
definir o plano e avançar”, disse Jean-Christophe Adrian, ex-titular da
ONU-Habitat.
Algo em que todos os planos e atores parecem
coincidir é sobre a importância da infraestrutura. Em sua apresentação
no fórum de Vil Nou Vle A, a empresa canadense Daniel Arbour &
Associés (IBI/DAA Group) disse que seria fundamental “o fornecimento de
água potável, energia, acesso de pedestres e veículos, serviços de
saneamento e esgoto e acesso a telecomunicações e conexões de internet”.
Adrian
concorda que “o primeiro a fazer é melhorar a infraestrutura. Não será
possível reconstruir se as ruas não estiverem pavimentadas, se não
houver sistema de drenagem, água, eletricidade. São necessários ruas,
sistemas de saneamento e eletricidade. É isso que tem de vir primeiro”,
afirmou. O governo haitiano também parece concordar, pelo menos nas
entrevistas.
“Devemos criar condições para que o setor privado se
sinta cômodo, protegido e empenhado, para que possa assumir os riscos”,
indicou Présumé. “O governo desempenhará um importante papel
catalisador. Os primeiros passos, sem dúvida, serão dados pelo governo
haitiano, acrescentou. Mas, em lugar de iniciar os grandes trabalhos de
infraestrutura necessários, o governo inaugurou, nos últimos tempos, as
obras de três ministérios, ao custo de US$ 35 milhões.
Embora, sem
dúvida, o governo tenha outros documentos e outras fontes de
financiamento, Présumé (que supervisiona a reconstrução das sedes
oficiais) foi claro ao dizer que o governo não poderia cuidar de toda a
reconstrução. “As autoridades, de fato, têm vontade de fazer as coisas”,
afirmou, acrescentando que “um país não pode se desenvolver sem um
setor privado dinâmico. O setor privado deve acompanhar o governo”.
Para
a SOS Centre-Ville, a reconstrução é um “konbit” (esforço tradicional
haitiano de trabalho coletivo). “A reconstrução do centro e do restante
de Porto Príncipe é uma tarefa enorme. O governo não pode fazer isso
sozinho. Todos estamos envolvidos. Chegou a hora de todos colaborarem”,
escreveu Mourra à HGW em seu email de 16 de julho. Contudo, até agora, é
o setor privado que está “sozinho”. E entrevistas feitas pela HGW
descobriram incertezas e frustrações.
Se o governo “tivesse
vontade já teria começado. Ainda há lugares onde nem os escombros foram
retirados. Todo o dinheiro está em cima, não embaixo. Em outras
palavras, os pobres não têm um governo”, disse uma mulher que tem um
comércio atacadista de refrigerantes, enquanto era penteada em um
pequeno salão de beleza.
“Todos gostam das coisas bonitas”, disse
outra mulher, que trabalha em uma pequena loja de aparelhos de
ar-condicionado. “Inclusive em Porto Rico ou na República Dominicana,
tudo parece ao menos um pouco bonito. Todos gostaríamos que o país fosse
visto como os demais. Mas aqui só se trata de salvar a si mesmo. Só
acreditarei na reconstrução quando a vir”, afirmou. Envolverde/IPS.
Fonte:http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/nao-ha-reanimacao-para-o-coracao-do-haiti/
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