Tendências e debates
Alexandre Manoel Gonçalves, Bruno Titz de Rezende e Edson Fábio Garutti Moreira
09.Dez.2012. Folha de S.Paulo - O
Ministério Público é parte no processo. Ao investigar, poderá desprezar
provas de inocência e não terá controle externo. Seria um forte
retrocesso à sociedade.
A
aprovação de projeto de emenda constitucional na Câmara colocou de novo
em pauta: que instituição teria poder investigatório criminal?
Há
muito ruído e marketing prejudicando os debates. "PEC da impunidade",
"PEC da insensatez" e "quanto mais gente investigando melhor" são
exemplos de tendenciosas frases de efeito que grudam na mente das
pessoas, mas merecem ser depuradas.
O
instrumento de investigação criminal de que o Estado brasileiro dispõe
atualmente é o inquérito policial. Ele possui duas nobres finalidades:
encontrar a verdade dos fatos e garantir os direitos dos cidadãos contra
uma inquisição arbitrária.
Para
alcançá-las, se vale da imparcialidade e isenção da autoridade que o
preside, o delegado de polícia, e do triplo sistema de garantias, devido
à tramitação entre três esferas distintas: polícia, Ministério Público e
Judiciário -cada qual controlando uma à outra, conforme ideal do
filósofo Montesquieu.
O
mecanismo de freios e contrapesos é verdadeira conquista da sociedade.
Evita-se o uso da investigação criminal para perseguições, produção
dirigida de provas e direcionamento político da investigação criminal,
entre tantos outros males.
No
inquérito policial, vigoram o controle interno, pelas corregedorias de
polícia, o controle externo, pelo Ministério Público, e o controle
judicial, no que tange às diligências que necessitam de decisão
judiciária para implementação, como quebra de sigilo e prisão
preventiva.
Certamente
existem aspectos a serem melhorados, mas isso vem acontecendo com a
reafirmação histórica das polícias brasileiras como órgãos republicanos,
a serviço do Estado de Direito, não dos governantes. É o que se
verifica nos últimos anos, por exemplo, quando grandes investigações
policiais descortinaram diversos escândalos de corrupção nas mais altas
esferas dos Poderes federal e estaduais, tal como o caso do "mensalão" e
em outros.
Na
relevantíssima função de controle da investigação, o Ministério Público
pode sujeitar a polícia a cumprir itens fulcrais, como requisitar
instauração do procedimento, acompanhar de perto todas as diligências,
inclusive requisitando outras que considere úteis, requisitar maiores
esforços (recursos humanos e materiais) em determinados casos e também
opinar obrigatoriamente em todas as representações policiais dirigidas
ao magistrado (nas quebras de sigilo, por exemplo).
O
MP ainda participa ativamente da destinação final do inquérito: com
oferecimento da denúncia ou pedido de arquivamento ao juiz.
O
MP é autor da ação penal e, portanto, parte no processo. Sendo parcial,
ao investigar pode desprezar provas favoráveis à inocência do
investigado. De outro lado, a investigação realizada pelo MP não possui
qualquer controle de outro órgão externo, sendo verdadeira investigação
secreta -um retrocesso às conquistas da sociedade brasileira.
Não
é preciso "mais gente investigando", mas é fundamental que as polícias
judiciárias, que possuem atribuição constitucional para esse mister,
estejam equipadas a ponto de oferecer um bom serviço à sociedade -que
deve cobrá-la disso.
Dividir
recursos públicos com outros órgãos enquanto é notória a carência
crônica de recursos humanos e materiais em algumas forças policiais é,
no mínimo, um desperdício.
ALEXANDRE
MANOEL GONÇALVES, 36, mestre em direito econômico pela Universidade
Mackenzie, BRUNO TITZ DE REZENDE, 38, mestre em direito penal pela
PUC-SP, e EDSON FÁBIO GARUTTI MOREIRA, 35, são delegados de Polícia
Federal.
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