segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

INDIA. Influenciadas por cálculos políticos, execuções por enforcamento chocam e dividem a população.Ajit Solanki/AP

Indianos comemoram em Ahmadabad, na Índia, notícia do enforcamento do paquistanês Mohammed Ajmal Kasab. Ele era o único acusado sobrevivente dos ataques terroristas de 2008 que deixaram 166 mortos no país
Ajit Solanki/AP
Manu Joseph - IHT.

Indianos comemoram em Ahmadabad, na Índia, notícia do enforcamento do paquistanês Mohammed Ajmal Kasab. Ele era o único acusado sobrevivente dos ataques terroristas de 2008 que deixaram 166 mortos no país.   

Quando policiais indianos levam réus para o tribunal, eles andam de mãos dadas com os acusados, como se fossem casais de amantes sombrios. Muhammad Afzal, também conhecido como Afzal Guru, pode ser visto em fotografias e imagens de vídeo sendo levado dessa maneira por um homem uniformizado. Mas o estado não demonstrou nenhuma afeição por Afzal.  

Ele foi considerado culpado de auxiliar os terroristas que atacaram o parlamento indiano em 2001 e, portanto, de "travar guerra contra a Índia", entre outras acusações graves. O caso dele foi longo, complicado e marcado por uma investigação policial cheia de buracos. 

O Supremo Tribunal, a mais alta instância judicial da Índia, chegou a revelar que ele estava implicado no caso não por evidências diretas, mas por um conjunto de circunstâncias que apontavam para o seu envolvimento.  

Apesar de os tribunais terem considerado Afzal cúmplice no ataque ao parlamento, ainda não ficou claro quão importante foi seu papel na trama. Na manhã de sábado passado, ele foi enforcado em sigilo na prisão de Tihar, em Nova Déli. 

Segundo o jornal The Hindu, o homem, de 43 anos, foi informado sobre seu destino na manhã do enforcamento. E, depois de recuperar a compostura, Afzal escreveu uma carta a sua esposa e seu filho, que ele entregou a um funcionário do presídio ao sair de sua cela para uma curta caminhada em direção à forca. 

O enforcamento de Afzal, que surpreendeu o país e chocou sua família, gerou expressões de alegria em políticos de vários partidos, assim como em cidadãos comuns. O mundo que considerou Afzal indigno de viver também é um mundo que tem a capacidade de celebrar uma morte humana. 

Mas muitas pessoas também ficaram revoltadas e protestaram – e não apenas no Vale da Caxemira, onde Afzal nasceu e onde foi imposto o toque de recolher –, pois a execução gerou uma série de preocupações profundas. 

Em conjunto, essas preocupações apontam para uma inquietante pergunta: Será que o sistema judiciário indiano é competente, coerente e justo o suficiente para conceder ao estado a autoridade moral de interromper uma vida humana? 

Em 13 de dezembro de 2001, cinco homens armados dentro de um carro passaram em frente ao complexo do parlamento indiano e abriram fogo, matando oito agentes de segurança e um civil. Todos os cinco agressores, sobre os quais nenhuma informação substancial foi tornada pública, foram logo mortos.

De acordo com a polícia, uma pista conduziu as investigações dos militantes mortos até Afzal e outros três homens – dois dos quais também foram condenados à morte por tribunais de instâncias inferiores antes de o Supremo Tribunal, que não foi convencido pelas evidências, anular a condenação de um deles e transformar a outra sentença em 10 anos de prisão.  

Mas o Supremo Tribunal manteve a sentença de morte de Afzal, fazendo uma observação que seria considerada extraordinária em qualquer democracia madura: "O incidente, que resultou em grandes perdas, abalou todo o país, e a consciência coletiva da sociedade só será satisfeita se a pena de morte for atribuída ao infrator". 

A questão não é saber se o respeitado tribunal é competente para avaliar a "consciência coletiva da sociedade", mas se essa consciência, qualquer que seja ela, deve influenciar a decisão do tribunal em primeiro lugar. E, caso se considere que ela deve exercer esse tipo de influência, seria difícil ignorar o enorme grupo de indianos instruídos, patriotas e cumpridores da lei que têm dito em todos os canais disponíveis que sua "consciência" só ficará satisfeita quando seu país suspender a prática de executar pessoas. 

Além disso, há a questão da incoerência. Há pessoas que foram condenadas à morte por assassinatos ou por terem travado guerra contra o estado e que ainda não foram enforcadas – apesar de elas terem sido condenadas muito antes de Afzal. Na Índia, não há nenhuma lógica que explique por que um condenado deve ser enforcado antes de outro. 

O estado pode, por meio da simples força de tecnicalidades, prolongar a vida de uma pessoa que está no corredor da morte ou, no caso de uma pessoa menos afortunada, usar seu poder para apressar as formalidades da execução. Por isso, permitiu-se que os cálculos políticos penetrassem no que deveria ser um processo puramente judicial. 

Os tribunais indianos devem impor a pena de morte apenas no "último dos últimos" casos. Mas, como ficou demonstrado, esse critério é muito subjetivo. Recentemente, o Supremo Tribunal poupou a vida de um homem que havia matado sua mulher e sua filha enquanto estava em liberdade condicional. Ele havia sido preso por estuprar a filha quando ela era menor de idade. 

O tribunal acreditou que ele poderia ser recuperado. Alguns dias mais tarde, outros juízes do Supremo Tribunal condenaram um homem à morte pelo assassinato de um menino de 7 anos após levar em consideração o fato de o menino ser o "único filho do sexo masculino" de sua família. 

É claro que provocou indignação a sugestão de que o sofrimento desses pais teria sido menor e o crime, portanto, menos hediondo, se a criança morta fosse uma menina. Mas, aparentemente, há momentos em que o sistema judiciário indiano não quer satisfazer "a consciência coletiva da sociedade".

(Manu Joseph é editor do semanário indiano Open e autor do romance "The Illicit Happiness of Other People" ("A felicidade ilícita das outras pessoas", em tradução livre).

Tradutora: Cláudia Gonçalves.

 Esta Matéria foi publicada originalmente em:
 http://paulooliveiramello.blogspot.com.br/2013/02/influenciadas-por-calculos-politicos.html

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