Por Venício A. de Lima em 29/01/2013 na edição 731.
Sob o ensurdecedor silêncio da grande mídia brasileira,
foi divulgado em Bruxelas, na terça-feira (22/1), o relatório “Uma
mídia livre e pluralista para sustentar a democracia europeia”,
comissionado pela vice-presidente da União Europeia, Neelie Kroes,
encarregada da Agenda Digital [ver aqui a íntegra do relatório, acesso em 23/1/2013].
Preparado por um grupo de alto nível (HLG) presidido pela ex-presidente
da Letônia, Vaira Vike-Freiberga, e do qual faziam parte Herta
Däubler-Gmelin, ex-ministra da Justiça alemã; Luís Miguel Poiares Pessoa
Maduro, ex-advogado geral na Corte de Justiça Europeia; e Ben
Hammersley, jornalista especializado em tecnologia, o relatório faz
trinta recomendações sobre a regulamentação da mídia como resultado de
um trabalho de 16 meses que começou em outubro de 2011. As recomendações
serão agora debatidas no âmbito da Comissão Europeia.
O relatório
O relatório, por óbvio, deve ser lido na íntegra. Ele começa com um
sumário das principais conclusões e recomendações e, na parte
substantiva, está dividido em cinco capítulos que apresentam e discutem
as bases conceituais e jurídicas que justificam as diferentes
recomendações:
(1) por que a liberdade da mídia e o pluralismo importam;
(2) o papel da União Europeia;
(3) o mutante ambiente da mídia;
(4) a
proteção da liberdade do jornalista; e, (5) o pluralismo na mídia.
Há ainda um anexo de 12 páginas que lista as autoridades ouvidas, as
contribuições escritas recebidas e os documentos consultados. A boa
notícia é que quase todo esse material está disponível online.
Para aqueles a favor da regulamentação democrática da mídia – da mesma
forma que já havia acontecido com o relatório Leveson – é alentador
verificar como antigas propostas sistematicamente taxadas pela grande
mídia e seus aliados da direita conservadora de autoritárias, promotoras
da censura e inimigas da liberdade de expressão, são apresentadas e
defendidas por experts internacionais, comissionados pela União
Europeia.
Fundamento de todo o relatório são os conceitos de liberdade de mídia e pluralismo. Está lá:
“O conceito de liberdade de mídia está intimamente relacionado à noção de liberdade de expressão, mas não é idêntico a ela
[grifo meu]. A última está entronizada nos valores e direitos
fundamentais da Europa: ‘Todos têm o direito à liberdade de expressão.
Este direito inclui a liberdade de ter opiniões, de transmitir (impart) e receber informações e ideias sem interferência da autoridade pública e independente de fronteiras’ (...).
“Pluralismo na mídia é um conceito que vai muito além da propriedade.
Ele inclui muitos aspectos, desde, por exemplo, regras relativas a
controle de conteúdo no licenciamento de sistemas de radiodifusão, o
estabelecimento de liberdade editorial, a independência e o status de
serviço público de radiodifusores, a situação profissional de
jornalistas, a relação entre a mídia e os atores políticos etc.
Pluralismo inclui todas as medidas que garantam o acesso dos cidadãos a
uma variedade de fontes e vozes de informação, permitindo a eles que
formem opiniões sem a influência indevida de um poder [formador de opiniões] dominante.”
Encontram-se no relatório propostas como:
(1) a introdução da educação
para a leitura crítica da mídia nas escolas secundárias;
(2) o
monitoramento permanente do conteúdo da mídia por parte de organismo
oficial ou, alternativamente, por um centro independente ligado à
academia, e a publicação regular de relatórios que seriam encaminhados
ao Parlamento para eventuais medidas que assegurem a liberdade e o
pluralismo;
(3) a total neutralidade de rede na internet;
(4) a provisão
de fundos estatais para o financiamento da mídia alternativa que seja
inviável comercialmente, mas essencial ao pluralismo;
(5) a existência
de mecanismos que garantam a identificação dos responsáveis por calúnias
e a garantia da resposta e da retratação de acusações indevidas.
Pelo histórico de feroz resistência que encontra entre nós, vale o
registro uma proposta específica. Após considerações sobre o reiterado
fracasso de agências autorreguladoras, o relatório propõe:
“Todos os países da União Europeia deveriam ter conselhos de mídia
independentes, cujos membros tenham origem política e cultural
equilibrada, assim como sejam socialmente diversificados. Esses
organismos teriam competência para investigar reclamações (...), mas
também certificariam de que as organizações de mídia publicaram seus
códigos de conduta e revelaram detalhes sobre propriedade, declarações
de conflito de interesse etc.
Os conselhos de mídia devem ter poderes
legais, tais como a imposição de multas, determinar a publicação de
justificativas [apologies] em veículos impressos ou eletrônicos, e cassação do status jornalístico.”
E no Brasil?
A publicação de mais um estudo oficial sobre regulamentação da mídia,
desta vez pela União Europeia, menos de dois meses depois do relatório
Leveson na Inglaterra, revela que o tema é pauta obrigatória nas
sociedades democráticas e não apenas em vizinhos latino-americanos como a
Argentina, o Uruguai e o Equador, mas, sobretudo, na Europa.
No Brasil, como se sabe, “faz-se de conta” que não é bem assim e o tema
permanece “esquecido” pelo governo, além de demonizado publicamente
pela grande mídia como ameaça à liberdade de expressão.
Quem se beneficia com essa situação? Até quando seguiremos na contramão da história?
***
[Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no
Departamento de Ciência Política da UFMG (2012-2013), professor de
Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros].
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