sábado, 14 de setembro de 2013

O holocausto que provocou a morte de 60 mil pessoas no maior hospício do Brasil.

A jornalista Daniela Arbex resgata a história do Hospital Colônia, que foi denunciado pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia como “um campo de concentração nazista”. O escritor Guimarães Rosa escreveu um conto a respeito.
 
Paciente bebe água de esgoto do Hospital Colônia - maior
hospício do Brasil
Candice Marques de Lima 
Especial para o Jornal Opção
Em 1913, a escultora francesa Camille Claudel, 49 anos, foi internada em um manicômio por sua família após uma crise na qual quebrou suas obras. 
 
Camille foi diagnosticada com paranoia, apresentava delírios nos quais sentia-se perseguida, achava que seu ex-amante, o escultor Auguste Rodin, roubaria suas esculturas e tinha pensamentos suicidas. 
 
A escultora passou por dois manicômios nos últimos 30 anos de sua vida e somente “libertou-se” do cárcere aos 78 anos, quando, ainda interna, morreu de fome, em 1943, como aconteceu com muitos pacientes por causa da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A história de Camille Claudel serve para ilustrar as inúmeras outras histórias de pessoas que foram encarceradas em manicômios em diversas partes do mundo e só “saíram” dessas instituições após a morte. Os asilos para alienados, manicômios, hospícios, instituições psiquiátricas, entre outros nomes para identificar os lugares de confinamento dos chamados loucos, tiveram sua proliferação por volta do século XVIII. 
 
A loucura, que até meados do século XVII era considerada como manifestação divina ou demoníaca, passou a ser compreendida de maneira diferente após o Iluminismo — perda da razão, alienação — e de meados daquele século em diante, as pessoas que apresentavam algum incômodo para a sociedade, que não se adaptavam às regras sociais, passaram a ser internadas em instituições.
As instituições totais, termo utilizado pelo cientista social Erving Goffman para referir-se aos manicômios, prisões e conventos, caracterizam-se por serem lugares nos quais as pessoas vivem confinadas e por isso geram uma ruptura das barreiras que separam atividades realizadas em locais diferentes, como o lazer, o trabalho e o momento de descanso. 
 
Nessas instituições, as atividades são realizadas no mesmo local, sob uma única autoridade, com vigilância permanente e com um grupo de pessoas que são tratadas da mesma maneira. Geralmente as pessoas são obrigadas a se desfazerem de seus objetos pessoais, inclusive documentos, passam a usar uniformes e podem inclusive ser identificadas por alcunhas ou números. 
 
Dessa forma, perde-se a identidade, que constitui a subjetividade e que é a forma pela qual a pessoa se relaciona com o outro e por ele é identificada. Com o passar do tempo a pessoa internaliza as regras impostas e torna-se institucionalizada, podendo apresentar dificuldades de convivência e sobrevivência quando posta em liberdade. No caso de pessoas com transtorno mental, após longo período vivido em um manicômio, pode ocorrer a cronificação do transtorno, sendo mais difícil seu tratamento e a capacidade desse sujeito lidar com as vicissitudes da vida.
Entre tantas instituições psiquiátricas, surge o nome do que foi considerado o maior hospício do Brasil, o Hospital Colônia de Barbacena. Inaugurado em 1903, foi instalado nas terras da “Fazenda da Caveira”, cujo proprietário era Joaquim Silvério dos Reis, que ganhou as terras como prêmio pela delação do movimento dos inconfidentes. A criação do manicômio foi um prêmio de consolação para a cidade de Barbacena, em Minas Gerais, quando perdeu a disputa para ser a capital do Estado para Belo Horizonte. 
 
A história do hospício e de tantas vidas que por lá passaram é contada no comovente livro da jornalista mineira Daniela Arbex “Holo­caus­to Brasileiro — Genocídio: 60 Mil Mor­tos no Maior Hospício do Brasil” (Geração Editorial, 255 páginas). A jornalista, repórter especial do jornal “Tribuna de Minas”, interessou-se pelas histórias que apurou a partir de uma série de reportagens sobre o Colônia e decidiu investigar mais o assunto. Tinha um bebê de quatro meses quando começou a pesquisa e viajava 95 quilômetros todas as manhãs até Barbacena.
O título do livro “Holocausto Brasileiro” pode parecer a princípio muito forte, mas, conforme são lidas suas páginas, percebe-se que a jornalista não cometeu exagero ao nominá-lo dessa forma. Sessenta mil pessoas morreram no Colônia por diversas causas, mortes que poderiam ter sido evitadas se tivessem sido tratadas com dignidade e com cuidados médicos. 
 
Na verdade, havia poucos médicos — na década de 1970 era um psiquiatra para 400 pacientes — e os funcionários não tinham formação adequada para o ofício. O hospital era mantido pelo governo mineiro com auxílio da Igreja Católica. Foi projetado para 200 pacientes, mas no final da década de 1950 tinha 5 mil internos. Para lidar com a superlotação, as camas foram substituídas por capins, uma sugestão do chefe do Departa­mento de Assistência Neuro­psi­quiá­trica de Minas Gerais, José Con­sen­so Filho. A proposta das “camas de capim”, de tão bem sucedida, foi recomendada pelo poder público em 1959 para outros hospitais do Estado mineiro.
As mortes aconteciam por fome, frio, doenças e até por eletrochoques. Numa das cenas dramáticas do livro, conta-se como era o tratamento com eletroconvulsoterapia. Tal técnica acontecia de forma indiscriminada e a energia da cidade, em algumas situações, não era suficiente para a carga de eletrochoques. Uma das formas de ascender de cargo no hospital era aprender a aplicar essa terapia. 
 
A funcionária Francisca Moreira dos Reis, que na época trabalhava na cozinha, havia se candidatado para a vaga de atendente de enfermagem e por isso foi chamada para participar das sessões: “A colega Maria do Carmo, que também era da cozinha, foi a primeira a tentar. Cortou um pedaço de cobertor, encheu a boca do paciente, que a esta altura já estava amarrado na cama, molhou a testa dele e começou o procedimento. Contou mentalmente um, dois, três e aproximou os eletrodos das têmporas de sua cobaia, sem nenhum tipo de anestesia. Ligou a engenhoca na voltagem 110 e, após a contagem, 120 de carga. O coração da jovem vítima não resistiu”. Francisca conta que, após a morte do segundo paciente, saiu correndo e não quis mais participar das sessões.
A alimentação era precária. O aspecto da comida era tão repugnante que o psiquiatra e psicanalista Francisco Paes Barreto ao conhecer o hospital em 1965, quando faria uma pesquisa, perguntou ao cozinheiro: “Ué! Vocês criam porcos aqui?” “Não. Isso aqui é a comida dos pacientes”. 
 
Por causa da fome os pacientes comiam ratos e bebiam água do esgoto, que ficava aberto no pátio do hospital, e urina. As crianças internas bebiam leite até vomitarem, no dia que este era servido.
O Colônia também lucrava com a venda de cadáveres para os cursos de Medicina. Entre 1969 e 1980 foram vendidos 1.823 corpos, sem autorização dos familiares das vítimas. 
 
Quando o Colônia estava superlotado havia em média 16 falecimentos por dia, devido a subnutrição, péssimas condições de higiene e falta de atendimento médico. Em vários atestados de óbito aparece o termo “enterite do alienado” para justificar as mortes por diarreia aguda.
Os internos também morriam de frio. Nas noites geladas no hospital, que fica na Serra da Mantiqueira, muitas pessoas tinham suas roupas, esfarrapadas, molhadas e eram colocadas no pátio. Para tentarem sobreviver, ficavam todas juntas e revezavam os que ficavam no meio para as pontas, para suportar o frio. Também dormiam amontoados e muitas vezes os que ficavam na parte de baixo não sobreviviam, por terem sido sufocados.

70% das pessoas internadas no hospital não tinham diagnóstico de transtornos mentais. “Eram epilépticos, alcoolistas, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava, gente que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas, violentadas por seus patrões, eram esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, eram filhas de fazendeiros as quais perderam a virgindade antes do casamento.
 
Eram homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos.” A internação dessas pessoas se justificava pelo Decreto Presidencial 24.559 de 1934, baixado por Getúlio Vargas, pelo qual qualquer pessoa poderia solicitar a internação de alguém em hospital psiquiátrico apenas com um atestado médico.
A maioria das pessoas chegava ao Colônia no “trem de doido”, uma locomotiva que percorria o interior do país até a parada na estação Bias Fortes, localizada no fundo do hospital. No conto de Guimarães Rosa “Soroco, sua mãe, sua filha”, do livro “Primeiras Estórias” é mostrado o principal meio de transporte para as pessoas encaminhadas ao hospital, que neste caso são a mãe e a filha de Soroco. “O trem chegando, a máquina manobrando sozinha para vir pegar o carro. O trem apitou, e passou, se foi, o de sempre. Soroco não esperou tudo se sumir. Nem olhou. Só ficou de chapéu na mão, mais de barba quadrada, surdo — o que nele mais espantava. O triste do homem, lá, decretado, embargando-se de poder falar algumas suas palavras. Ao sofrer o assim das coisas, ele, no oco sem beiras, debaixo do peso, sem queixa, exemploso”.

Quando chegavam ao hospital, as pessoas eram separadas “por sexo, idade e características físicas. Eram obrigados a entregar seus pertences, mesmo que dispusessem do mínimo, inclusive roupas e sapatos. (...) Todos passavam pelo banho coletivo, muitas vezes gelado. Os homens tinham o cabelo raspado de maneira semelhante à dos prisioneiros de guerra”. 
 
Era-lhes entregue um uniforme azul de brim, que não protegia do frio da cidade e depois eram separados entre os que podiam trabalhar e os que não tinham condições laborais. Muitas mulheres choravam quando eram obrigadas a se despir para a triagem. Os documentos eram confiscados e os que não tinham documentos eram rebatizados pelos funcionários.
O horror vivido diariamente no hospital foi denunciado diversas vezes na imprensa nacional e internacional, mas, apesar disso, a última cela do Colônia foi desativada apenas em 1994. Em 13 de maio de 1961, coincidentemente o dia no qual se comemora o fim da escravidão no Brasil, a revista “O Cruzeiro” publicou cinco páginas da reportagem “A sucursal do inferno”, escrita pelo jornalista José Franco e com fo­tografias de Luiz Alfredo. 
 
Para o jor­na­­lista, a primeira imagem que veio-lhe à cabeça quando adentrou as portas do hospital e foi cercado por pessoas de cabelos desgrenhados e ex­tremamente magros foi uma cena de o inferno de Dante. As fotografias de Luiz Alfredo ilustram o livro de Daniela Arbex e são testemunhas da tragédia vivida naquele lugar. Em­bora a matéria da revista tenha in­comodado e gerado discussões entre os governantes, com o tempo tu­do permaneceu da mesma maneira.
“O cheiro deste lugar é indescritível. É o cheiro de suor, de fezes, de sofrimento, de gente amontoada, de falta de higiene”, comentou o cineasta Helvécio Ratton, durante as filmagens de seu documentário “Em Nome da Razão”, realizado no Colônia em 1979. O documentário pode ser visto integralmente no youtube e denuncia a estrutura adoecida na qual milhares de pessoas foram colocadas para morrer. 
 
Durante as filmagens, um dos internos segurou Ratton pelo braço e disse-lhe “Sei o que vocês estão fazendo. Tirando foto de todo mundo. Assim, quando a gente morrer, as pessoas vão saber que estivemos aqui”. A partir daí, o cineasta teve certeza de estar realizando um registro histórico e uma denúncia, que sensibilizaria pessoas pelo mundo. O documentário ganhou prêmios e até hoje incomoda por suas imagens fortes, os sons e lamentos dos pacientes são registrados assim como suas histórias.
Crianças “mantidas em berços dentro do Colônia” até quando eram levadas para tomar sol
Após 18 anos da matéria da revista “O Cruzeiro”, o jornalista Hiram Firmino fez uma série de reportagens publicadas em 1979 no jornal “Estado de Minas” denominadas “Os porões da loucura”, que denunciavam as condições do hospital. Hiram descobriu que “em cada um dos dezesseis pavilhões havia dois funcionários para cuidar de mais de 200 pacientes, e a maioria dos contratados não tinha formação. 
 
Passou por uma ala onde havia 400 mulheres peladas” e levantou dados sobre o alto índice de infecção hospitalar. Concluiu que o objetivo do hospital não era terapêutico, mas político. Observou também internos que ali estavam por terem perdido a carteira e estarem sem documentos e outros que foram pegos porque estavam usando maconha. 
 
A denúncia serviu para mobilizar a sociedade numa época em que estava no auge o movimento da antipsiquiatria, representado pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia, que conseguiu estabelecer a abolição dos hospitais psiquiátricos na Itália, com a aprovação da lei nº 180 de 1978, também conhecida como Lei Basaglia. A repercussão des­sa lei foi para além da Itália e em julho de 1979 Basaglia veio ao Brasil para participar do III Con­gresso Mineiro de Psiquiatria. 
 

Durante sua estada em Minas Gerais, Franco Basaglia foi convidado pelo psiquiatra mineiro Antônio Soares Simone, que por suas denúncias foi processado e chegou a ter cogitada a cassação de seu registro profissional pelo Conselho de Medicina, a conhecer as instituições psiquiátricas públicas mineiras, entre elas o Hospital Colônia. Ao sair do hospital Basaglia pediu que Simone acionasse a imprensa e fez a seguinte declaração “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como esta”. A repercussão foi grande e até o jornal “New York Times” se interessou pela história.
A partir do final da década de 1980 começou a se delinear no Brasil uma nova política de atendimento para as pessoas com transtornos mentais, na qual buscava-se o fim do modelo de internação em hospitais psiquiátricos para atendimentos ambulatoriais. 
 
O deputado Paulo Delgado (PT) apresentou em 1989 um projeto de lei que propunha regulamentar os direitos da pessoa com transtornos mentais e extinguir de forma progressiva os manicômios no país. Somente em 2001 o projeto proposto tornou-se a Lei Federal 10.216 (Lei Paulo Delgado) — tornando possível a reforma psiquiátrica no país.
Durante esses anos a história do Colônia tomou outros rumos, pois, embora na esfera política a lei da reforma psiquiátrica tenha sido sancionada apenas em 2001, as mentalidades haviam mudado especialmente após a década de 1970. Em 1979 o psiquiatra Jairo Toledo foi transferido para o hospital a convite do superintendente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). Sua primeira decisão foi transferir as 33 crianças que estavam internadas em Barbacena para Belo Horizonte. Proibiu a transferência indiscriminada de pacientes de outros hospitais para o Colônia, criando a regionalização do atendimento e critérios para a internação de pessoas — os pacientes tinham no prontuário a data de saída do hospital.

Em 1995, com o projeto Memória Viva financiado pela prefeitura de Barbacena, surgiu a ideia de criar o Museu da Loucura no Hospital Colônia. Inaugurado em 16 de agosto de 1996, o museu tem cinco salas abertas à visitação, com instrumentos usados para lobotomia, entre outros. 
 
O antigo Colônia tornou-se Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) e atualmente tem 170 pacientes internos como “crônicos”, mas 120 destes devem ser encaminhados para módulos residenciais. Conta também com 30 vagas para casos agudos de psiquiatria e 100 para outras especialidades médicas, além de 20 vagas para pessoas com dependência química. A relação funcioná­rio/paciente também foi alterada, pois o hospital tem mil funcionários para 300 leitos.
Ao ler a história contada pela premiada jornalista Daniela Arbex não posso dizer que o hospital teve um final feliz, pois, além da morte de 60 mil pessoas, muitas tiveram suas vidas roubadas durante o período que permaneceram no hospital. Há histórias de desencontros, como uma que contarei a seguir e histórias de dor, que chegam a deixar os olhos rasos d’água. 
 
Não é um livro que se lê tranquilamente, ele mobiliza e faz pensar nas formas que criamos para nos proteger do que é diferente, incômodo e assustador. Enquanto nossa sociedade se constituir num projeto de higienização e medicalização, possivelmente muitas histórias como essa se repetirão. Um exemplo recente foi a discussão a respeito da internação compulsória dos usuários de crack. 
 
Serão mesmo necessárias internações dessa natureza e a criação de instituições totais para tratamento aos usuários de álcool e outras drogas? A lei Paulo Delga­do possibilitou a criação dos  Cen­tros de Atenção Psicos­social (Caps), que tratam de forma ambulatorial as pessoas com transtorno mental que estão na fase aguda e os dependentes químicos. 
 
Em muitas cidades ainda não existe o modelo de Caps III, com atendimento de 24 horas, que precisam ser implantados. Há um risco de retrocesso que precisa ser sempre repensado para que genocídios, como o do Hospital Colô­nia de Barbacena, possam ser evitados.
Candice Marques de Lima  é psicóloga clínica e professora da Universidade Federal de Goiás

Uma história de desencontros
Débora Aparecida Soares, filha da interna Sueli Rezende (morta em 2011), “foi doada ao nascer”

No documentário de Helvé­cio Ratton — “Em Nome da Razão” —, Sueli Aparecida Rezende aparece cantando uma música-denúncia das condições da alimentação no hospital. Por ser considerada uma paciente difícil e muito agressiva, “arrancou a orelha de muitos pacientes”, se mutilou usando grampos para ferir os pulsos e chegou a matar uma pomba no pátio do hospital e comê-la alegando ser seu único alimento, os médicos cogitaram a possibilidade de arrancar sua arcada dentária para poder contê-la.

Sueli teve duas filhas durante sua internação de 35 anos no Colônia. Foi encaminhada para o hospital de Oliveira aos 8 anos de idade por ser epiléptica e trocar favores sexuais  por merenda na escola em que estudava. Em 1971 foi para o hospital de Barbacena e de lá saiu morta por infarto aos 50 anos. Suas duas filhas foram encaminhadas para a adoção, como pelo menos trinta bebês que nasceram no hospital. Sobre sua filha Luzia, nascida em 1986 não se sabe o paradeiro, mas Débora Aparecida Soares teve conhecimento da mãe biológica quando já era adulta e foi em busca de sua história.

Sueli teve um relacionamento amoroso com José Malaquias, também interno do Colônia por alcoolismo, e daí nasceu Débora. Com dez dias de vida, Débora foi retirada dos braços da mãe biológica e adotada por uma auxiliar de enfermagem do hospital. Durante sua infância, a menina muitas vezes acompanhou a mãe adotiva em seu trabalho e aos 7 anos conheceu uma paciente. “Tia, por que você está aqui?”, “Porque não tenho casa. Mas tenho duas filhas”, “E onde elas estão? Queria brincar com elas”, “Isso eu não sei”. Despediram-se com um abraço e uma funcionária que viu a cena de longe escondeu-se para chorar, pois sabia que ali estavam mãe e filha sem que soubessem do grau de parentesco. Durante os anos após o nascimento da filha, Sueli lembrou-se de todos os seus aniversários e, quando estava morrendo, foi o nome dela que chamou.

Débora soube da existência da mãe biológica somente em 2007, quando procurou sua babá para tentar esclarecer o motivo de suas dificuldades no relacionamento com a mãe que a criara e de sua infelicidade. Ao saber que tinha sido adotada e que a mãe era interna em Barbacena, viajou de São João del-Rei, cidade onde morava e cursava Letras, para lá. Ao chegar ao hospital, soube que a mãe falecera há um ano. Triste, mas decidida a conhecer a história de sua mãe, a jovem passou quinze dias em uma sala da instituição lendo os prontuários da mãe, forma que encontrou para conhecê-la, reconstruir e ressignificar sua própria história.  (C.M.L.).

O menino de Goiás
Em 1976, com o fechamento do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil no município de Oliveira, Minas Gerais, 33 crianças foram transferidas para o Colônia e passaram a conviver com os pacientes adultos. A única diferença entre eles eram os berços no lugar das camas de capim. “Havia berços onde crianças aleijadas ou com paralisia cerebral vegetavam. 

Ninguém os retirava de lá nem para tomar sol. Quando a temperatura aumentava, os berços eram colocados no pátio, e os meninos permaneciam encarcerados dentro deles”. Quando o jornalista Hiram Firmino perguntou a uma secretária o que aconteceria com essas crianças quando crescessem, ouviu como resposta “Ué? Eles morrem”.

Dentre essas 33 crianças, havia um menino de Goiás chamado Roberto – o livro não informa seu sobrenome nem a cidade de onde era proveniente. O garoto de 9 anos foi enviado para o hospital de Oliveira por ter hidrocefalia. Após quase um ano de internação no Colônia, foi a única criança a ser visitada por um familiar. 

Quando o pai chegou ao hospital o menino correu em sua direção e possivelmente por causa da emoção teve uma incontinência urinária e molhou sua roupa. “O goiano até tentou esconder o desconforto diante daquela criança desajeitada, mas não conseguiu. Constrangido com o aspecto do filho, o pai disse que sairia para buscar almoço. Deixou a comida lá e nunca mais apareceu”. Após o episódio o menino definhou até a morte.

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