O ex-presidente Lula em visita recente ao laboratório do projeto Andar de Novo montado na Associação à Criança com Deficiência (AACD), em São Paulo.
Fotos: Roberto Stuckert/Instituto Lula e Facebook de Nicolelis
Se você pensa que jogo bruto, rasteiras e tentativas de assassinato de reputação são coisas da política, prepara-se para conhecer os bastidores de uma guerra na ciência de ponta. Vai se surpreender como nós.
Divergências são comuns no mundo acadêmico. Fazem parte da evolução do conhecimento científico. Certas disputas, porém, viram carnificina.
Em 12 de junho, na abertura da Copa do Mundo, no Itaquerão, em São Paulo, o mundo assistirá ao vivo a demonstração de um salto da ciência: um jovem paraplégico, “vestindo” uma “roupa robótica” (exoesqueleto), dará o chute inaugural na cerimônia.
É apenas a primeira etapa do projeto Andar de Novo, liderado pelo o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis e do participam 156 pesquisadores do Brasil, EUA, Inglaterra, França, Suíça, Alemanha, Portugal, Chile, entre outros países.
O objetivo dessa pesquisa, no futuro, é permitir que paraplégicos possam andar novamente.
Porém, Nicolelis e o projeto Andar de Novo estão sendo alvejados por alguns pesquisadores que tentam transformar esse momento histórico da ciência brasileira em algo ruim.
Em 29 de março, reportagem publicada pela Folha de S. Paulo traz críticas ao seu trabalho. Diz a matéria:
Edward Tehovnik, pesquisador do Instituto do Cérebro da UFRN, chegou a trabalhar com Nicolelis, mas rompeu com o cientista, que o demitiu. Ele questiona quanto da demonstração de junho será controlada pelo exoesqueleto e quanto será controlada pelo cérebro da criança.
“Minha análise, baseada nos dados publicados, sugere que menos de 1% do sinal virá do cérebro da criança. Os outros 99% virão do robô”. E ele pergunta: “Será mesmo a criança paralisada que vai chutar a bola?”.
Sergio Neuenschwander, professor titular da UFRN, diz que a opção pelo EEG é uma mudança muito profunda no projeto original. Ele diz que é possível usar sinais de EEG para dar comandos ao robô, mas isso é diferente de obter o que seria o código neural de andar, sentar, chutar etc.
“O fato de ele ter optado por uma mudança de técnica mostra o tamanho do desafio pela frente.”
Engana-se quem acha que por trás desses ataques estejam razões puramente científicas.
Há guerra de egos, inveja do sucesso alheio, brigas pelo poder, disputas por verbas e até motivos ideológicos. Nicolelis vota abertamente em Lula, Dilma e no PT. E os seus pares (a esmagadora maioria) e a mídia não perdoam o seu posicionamento político. Já um dos seus críticos é antipetista, como perceberão mais adiante.
Mergulhamos então na internet. Ouvimos várias pessoas, entre os quais pesquisadores e alunos, para conhecer melhor os pesquisadores entrevistados pela Folha e tentar entender o que está acontecendo.
Miguel Nicolelis é pesquisador e professor da Universidade Duke, nos EUA, e coordenador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), no Brasil.
Em junho de 2011, o IINN-ELS, criado por ele em 2005, passou por uma cisão.
O professor Sidarta Ribeiro deixou a instituição. Foi dirigir o Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Neuenschwander faz parte do grupo que acompanhou Ribeiro.
Tehovnik, que em fevereiro já havia detonado Nicolelis na mesma Folha, foi para o Instituto do Cérebro em 2012, após ser demitido do IINN-ELS por falta de produção científica.
Com base nessa e em outras informações levantadas, o Viomundo pediu a Tehovnik e Neuenschwander, via e-mail, que esclarecessem as críticas e outras questões surgidas na apuração desta matéria. Reafirmamos a solicitação outras vezes. Nenhum respondeu.
FONTES DA FOLHA NUNCA TRABALHARAM COM INTERAÇÃO CÉREBRO-MÁQUINA
É de 1985 o primeiro artigo cogitando a possibilidade de interação do cérebro com computador — a chamada interface cérebro-máquina.
Em 1999, Nicolelis e seu colega John Chapin, da Universidade Duke (EUA), comprovaram isso num estudo pioneiro com ratos. Em 2000, demonstraram em macacos. Em 2004, em seres humanos.
A interface cérebro-máquina é uma das áreas da ciência onde avanços estão ocorrendo. Tanto que, em 2011, a Fundação Nobel (a mesma dos prêmios) realizou, em Estocolmo, Suécia, um simpósio chamado 3 M: Mente, Máquinas e Moléculas.
Fizemos uma busca no Pubmed, considerada uma das maiores base de dados de publicações científicas e de pesquisas biomédicas. Até 24 de abril, 1.789 artigos sobre a interface cérebro-máquina tinham sido publicados no mundo.
Em 2000, foram 19. Em 2005, 60. Em 2010, 170. Em 2013, 309. Este ano já somam 97.
Na semana passada, Miguel Nicolelis, postou na sua página no Facebook:
Precisamente às 12:21 do dia 29/04/2014, o BRA-Santos Dumont 1 deu os seus primeiros passos e chute controlados pela atividade cerebral de um paciente do projeto Andar de Novo que também experimentou a sensação tátil desses movimentos do exoesqueleto.
BRA-Santos Dumont 1 é o nome que recebeu o primeiro exoesqueleto. Os testes estão demonstrando que o conceito de controlar os movimentos do exoesqueleto pelo cérebro – a chamada interface cérebro-máquina — funciona e é viável.
Tehovnik, no entanto, contesta a validade científica da interface cérebro-máquina assim como do projeto Andar de Novo.
Curiosamente, ele e Neuenschwander não têm experiência com interface cérebro-máquina para reabilitação motora. Eles nunca trabalharam nem participaram de projeto de pesquisa na área. Também não têm publicação original na área.
O mais próximo que Tehovnik chegou foi o artigo de revisão “Transfer of information by BMI”, feito com mais dois autores e publicado na Neuroscience, em 2013.
Aí, sem experimento nenhum, apenas com base em alguns cálculos em computador, ele conclui que “mais pesquisas sobre a compreensão de como o cérebro gera movimento são necessárias antes de ICM poder se tornar uma opção razoável para pacientes paraplégicos”.
Para quem não sabe, a conclusão que “mais pesquisas são necessárias para compreensão de fenômeno X” é um lugar comum na literatura científica, geralmente utilizada quando o pesquisador não tem nada a concluir.
POUCOS TRABALHOS CIENTÍFICOS PUBLICADOS NOS ÚLTIMOS ANOS
Sergio Neuenschwander é brasileiro e sua área de pesquisa, a visão. Atualmente é professor titular do Instituto do Cérebro da UFRN.
Durante mais de 10 anos, atuou num dos mais sofisticados institutos de neurociência da Europa, o Instituto Max Planck, na Alemanha. Aí, fez pós-doutorado e trabalhou no laboratório do conceituado neurofisiologista Wolf Singer.
A ideia inicial era Neuenschwander trabalhar no IINN-ELS, mas, devido à cisão, nem chegou a atuar na instituição.
O seu nome aparece, junto com o de vários outros cientistas, como um dos responsáveis pela concepção do projeto de repatriação de capital humano, que está na origem tanto do IINN-ELS quanto do Instituto do Cérebro/UFRN.
Acontece que ele só voltou ao Brasil em 2011. Pedimos uma cópia de documentos oficiais que demonstrassem essa participação. Não enviou.
Segundo o Pubmed, Neuenschwander não publicou nenhum trabalho de relevância internacional desde a sua ida para o Instituto do Cérebro/UFRN. As suas 14 publicações listadas nessa base de dados são da época no Max Planck.
Já Tehovnik é canadense. Fez boa parte da carreira no laboratório de Peter Schiller, professor de fisiologia médica, sistema visual e sistema oculomotor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA.
Em 2009, veio ao Brasil pela primeira vez. Foi para assumir a vaga de professor adjunto na UFRN. Poucos meses depois pediu demissão.
No final de 2010, retornou. Foi trabalhar no IINN-ELS, onde recebeu uma bolsa DTI (desenvolvimento tecnológico industrial), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ficou até janeiro de 2012, quando foi demitido.
Ainda em 2012, prestou concurso para professor de Neuroengenharia no Instituto do Cérebro/UFRN. Foi reprovado.
Atualmente, com bolsa do CNPq, é pesquisador sênior visitante no laboratório de Sergio Neuenschwander. De acordo com o Pubmed, nos últimos cinco anos, publicou quatro trabalhos científicos originais, sendo três de revisão. Apenas um envolveu experimentos feitos nos tempos de MIT.
ALÉM DE NICOLELIS, PESQUISADOR ATIRA CONTRA BRASIL, BRASILEIROS E O PT
O Research Gate é uma rede social para cientistas de todas as áreas. É como um Facebook para pesquisadores. Aí, compartilham seus artigos, comentam, fazem discussão científica.
Tehovnik tem uma conta aí. Parece metralhadora giratória.
Alguns exemplos.
Nele, o dr. Tehovnik diz:
Vamos comparar dois estilos de vida no Brasil. Primeiro, Paulinha, de Natal, Brasil, que é uma trabalhadora doméstica com nove filhos. Todo mês ela recebe R$ 500 do governo brasileiro, através do programa Bolsa Família. Também a cada mês Paulinha recebe um cheque de R$ 500 para a limpeza de casas durante cinco dias por semana, 8 horas por dia. Sua renda mensal total é de R$ 1 mil.
…
Contudo, para os R$ 500 Reais (do governo ), Paulinha vota para o partido político que lhe proporciona o apoio financeiro, ou seja, do partido PT de Lula (já que eles estão atualmente no poder) .
Em segundo lugar, temos Edward que é um cientista em Natal, Brasil. Todos os meses, ele e sua família recebem R$ 10 mil reais de um investimento no banco HSBC mais R$ 5 mil do governo federal brasileiro por bolsa científica do CNPq.
… Embora Edward não possa votar (pois ele é um estrangeiro) sua esposa, uma brasileira, vota contra do PT de Lula. Ao contrário de Paulinha, sua esposa sabe que o PT é corrupto (infelizmente muito parecido com todos os outros partidos) .
O governo brasileiro tem investido milhões de dólares nas ideias de Miguel Nicolelis. Quais serão as consequências para a Ciência brasileira de um jovem paraplégico dar um chute numa bola, na abertura da Copa do Mundo?
A fraude na pesquisa de clonagem na Coreia do Sul quebrou a autoestima da ciência daquele país.
Será que o mesmo aconteceria com a ciência brasileira?
Em cima desses dois textos, perguntamos a Tehovnik nas mensagens que lhe enviamos:
* Qual sua opinião sobre o atual governo brasileiro?
* E sobre a situação atual do Brasil?
* Imediatamente após dizer que a fraude na pesquisa de clonagem na Coreia do Sul quebrou a autoestima da ciência daquele país, o senhor pergunta: “Será que o mesmo aconteceria com a ciência brasileira?” O que exatamente o senhor quer dizer ao tentar comparar a fraude na Coreia do Sul com o projeto do professor Miguel Nicolelis?
Tehovnik não respondeu.
A propósito, no texto Perdido na tradução (Lost in translation), ele afirma:
… em Brasília, no gabinete do ministro Fernando Haddad, em agosto de 2011, nos foi assegurado pela tradução do professor Nicolelis que o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte acabara de ser demitido.
“Mentira!”, segundo outro participante. “Nem Nicolelis nem qualquer outra pessoa presente à reunião nunca disseram que o reitor da UFRN tinha sido demitido”, salienta.
SOBROU ATÉ PARA O VIOMUNDO: NOS CHAMA DE PAPAGAIOS NICOLELIANOS
Antes que perguntem, a repórter antecipa: Neuenschwander e Tehovnik receberam as perguntas do Viomundo.
Uma das provas: mensagem de Tehvonik a Larry C. Woods, com cópia para várias pessoas, entre as quais, Neuenschwander e Sidarta Ribeiro. Um dos copiados reenviou esse e-mail para a repórter, assim como a resposta de Larry C.Woods para Tehvonik.
Assunto: Os papagaios nicolelianos estão de volta!
Os papagaios somos nós, do Viomundo. No corpo do e-mail, a mensagem que esta repórter havia mandado naquele dia, 10 de abril, um pouco mais cedo, dizendo que era o último prazo para ele responder nossas perguntas.
LARRY SUGERE QUE TEHOVNIK MANDE NICOLELIS “SE FODER’ E VIRA UM MISTÉRIO
Larry C. Woods baixa ainda mais o nível dos ataques a Nicolelis, revelando o submundo da Ciência e um enigma.
Larry responde para Tehovnik:
Saudações Ed:
Lembre-se sempre de que este arrogante papagaio [aí, ele refere a Nicolelis] “não é teu chefe”!
Eu posso dizer pelo jeito e tom que ele geralmente intimida todas as pessoas.
Mande ele “se foder”!
Será que a informação vem do Researchgate?
Talvez ele tenha tido acesso a alguns dos seus e-mails.
Romulo Fuentes (o sapo) e Antonio Pereira (a toupeira) são meus suspeitos.
Cumprimentos,
Larry
Um cientista note-americano a quem mostrei esse e-mail ficou pasmo. Segundo ele, nos EUA, cientista não usa palavrão em e-mail para várias pessoas.
Larry tem inglês abrasileirado e entende português. Foi capaz de compreender as perguntas do Viomundo. Também conhece bem a pequena comunidade que trabalha com neurociência, em Natal. Tanto que cita Nicolelis, Rômulo Fuentes, diretor do IINN-ELS, e Antônio Pereira, do Instituto do Cérebro/UFRN.
Larry C. Woods é LC Woods, o segundo autor do artigo de revisão “Transfer of information by BMI”, publicado por Tehovnik, em 2013 na Neuroscience.
A sua “gentileza” nos motivou saber mais dele, para entrevistá-lo.
Só que – acreditem! — Larry C Woods virou um grande mistério.
Na internet, não encontramos nenhum currículo em nome do L C Woods, Lawrence ou Larry C. Woods.
Na base de busca de dados científicos, não há nenhuma informação sobre qualquer Larry C. Woods com experiência no campo da neurociência.
Também não aparece na base de dados unificada brasileira online para os pesquisadores, onde qualquer pesquisador com afiliação primária a uma instituição acadêmica brasileira está listado.
Na internet, ele só aparece no perfil que tem no Research Gate. Aí, ligado a Tehovnik (devido ao artigo de revisão) e ao Instituto do Cérebro da UFRN. É como também se apresenta no trabalho publicado na Neuroscience.
Tentamos localizá-lo no Instituto do Cérebro da UFRN.
Perguntamos para alguns alunos, nada.
Além de e-mail para o próprio, escrevemos para Tehovnik, Neunschwander, Sidarta Ribeiro e Martim Cammarota (respectivamente diretor e diretor-administrativo da instituição). Até para a reitora. Estranhamente, nenhuma resposta.
Uma única pessoa do setor administrativo disse: ”Sim, o pesquisador Larry está conosco. Repassarei a sua mensagem para ele”. Ele, porém, não nos contatou.
Pedimos ajuda à a secretária-executiva do Instituto do Cérebro. Tanto por telefone quanto por e-mail ela foi peremptória: Larry C. Woods não faz parte do Instituto do Cérebro.
Diante da busca infrutífera, só me restou pedir ajuda ao editor-chefe da Neuroscience, Stephen Lisberger, para esclarecer o mistério. Afinal, Larry C. Woods é coautor de artigo que saiu na publicação que ele dirige.
O dr. Lisberger diz que “LC Woods existe”, mas não deu nenhuma prova da existência, apesar da nossa insistência.
E o mistério Larry C. Woods continua.
Seria um estudante começando a carreira?
Ou alguém da área técnica?
Teria sido do Instituto do Cérebro e foi para outra universidade?
Por que não tem rastros dele na internet, exceto o perfil no Research Gate, que o liga a Tehovnik?
Seria um pseudônimo para esconder a sua verdadeira identidade? Se sim, por quê? Qual a sua verdadeira identidade?
Se for um nome fake, seria correto usá-lo numa publicação científica do gabarito da Neuroscience?
Diante disso tudo, deixo duas perguntas para vocês:
1.Os pesquisadores usados pela Folha (um deles associado ao ainda misterioso Larry) têm condições científicas para tentar assassinar a reputação de Nicolelis?
2. A bolsa do CNPq a Tehovnik não seria melhor utilizada se fosse destinada a um jovem cientista brasileiro que estivesse a fim de produzir?
Em tempo 1. Acabo de descobrir que o professor Neuenschwander tem um biotério com macacos no Instituto do Cérebro/UFRN. Um deles se chamaria de “Larry”.
Curiosamente, no Research Gate, Larry C Woods tem no seu perfil uma imagem de um macaco.
Seria o Larry que estamos procurando?! Larry, mostra o currículo, com foto, CPF e RG!
Em tempo 2. Para Nicolelis (aqui e aqui), as declarações contra o seu trabalho são “mais uma tentativa de ataque pessoal. Nós, de nossa parte, continuamos a fazer aquilo que sabemos fazer bem: trabalhar pelo avanço da ciência brasileira”.
Conceição Lemes
No Viomundo
Link: http://www.contextolivre.com.br/2014/05/guerra-nos-bastidores-da-ciencia-o-que.html
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