sexta-feira, 6 de março de 2015

Nota Pública do Conanda sobre chacina do Cabula, em Salvador.

Por Douglas Belchior

“Se só de pensar em matar, já matou”

Racionais MC’s

Assumi, ao lado de valorosas personalidades comprometidas com a promoção dos direitos humanos e sobretudo, das crianças e adolescentes, a tarefa de compor o CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente, no biênio 2015/2016.

Já na primeira Assembleia, a sensibilidade dos membros deste conselho resultou na aprovação da nota pública de repúdio à chacina promovida pela PM, no bairro do Cabula, periferia de Salvador, bem como na instalação de um grupo de trabalho para tratar especificamente sobre o tema Genocídio da Juventude Negra.

Não resolve. Não ameniza a dor dos familiares ante a morte dos seus e, tampouco, evita novas desgraças. Mas é uma maneira de constranger o Estado brasileiro e expor sua absurda contradição: tem o papel de proteger a vida, mas promove a morte!

Ademais, aos que insistem em negar, a partir de uma leitura fria e legalista, a ação assassina deliberada por parte do Estado, perguntaria: E o que importa às milhares de mães, doridas e esparramadas por sobre os corpos mortos de seus filhos, se o Estado teve ou não a intenção de matar?

E temos dito: É Genocídio sim!


EstadoMATA


NOTA PÚBLICA
SOBRE A AÇÃO POLICIAL NO BAIRRO DO CABULA, EM SALVADOR/BA.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, órgão deliberativo e controlador da política de promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil brasileira, criado pela Lei Nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, vem, por meio da presente Nota Pública, manifestar repúdio à ação realizada por agentes da Polícia Militar, em especial das denominadas Rondas Especiais – Rondesp, que resultou em 12 mortes e vários feridos, no bairro do Cabula, em Salvador/BA, em 06/02/2015.

Considerando o disposto no art. 5º da Constituição Federal de 1988, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade;

Considerando que o Estado brasileiro não pode permitir, em qualquer hipótese, o abuso e a violação de direitos humanos, especialmente por agentes policiais, considerando a condição legal de promotores da segurança pessoal de todos;

Considerando que, segundo o Índice de Homicídios na Adolescência no Brasil: IHA 2012, que mensura a incidência de assassinatos ao longo da adolescência por meio de uma estimativa de homicídios, a Bahia está em 2º lugar no Brasil em índice de violência letal intencional contra adolescentes e reúne mais de 70% dos municípios mais críticos da Região Nordeste, entre eles Salvador, capital do estado.

Considerando a contradição entre as versões apresentadas publicamente pela Polícia Militar e os relatos de testemunhas civis, que denunciam a prática de execuções sumárias;

Considerando as denúncias realizadas pelos movimentos sociais, notadamente o movimento negro, sobre frequentes ações violentas por parte da Polícia Militar;

O Conanda reafirma seu apoio à aprovação do Projeto de Lei n.º 4.471, de 19 de setembro de 2012, que altera artigos do Código de Processo Penal proporcionando ampliação do controle e da fiscalização sobre a atividade de segurança pública, de maneira eficiente e independente, de modo a diminuir excessos e garantir a responsabilização pelos atos que não estejam condizentes com as conquistas do Estado Democrático de Direito e com os anseios sociais pela redução da violência estatal e da letalidade de suas ações.

Ainda, o Conanda manifesta estranheza pelo fato do inquérito instaurado na Justiça da Bahia visar apuração do crime de “tráfico de drogas” ao invés de “homicídio”, bem como do não afastamento preliminar dos policiais envolvidos naquela ação e o fato de estarem em plena atividade, quando deveriam estar afastados do serviço garantindo a transparência das investigações.

Registre-se que a declaração do Governo da Bahia em apoio à ação policial é considerada por este Conselho como precipitada, pois antecede a qualquer investigação e apuração de responsabilidade.

Referido fato pode contribuir com um incremento da impunidade e com o agravamento da vulnerabilidade de alguns segmentos da população brasileira, principalmente da população negra, adolescente, jovem e moradora de bairros periféricos.

Em relação ao trágico caso ocorrido em Salvador, o CONANDA recomenda ao Poder Público do Estado da Bahia que:

• Envide esforços na apuração das circunstâncias do assassinato de crianças e adolescentes resultantes de ações da ação da Polícia Militar, em especial das denominadas Rondas Especiais – Rondesp;

• Promova sistemático procedimento de articulação e audição dos movimentos sociais, especialmente o movimento negro que acompanham as práticas de violações de direitos contra o segmento da juventude negra;

• Promova campanhas de repúdio a qualquer ação violenta que desrespeite a Constituição Brasileira;

• Adote medidas administrativas de afastamento imediato dos agentes policiais envolvidos na chacina do Cabula, até a apuração individual da responsabilidade de cada um no fato;

• Revise o objeto de investigação do inquérito policial, incluindo-se a apuração de homicídio;

• Envide esforços para institucionalizar e fortalecer os mecanismos de controle externo nas ações policiais no estado da Bahia;

• Providencie imediatamente ações de proteção das vítimas, seus familiares e testemunhas, assim como dos atores sociais que denunciaram a Chacina do Cabula; e

• Inclua o tema “direitos humanos e populações historicamente discriminadas” na formação da academia de polícia do Estado da Bahia, em consonância com o disposto na Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

O CONANDA requer que o Ministério Público do Estado da Bahia envide todos os esforços na apuração dos fatos delituosos, apresentando sistematicamente à sociedade local, com transparência, os procedimentos adotados em termos legais para apuração dos crimes, bem como das medidas adotadas em favor das vítimas.

Requer, ainda, com base nos parâmetros constitucionais, naquilo que for de competência da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e do Ministério da Justiça, o acompanhamento na apuração dos fatos e na responsabilização dos envolvidos.

Por fim, espera do Congresso Nacional a prioridade na aprovação do Projeto de Lei n.º 4.471/2012, na forma do texto final aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara Federal, que dispõe sobre procedimento de instauração de inquérito nos casos em que o emprego da força policial resulta em morte ou lesão corporal.

Por todo o exposto e com vistas à garantia de maior controle sobre a intervenção policial, à redução substancial dos casos de execuções cometidas pela ação e/ou omissão do Estado e ao enfrentamento da extrema violência expressa no alarmante número de assassinatos de adolescentes e jovens negros, índice considerado por movimentos sociais como uma situação análoga à de genocídio, o CONANDA institui, em seu âmbito de atuação, um Grupo de Trabalho para tratar sobre este tema.

Brasília, 13 de fevereiro de 2015.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
CONANDA


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Foto: Ponte Jornalismo

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