Foto - FC Leite Filho |
Com efeito, o ciclo bolivariano, que já eliminou ou reduziu ao mínimo o analfabetismo, possibilitou o desenvolvimento com inclusão e a ampliação do emprego nos países que escolheram essa via (além da Venezuela, Nicarágua, Bolívia, Equador, Argentina, Brasil e Uruguai), já começou em chão europeu, com a recente eleição de Aléxis Tsípras, de 41 anos e integrante do movimento Syriza, na Grécia: sua primeira medida foi adotar o modelo argentino-kichnerista para tratar a dívida externa.
Mas é na Espanha, pelo peso de sua importância estratégica, que o movimento de inspiração progressista poderá se afirmar por lá e deitar raízes por outros vizinhos de origem latina, como Itália, Portugal e, quem sabe, França. Tais países vivem seus piores momentos de degradação social e moral. É entre os vaidosos espanhóis que desponta o movimento popular Podemos, partido de Iglesias, integrado na maior parte por cientistas políticos, estudantes e de cidadãos que perderam suas casas, empregos, e benefícios sociais.
Neste país milenar, berço de quase todas as jovens nações americanas, e que, até recentemente, batia a França na recepção de turistas, 800 mil apartamentos, tomados pelos bancos dos que se endividaram por causa da crise econômica, encontram-se vazios, e parte da população passou a viver nas casas dos parentes ou no meio da rua. Seus salários e pensões foram achatados e diminuídos e o desemprego entre a população de 20 a 30 anos oscila entre 55% e 60%, um despautério para qualquer nação que se preze.
Alguma semelhança com o Caracaço que produziu o coronel paraquedista Hugo Chávez ou a Argentina do colapso de 2001 que abriu espaço para Néstor e Cristina Kirchner? É a população do sul da Europa que, como seus filhotes das Américas, se articula para vencer seus impasses diante da truculência das elites tradicionais. Estas se tornaram reféns do capitalismo mais predador de que o mundo tem notícia e, tuteladas pela chamada troika – Banco Europeu, FMI e União Europeia -, impõem políticas recessivas, derrubam e levantam governos, via golpe parlamentar – casos específicos da Itália, Portugal e Grécia – fazendo hoje da veneranda Europa um continente de terra arrasada, enquanto multiplicam suas barras de ouro nos bancos da Suíça e nos paraísos fiscais. E não se pense que as opulentas anglo-saxãs Inglaterra e Alemanha estejam livre do naufrágio porque carregam as economias estagnadas há mais de dez anos.
Como surgiu Pablo Iglesias e sua turma de jovens magros e imberbes que pontuavam na Universidade Complutense, de que são masters e doutores em ciências políticas, e tiveram seu batismo de fogo no assessoramento a Chávez, Rafael Correa, Evo Morales etc. Eles ainda vivem viajando pela América Latina na busca de inspiração e bússola para seu projeto espanhol. Por terem mais visibilidade com os programas de entrevistas que instalaram na TV e na internet, eles, conseguiram sobrepor-se às outras correntes dos indignados, os quais, desde a eclosão da crise econômica em 2008, inundaram as ruas de Madri e outras grandes cidades em protesto contra os despejos e o desemprego.
Formaram então o Podemos, partido já registrado e que elegeu cinco eurodeputados na eleição de 2014, projetando-se desde já, com menos de um ano de formalização, como uma força política capaz de superar os carcomidos PP, da direita, e PSOE, antiga sigla de esquerda mas hoje totalmente submetida ao neoliberalismo. O nome Podemos quer significar que suas propostas são possíveis e viáveis, numa derivação do “Yes, we can” , inaugurado pelo ex-esperançoso Barak Obama, nos Estados Unidos, também em 2008. Além do slogan, nada em comum com o Obama belicista e hoje perseguidor da Venezuela. Granjeou a simpatia nacional e o respeito internacional por suas propostas ousadas para enfrentar a crise e uma forma de democracia direta (plataforma, direção e lista de candidatos são todas votadas on line por qualquer cidadão, independente de filiação partidária).
Desde o início do ano passado, Iglesias e seu fiel escudeiro, Iñigo Errejón, ainda mais magro e com apenas 31 anos, mas já secretário de estratégia política do partido, vem dando lições à velharia política, inclusive os carcomidos do PSOE (um de seus barões, Felipe González, é companheiro de jornadas do brasileiro FHC na sabotagem de nossos governos progressistas).
Sua movimentação frenética já lhes rendeu, além das cadeiras no Parlamento Europeu, a catapultação aos primeiros lugares nas pesquisas para as eleições de 20 de dezembro, que vão escolher o novo parlamento e o novo chefe do governo. Ainda é cedo para prognosticar se o flamante partido terá estrutura para sustentar-se até lá, mas indica que terá musculatura para influir nos destinos do país, qualquer que seja o resultado eleitoral. Sobretudo porque o Podemos atraiu a ira da virulenta mídia espanhola, dominada pelos saudosistas do franquismo e da velha oligarquia europeia.
Por isso, estão debaixo de tonitruante campanha midiática visando intimidá-lo ou cooptá-lo. Iglesias e Errejón, são acusados da piores coisas, inclusive de receberem dinheiro da Venezuela e do Equador para implantar o chavismo em terras hispánicas ou americalatinizar a península Ibérica. Eles não se amofinam e, como Aléxis Tsypras, o fêz na Grécia, continuam a pregar contra o neoliberalismo e a viajar pela América Latina, onde dizem buscar inspiração e ensinamentos.
Não é só ganhar – Convenhamos que o programa do Podemos é ousado e prega a convocação de uma Constituinte, a exemplo do que fizeram Chávez, Rafael e Evo Morales; a renegociação soberana da dívida e a devolução das casas e apartamentos afanados e um programa de inclusão decididamente bolivariano, ainda que não use este nome, por razões óbvias. Em recente viagem ao Equador de Rafael Correa, Pablo Iglesias, acompanhado de Iñigo, explicou que seu movimento não está interessado só em ganhar eleições. Disse ele ao programa El Ciudadano, de uma TV de Quito: “Não basta ter muitos votos, não basta ganhar as eleições. Temos de alcançar os apoios sociais suficientes para disciplinar e ensinar os que não aceitarem os resultados eleitorais, que devem aceitá-los”.
Sobre suas inclinações políticas, Pablo afirma: “Quando me perguntam por referências do passado, sempre digo Salvador Allende (Chile) (e) Juan Negrín (presidente da breve II República Espanhola de 1937). Quanto ao presente, sempre digo Rafael Correa (Equador), ainda que não estejamos de acordo em algumas coisas. Rafael tem um espírito pragmático, diferentemente de alguns esquerdistas que são muito bravos na hora de criticar, mas que não assumem as contradições e as dificuldades de exercer a prática de governo”.
Iglesias referia-se aí à tentativa de golpe militar contra Correa, em 2010 e suas dificuldades em administrar um país desgovernado por uma sucessão interminável de golpes de Estado. Daí a importância do quadro equatoriano que pressupunha no início: “gerir um país diante da possibilidade de um golpe de Estado ou diante das dificuldades econômicas, fazer funcionarem, de maneira simultânea, interesses diferentes, de administrar com habilidade as relações internacionais, os processos de aplicação de políticas públicas, cujos resultados não se produzem imediatamente; conseguir um grau de consenso suficiente para realizar transformações que nem sempre seguem os passos que alguém gostaria que seguissem”.
Por sua vez Iñigo Errejón, esteve na semana passada, em Buenos Aires, animando o seminário Emancipação e Igualdade, que reuniu, durante três dias pensadores como Noah Chomsky, Álvaro García Linera, Leonardo Boff, Emir Sader, Camila Vallejo, Axel Kicillof, Ricardo Forster, Gabriela Rivadeneira, promovido pelo governo Kirchner. Em sua intervenção, ele não se abespinhou em declarar seu apoio à política de Cristina: “Obrigado à Argentina por dizer que não negocia sua soberania nem sua emancipação. Obrigado à Argentina porque, quando teve de escolher entre servir a seu povo ou pôr-se de joelhos junto aos fundos abutres, escolheu ficar com seu povo”.
Errejón, que considerou o seminário uma “verdadeira nova internacional”, tal foi o volume de participação, sobretudo juvenil no belo Teatro Cervantes, ainda disse que “o exemplo argentino impregna hoje as melhores energias na recuperação da democracia e da soberania popular da Europa, do novo governo da Grécia e de milhares e milahres europeus do sul”. E quando esse exemplo vai nos impregnar aqui pelo Brasil, ameaçado por velhos e bolorentos golpistas que insistem em envenenar as mentes contra as conquistas dos últimos doze anos?
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