O
carro de luxo de Cunha me fez pensar nos milhares de evangélicos que sacrificam
parte de seus recursos para alimentar uma igreja.
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Foto - Facebook. |
Como qualificar, desde um
ponto de vista de sensibilidade religiosa, a união do nome de Jesus a um
Porsche de luxo proporcionada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), membro da Igreja Evangélica? E a situação é ainda pior se existe a
suspeita de que a frota de carros, cotados em mais de um milhão de reais, que
Cunha possui poderia ser um fruto maldito da corrupção política. Para muitos
cristãos deve ter parecido blasfêmia, um vocábulo que, em sua acepção original,
significa um “insulto a Deus” e, em seu sentido mais amplo, representa uma
irreverência em relação a algo considerado sagrado.
Cunha é, segundo sua biografia, cristão evangélico, de uma igreja que considera Jesus como
o filho de Deus. E esse filho de Deus, segundo os textos sagrados,
que os evangélicos conhecem e sobre os quais meditam todos os dias, “não tinha
onde repousar a cabeça”, era mais um pobre entre os pobres, amigo e defensor de
todos os desamparados.
Talvez o político e evangélico Cunha
não seja o maior responsável por esse circo de corrupção que suja a vida
pública do Brasil e deixa atônitos, com seus números milionários, os
trabalhadores honrados que suam para ganhar um salário que quase não é suficiente
para cobrir suas necessidades. Cunha pertence, no entanto, a uma igreja, que se
inspira nos princípios cristãos, mas que não
esconde suas pretensões de conquista do poder político no Brasil,
chegando a sonhar com um presidente da República evangélico que se baseie mais
na Bíblia do que na Constituição.
Isso faz com que os supostos
escândalos de corrupção de Cunha, que poderiam ter circulado através de firmas
que levam o nome sagrado de Jesus.com, adquiram um simbolismo negativo que não
deixa de chocar e escandalizar duplamente.
Lendo a notícia sobre o Porsche
Cayenne registrado em nome da empresa Jesus.com, propriedade da família Cunha,
não pude deixar de me perguntar o que pensam essas centenas de milhares de
evangélicos sinceros, que, fiéis a seus princípios religiosos, sacrificam, cada
mês, de boa fé, uma parte de seus pequenos recursos para alimentar uma Igreja
cujos membros mais responsáveis se revelam milionários e, o que é pior, acusados
de enriquecimento ilícito.
O fato me trouxe à memória a história
de um trabalhador que perfurava poços com uma ferramenta rudimentar e grandes
esforços físicos. Levava ao trabalho um pedaço de pão com salsicha para não
perder tempo tendo que voltar a casa. Ouvi quando ele comentou, enquanto secava
as gotas de suor que escorriam por seu rosto, que aquele mês estava em apuros
porque não sabia se ia a poder pagar sua parcela à Igreja evangélica à qual
pertencia.
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Foto - El País. |
Temia a reprovação do pastor e até o
castigo do bom Deus. São dois mundos, que se cruzam e que usam o nome de Jesus, para a esperança e a fé verdadeira,
e também para blasfemá-lo.
“Raça de víboras”, assim o manso e pobre
Jesus dos Evangelhos caracterizava aqueles que, segundo sua própria expressão,
“jogavam sobre os ombros dos outros pesos que eles não podiam suportar”.
Dois mil anos depois, aquelas palavras
continuam a nos interrogar, enquanto seguem vivos os novos Pilatos que lavam
suas mãos ostentando inocência e que ainda se perguntam: “O que é a verdade?”.
Uma questão para a qual os brasileiros
honrados, que amam e sofrem seu país, gostariam de poder ter uma resposta
nesses momentos difíceis, nos quais as palavras perdem seu valor, ou são
degradadas como a de Jesus, com o rótulo blasfemo desse Porsche Cayenne S de
luxo.
Até onde e até quando se manterá
contida a ira dos mansos que contemplam, incrédulos, cada manhã, a novela de
novas supostas e comprovadas desmoralizações por parte daqueles que deveriam servir
de guias e exemplos da vida pública?
Jesus, não o do Porsche de Cunha, mas
o dos Evangelhos, afirmou que a verdade está sempre nas mãos dos puros de
coração e dos semeadores da paz. O ódio tem sempre um sabor diabólico.
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