Entreouvido na Vila Vudu:
Em 1964, tudo que aí se lê era arroz com feijão, e
as famílias discutiam essas questões à mesa, em casa, no trabalho, na
universidade, na feira (pelo menos, com certeza, em Porto Alegre/RS), e todo
mundo sabia que a razão pela qual não há golpes nos EUA, é que nos EUA não há
embaixada dos EUA.
Mas, hoje, analfabetizadas na/pela universidade da
ditadura dos anos 70-80 e na/pela universidade da tucanaria da privataria nos
anos 80-90, 2000, as pessoas já não conhecem, sequer, o Manual de Golpes da
CIA, que se atualiza, mas, melhorar, não melhora.
Então aí vai: ABC de golpe, hoje chamado
"Guerra Híbrida".
E o Brasil estamos no olho do furacão, mais uma
vez.
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Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
1. A lei da Guerra Híbrida
Guerra Híbrida é um
dos mais significativos desenvolvimentos estratégicos que os EUA jamais
promoveram ou encabeçaram, e a transição das Revoluções Coloridas para Guerras
Não Convencionais, certamente dominará as tendências a serem empregadas para
desestabilizar países, nas próximas décadas.
Os não habituados a abordar a geopolítica a partir
da perspectiva da Guerra Híbrida podem ter alguma dificuldade para compreender
onde devem ocorrer as próximas, mas na verdade é fácil identificar as regiões e
os países mais expostos ao risco dessa nova modalidade de agressão pelos
EUA.
A chave para acertar nessa previsão é aceitar
que Guerras Híbridas são conflitos assimétricos, cuja meta é sabotar
interesses geoeconômicos concretos. A partir desse ponto, torna-se
relativamente fácil apontar onde os EUA atacarão a seguir.
Essa série de artigos começa por expor os padrões
que há por trás da Guerra Híbrida, conduzindo o leitor na direção de
compreender melhor seus contornos estratégicos. Depois, demonstrarei que o
quadro previamente elaborado já foi posto em ação durante as guerras dos EUA
contra a Síria e a Ucrânia – os dois primeiros estados vítimas da Guerra
Híbrida dos norte-americanos.
Na parte seguinte, revisarei todas as lições que
já devemos ter aprendido até aqui, e as aplicarei para prever os próximos
teatros de Guerra Híbrida movida pelos EUA e, neles, os gatilhos geopolíticos
mais vulneráveis e expostos. Artigos futuros portanto serão dedicados àquelas
regiões, para mostrar por que são estrategicamente e sociopoliticamente tão
vulneráveis a se tornarem as próximas vítimas da guerra pós-moderna que os EUA
já fazem contra o mundo.
O padrão geral da Guerra Híbrida
Primeira coisa que se tem de saber sobre Guerras
Híbridas é que nunca, em tempo algum, haverá Guerra Híbrida contra aliado dos
EUA ou em lugar onde os EUA já tenham implantado interesses infraestruturais.
Os processos caóticos disparados durante o golpe pós-moderno para mudança de
regime não podem ser plenamente controlados e, potencialmente, poderiam gerar o
mesmo tipo de revide geopolítico contra os EUA que Washington tenta direta ou
indiretamente canalizar na direção de seus rivais multipolares.
Correspondentemente, aí está a razão pela qual os
EUA jamais tentarão Guerra Híbrida onde haja interesses seus definidos como
"grandes demais para falir", embora essa avaliação seja sempre
contemporaneamente relativa e possa mudar rapidamente, conforme as circunstâncias
geopolíticas. Ainda assim, a regra geral a não esquecer é que os EUA jamais
sabotarão intencionalmente seus próprios interesses, a menos que haja algum
benefício de terra arrasada numa retirada; nesse contexto, pode-se pensar numa
destruição da Arábia Saudita, se algum dia os EUA forem expulsos do Oriente
Médio.
Determinantes geoestratégico-econômicos:
Antes de tratar dos fundamentos geoeconômicos da
Guerra Híbrida, é importante registrar que os EUA também têm objetivos
geoestratégicos (por exemplo, prender a Rússia num atoleiro predeterminado). O
"Brzezinski Reverso", como o autor o tem chamado, é
aplicável simultaneamente à Europa Oriental, através do Donbass; ao Cáucaso,
através de Nagorno-Karabakh; e à Ásia Central, através
do Fergana Valley, e se for sincronizado mediante provocações
cronometricamente coordenadas, nesse caso essa tríade de armadilhas podem-se
comprovar letalmente eficientes para manter permanentemente enredado o urso
russo.
Esse esquema maquiavélico sempre permanecerá como
um risco, porque se baseia numa realidade geopolítica irrefutável, e o melhor
que Moscou pode fazer é tentar impedir a conflagração concomitante de sua
periferia pós-soviética, ou rapidamente e adequadamente responder, no momento
em que elas emergem, às crises que os EUA provocam.
Os elementos geoestratégicos da Guerra Híbrida são
portanto de algum modo não explicáveis a partir dos elementos geoeconômicos,
especialmente no caso da Rússia. De fato, para tornar o padrão examinado mais
amplamente pertinente a outros alvos, como China e Irã, é preciso omitir o
estratagema "Brzezinski Reverso" como pré-requisito e, em vez de
focar nele, dar mais atenção às motivações econômicas que os EUA têm em cada
caso.
O grande objetivo por trás de toda e qualquer
Guerra Híbrida é esfacelar projetos multipolares transnacionais conectivos,
mediante conflitos de identidade provocados de fora para dentro (étnicos,
religiosos, regionais, políticos, etc.), dentro de um estado de trânsito tomado
como alvo.
Esse padrão pode ser claramente visto na Síria e na
Ucrânia, e é a Lei da Guerra Híbrida. As específicas táticas e
tecnologias sociais utilizadas em cada desestabilização podem variar, mas o
conceito estratégico permanece fiel a essa concepção básica.
Tomando em conta esse objetivo final, é agora
possível andar do teórico ao prático, e começar a traçar as rotas geográficas
de vários projetos sobre os quais os EUA querem fazer mira.
Para qualificar, os projetos multipolares
transnacionais conectivos a serem tomados por alvo podem ser (a) de base na
energia, ou (b) projetos institucionais ou (c) econômicos, e quanto mais essas
três categorias se superpuserem, mais provável que um cenário de Guerra Híbrida
esteja sendo planejado para aquele determinado país.
Vulnerabilidades sociopolíticas estruturais:
Uma vez que os EUA tenham identificado seu alvo,
começam a procurar por vulnerabilidades estruturais que explorarão na Guerra
Híbrida vindoura. Contextualmente, essas vulnerabilidades não são objetos
físicos a serem sabotados, como usinas de energia e estradas (embora essas
também sejam listadas, mas por diferentes equipes de desestabilização), mas
características sociopolíticas a serem manipuladas para enfatizar
'sedutoramente' uma dada 'fissura' de demografia no tecido nacional existente
e, assim, 'legitimar' a revolta dos envolvidos, provocada de fora do país,
contra as autoridades locais.
As vulnerabilidades estruturais abaixo listadas são
as que mais se veem relacionadas à preparação para uma Guerra Híbrida; e se
cada uma dessas puder ser associada a uma específica área geográfica, cresce a
probabilidade de que seja usada para galvanizar os polos opostos na construção
de uma Revolução Colorida e para demarcações territoriais preliminares para a
Guerra Não Convencional:
* etnicidade;
* religião;
* história;
* regiões administrativas;
* desigualdades socioeconômicas;
* geografia física.
Quanto maior a sobreposição que se possa obter
entre esses diferentes fatores, mais potente a energia potencial da Guerra
Híbrida; e cada variável que se sobrepõe multiplica exponencialmente a
viabilidade geral de toda a campanha e sua chance de 'permanecer no poder'.
Precondicionamento:
As Guerras Híbridas são sempre precedidas por um
período de precondicionamento societal e estrutural. O precondicionamento
societal tem a ver com aspectos informacionais e de soft power que
maximizam a aceitação, por grupos demográficos chaves, da desestabilização que
logo terá início, e os levam a crer que algum tipo de ação (ou aceitação
passiva de ação empreendida por outros) é indispensável para alterar o presente
estado de coisas
[A frase já viralizada, que Aécio Neves/seus
marketeiros distribuíram ontem pelo Twitter: "Isso é inadmissível" –
tão perfeitamente oca de significação relevante quanto o "Eu amo muito
isso", da propaganda das lojas McDonald –, é exemplo de ação que aspira a
precondicionar a sociedade para uma 'mudança' suposta necessária e inadiável
(NTs)].
O segundo tipo de precondicionamento, aqui dito
"estrutural" tem a ver com os variados truques aos quais os EUA
recorrem, para empurrar o governo alvo a agravar, sem que essa seja sua
intenção, as várias diferenças políticas que já tenham sido identificadas, com
o objetivo de criar clivagens de ressentimento identitário que, então, tornam
todo o grupo mais suscetível ao precondicionamento societal e à ação subsequente
de ONGs que coordenarão a organização política (a grande maioria das ONGs
encarregadas dessa parte do 'projeto' são ligadas à Soros Foundation e/ou ao
National Endowment for Democracy, do Congresso dos EUA).
[Aqui, bom exemplo é a 'discussão' que a mídia
comercial dominante está promovendo no Brasil nesse momento, em torno de "Impeachment é
golpe"/"Impeachment é legal". Evidentemente, impeachment sem
causa criminosa comprovada é golpe; e impeachment como
definido na Constituição Federal, que exige causa criminosa comprovada, também
evidentemente é legal e não é golpe.
Sem explicar nenhuma dessas realidades, a mídia comercial põe-se a recolher
opiniões de magistrados, o mais recente o ex-ministro do STF Eros Grau, que
'declaram' que "impeachment não é golpe", sem nada
acrescentar. – Assim, precisamente, é o golpe que se 'ensina' que não haveria.
A confusão é total e, como se explica nesse artigo, é buscada. É golpe (NTs).]
Para expandir as táticas de precondicionamento
estrutural, um dos meios mais frequentemente empregados e globalmente
reconhecidos são as sanções. O objetivo implícito das sanções (embora nem
sempre alcançado) sempre foi "tornar a vida mais difícil" para o
cidadão médio, de tal modo que ele/ela torne-se mais permeável à ideia da
mudança de regime e, assim, possa ser mais facilmente induzido/a a agir
movido/a por impulsos que lhe foram instilados de fora.
Menos conhecidos, contudo, são os métodos mais
oblíquos para alcançar esse objetivo, mas hoje implementados praticamente em
todo o planeta, que envolvem o poder que os EUA têm para afetar algumas das
funções orçamentárias dos estados-alvos de golpe, a saber, a renda com que
podem contar e em que, precisamente, essa renda é gasta.
A queda global nos preços da energia e das commodities atingiu
com extraordinária dureza os estados exportadores, muitos dos quais são
desproporcionalmente dependentes da venda daqueles recursos para cumprir suas
metas fiscais; e a queda na renda, em quase todos os casos, leva a cortes em
gastos sociais.
Paralelamente, alguns estados enfrentam ameaças à
sua segurança fabricadas nos EUA às quais são obrigadas a responder com
urgência, o que exige deles ainda mais gastos não previstos, dessa vez para
seus programas de defesa, dinheiro que, sem as 'ameaças à segurança' seria
gasto em programas sociais.
Individualmente tomadas, cada uma dessas 'trilhas'
visa a forçar o estado-alvo de golpe a ter de cortar gastos, o que cria
dificuldades novas e serve como incubadora para as condições de médio prazo
necessárias para o sucesso de uma Revolução Colorida – primeiro estágio de uma
Guerra Híbrida.
No caso de um estado entrar em situação de, ao
mesmo tempo, redução na arrecadação e aumento não planejado de gastos para
defesa, que force cortes de gastos sociais, pode acontecer de a Revolução
Colorida converter-se em projeto não mais de médio, mas de curto prazo,
dependendo da severidade da crise doméstica resultante e do sucesso que as ONGs
inspiradas e mantidas pelos EUA alcancem na organização política de blocos de
oposição ao governo.******
Postado por Dario Alok às 19:26 .
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