Nadine Gasman: A violência contra a mulher no Brasil é uma manifestação do machismo, da misoginia e também do racismo que existe no país. (Foto: Guilherme Santos/Sul21) |
Marco Weissheimer
O nível de violência contra as mulheres no país expõe a conexão existente entre algumas das piores características da sociedade brasileira: machismo, racismo e misoginia.
O Brasil ocupa hoje o quinto lugar no ranking de assassinatos de mulheres que reúne 83 países. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas, são assassinadas cerca de 4.500 mulheres por ano no país.
Esse tipo de crime vem atingindo crescentemente a população negra. Nos últimos dez anos, houve um aumento de 54% dos casos de assassinatos de mulheres negras, enquanto o numero de mortes de mulheres brancas caiu 10%.
Os dados foram apresentados, quinta-feira (6), por Nadine Gasman, representante do escritório da ONU Mulheres no Brasil, que veio a Porto Alegre participar do lançamento do Comitê Gaúcho Impulsor do Movimento ElesPorElas (HeForShe), na Assembleia Legislativa gaúcha.
O Comitê nasceu como uma frente integrada por diferentes forças da sociedade com o objetivo de trabalhar em ações concretas em defesa da igualdade de gênero, do empoderamento feminino e combate a todas as formas de violência contra as mulheres. O Rio Grande do Sul é o primeiro estado brasileiro a contar com uma representação do Comitê Nacional Impulsor Brasil ElesPorElas.
O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Edegar Pretto (PT), disse que foi a pedido de movimentos das mulheres gaúchas do campo e da cidade que passou a utilizar o mandato para produzir espaços, debates e políticas que resultaram na criação da Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, a primeira criada no país e que resultou no convite da ONU para integrar o Comitê Nacional.
No ato de lançamento do comitê, Nadine Gasman destacou que a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres é um dos 17 pontos da agenda 20/30 da ONU, plano de ação da Organização das Nações Unidas com objetivos de desenvolvimento sustentável e 169 metas nas áreas econômica, social e ambiental.
Em entrevista ao Sul21, a representante da ONU falou sobre a situação da violência contra a mulher no Brasil, chamando a atenção para a intersecção que ela tem com outras formas de violência e discriminação.
Nadine Gasman participou do lançamento do comitê impulsor do HeForShe, na Assembleia Legislativa. (Foto: Caco Argemi/AL-RS) |
Sul21: A partir do trabalho que vem sendo realizado pela ONU Mulheres no Brasil, qual a sua avaliação sobre o problema da violência contra a mulher no país?
Nadine Gasman: A violência contra as mulheres no Brasil é um tema muito importante. Ela é uma manifestação do machismo, da misoginia e também do racismo que existe no país. Quando olhamos os dados fazendo a intersecção entre gênero e raça, isso fica evidente.
O que temos encontrado é uma quantidade muito grande de mulheres que sofrem violência. Nossos levantamentos falam de 50 mil estupros por ano, 5 milhões de ligações para o 180 e um número muito perturbador de assassinatos de mulheres.
No Brasil, se fala muito pouco sobre a proporção do número de mulheres assassinadas aqui em relação ao que ocorre na América Latina. Nós escutamos muitas coisas sobre o que acontece no México, na Guatemala, em El Salvador, mas, no Brasil, se assassinam aproximadamente 4.500 mulheres por ano, o que equivale a 40% desses assassinatos na região. O Brasil ocupa o quinto lugar de um ranking de 83 países.
Sul21: O Brasil tem o maior índice de assassinatos de mulheres na América Latina?
Nadine Gasman: Os dois maiores índices são da Guatemala e de El Salvador, mas é preciso considerar a proporção relacionada com a população desses países. Por isso eu prefiro sempre falar dos números absolutos. O México tem 2.500 mulheres assassinadas por ano. O Brasil tem 4.500 e, nos últimos dez anos, registra um aumento de 54% de assassinatos de mulheres negras. Já o número de assassinatos de mulheres brancas caiu 10%.
A violência faz parte da vida cotidiana das mulheres no Brasil. Temos pesquisas que falam como as mulheres se sentem inseguras. Cerca de 85% das mulheres entrevistadas, em uma dessas pesquisas, disseram ter medo de sair à rua à noite. Isso significa que, praticamente, todas as mulheres têm medo de sair para a rua à noite. Elas acabam mudando suas práticas e seu comportamento porque não se sentem seguras.
Então, o tema da discriminação e da violência tem que estar na pauta do Brasil, tanto em termos de políticas públicas como na sociedade de um modo geral, que deve incentivar e participar de programas como o Eles por Elas. Queremos levar uma mensagem muito clara de que precisamos de uma transformação social profunda que precisa passar pelas pessoas, especialmente pelos homens, mas também pelas mulheres a respeito do que é aceitável e do que não é. As mulheres são iguais aos homens e, numa relação de igualdade, não se usa a força, a intimidação e o abuso. Essa é a mensagem do Eles por Elas. Ela fala de pessoas que assinam um compromisso real de transformação individual dentro da comunidade onde vive e trabalha.
“Estamos vivendo um crescimento de uma cultura de ódio e de violência no mundo inteiro”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21) |
Sul21: As políticas públicas para o enfrentamento do problema da violência contra a mulher têm avançado ou não no Brasil?
Nadine Gasman: O Brasil teve mudanças muito importantes nos últimos quinze anos. A Lei Maria da Penha foi um marco muito importante. Hoje, no imaginário coletivo do Brasil, a violência contra as mulheres é crime e isso não acontece em toda parte. Também merece destaque o desenvolvimento da rede de atendimento às mulheres vítimas de violência e das casas das mulheres, que são parte de um plano muito bem estruturado que é o Mulher viver sem violência.
Por outro lado, a crise política e econômica tem tido um impacto na implementação desses programas, mas existe um comprometimento dos governos brasileiros, em nível federal, estadual e municipal com essa pauta. Às vezes, os recursos é que não estão à altura desse compromisso, mas a nossa avaliação é que o Brasil tem dado passos muito importantes. Um exemplo disse é o Ligue 180, que é um serviço muito bom e importante para as mulheres obterem informações e denunciarem casos de violência.
Sul21: No processo de agravamento da crise política, econômica e social que o Brasil vive, tem-se falado muito da propagação de um clima de ódio, violência e intolerância na sociedade. Como a senhora vê essa situação?
Nadine Gasman: Acredito que estamos vivendo um crescimento de uma cultura de ódio e de violência no mundo inteiro. O Brasil não está fora desse processo. No contexto internacional, os temas vinculados aos direitos humanos estão sendo questionados de uma forma muito forte. Por outro lado, temos as Nações Unidas que seguem trabalhando em defesa dessa agenda dos direitos humanos e da igualdade. Neste cenário, precisamos ter ações muito fortes e claras que falem da importância desse tema em termos civilizacionais.
A luta contra todas as formas de desigualdades tem que estar no centro dessas ações. É por isso que o slogan do programa dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável é ninguém pode ficar para trás. Todos nós, sociedade e especialmente os governos, temos que promover ações afirmativas extras para trazer juntos os que estão ficando para trás. No caso do Brasil, são as mulheres negras, indígenas e as crianças. É preciso haver um movimento muito forte, nos próximos quinze anos, para atingir os objetivos com os quais o país se comprometeu junto aos demais países das Nações Unidas.
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