Ilustração de Felipe Lima |
O slogan “República de Curitiba: aqui a lei se cumpre” vem sendo usado pelos curitibanos como uma manifestação de orgulho pelo pertencimento a uma suposta ilha de seriedade num país tomado pela impunidade.
Paradoxalmente, enquanto para alguns a Lava Jato curitibana promoveu uma faxina no país, a cidade continuou com seu quintal imundo, pois os casos de corrupção local sempre acabaram em pizza.
Dias atrás, o secretário de Estado Ezequias Moreira foi condenado pelo TJPR a pena de seis anos e oito meses de prisão por desvio de dinheiro público no escândalo da “sogra fantasma”. Ezequias confessou ter colocado a sogra na folha de pagamento do órgão legislativo por 11 anos, desviando meio milhão de reais.
Quando o processo estava pronto para ser sentenciado, em junho de 2013, Moreira foi nomeado secretário de Estado (em uma secretaria criada só pra ele) pelo atual governador, ganhando foro privilegiado. Após dezenas de manobras processuais, o caso prescreveu, enquanto o acusado continua a gozar do status de secretário, como se nada tivesse acontecido.
O esquema “Gafanhoto”, que usou a mesma estratégia de funcionários fantasmas para desviar dinheiro da Assembleia entre 2001 e 2004, ficou com a investigação parada por dois anos por decisão do STF e atualmente se arrasta rumo ao cancelamento sem nenhuma condenação efetiva. Como não foram incomodados, os gafanhotos cresceram e se sofisticaram. Em 2010 veio o escândalo dos Diários Secretos da Assembleia, em que as mesmas assombrações desviaram mais de R$ 200 milhões em favor de políticos regionais. Passados sete anos, nenhum cacique foi definitivamente punido.
"Enquanto não tratarmos o sistema cancerígeno, outros tumores maiores e mais resistentes surgirão."
Apontado pelas investigações como chefe do esquema, o ex-diretor Abib Miguel, o “Bibinho”, chegou a ser preso e condenado a 39 anos de prisão na primeira instância. Contudo, em 2015 o TJPR anulou as duas condenações em virtude de o juiz não ter adequado a data de oitivas de testemunha à disponibilidade de agenda do advogado de defesa. Na sequência, o STJ mandou soltá-lo por entender que os recursos estavam demorando. Já o deputado estadual Nelson Justus, considerado pelo MPPR como outro articulador dos desvios, somente teve a denúncia recebida em dezembro de 2016, sendo que após completar 70 anos, no fim de junho de 2017, ganhará de presente a redução pela metade do prazo prescricional dos crimes da acusação, que certamente será cancelada pela demora.
O caso Copel Olvepar também segue sem solução. O governo Jaime Lerner, no ano de 2002, validou créditos de ICMS podres da quase falida Olvepar no valor de R$ 67 milhões, que foram posteriormente adquiridos pela Copel. O doleiro Alberto Youssef confessou que operacionalizou o pagamento de R$ 19 milhões para agentes públicos paranaenses aceitarem a negociata. Passados 15 anos e depois de a delação de Youssef sumir do cartório, o caso ainda aguarda sentença da Justiça.
Nessa folia, não podemos esquecer das investigações do MPPR sobre o ex-presidente da Câmara dos Vereadores João Derosso, que levantaram provas de gastos de R$ 30 milhões de dinheiro público, entre 2006 e 2011, em serviços de publicidade com duas empresas, sendo uma da própria esposa. Passados seis anos, pouca coisa aconteceu. Recentemente, a Justiça decretou indisponibilidade de R$ 17 milhões do ex-vereador, esperando que um milagre ocorra para encontrar um centavo na conta do político depois de tanto tempo.
Outras investigações recentes, embora promissoras, não conseguiram romper a barreira da impunidade. Em 2014, um ex-coordenador do Tribunal de Contas foi preso em flagrante recebendo R$ 200 mil do dono de uma empreiteira local. Ficou preso por poucos dias. Depois, o TJPR anulou as provas da interceptação telefônica. Já as operações Voldemort, Quadro Negro e Publicano, apesar de desvendarem fatos gravíssimos, não conseguiram avançar no controle político dos esquemas criminosos, pois todos os personagens centrais foram soltos por decisões de tribunais.
Todos esses fatos demonstram que a Lava Jato revelou apenas um gigantesco tumor que está sendo extirpado. Contudo, enquanto não tratarmos o sistema cancerígeno, outros tumores maiores e mais resistentes surgirão e continuarão a estrangular os caminhos do dinheiro público.
Diogo Castor de Mattos, procurador da República, é integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal no Paraná.
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