Por - WASHINGTON LUIZ DE ARAÚJO.
Corria o ano de 1986. Eu trabalhava na editoria de Cultura do
jornal Diário do Grande ABC, em São Paulo. Um certo dia levaram para a redação
o meu grande ídolo Raul Seixas para entrevistá-lo. Tremi. Já estava meio
"escolado" em entrevistar artistas e intelectuais, mas Raulzito!!!!
E chega na sala o Maluco Beleza. Humilde, diz que não estava
numa boa fase, sem sucesso nas rádios, mas que ia dar a volta por cima. E papo
vai e papo vem, me apresenta o refrão de uma música que estava finalizando:
"Mamãe, não quero ser prefeito / Pode ser que eu seja eleito / E alguém
pode querer me assassinar..."
Maluco como ele só, Raul embarcava na onda de que Tancredo
Neves, eleito pelo Colégio Eleitoral para presidente da República e morto antes
de assumir o cargo, teria sido assassinado. Sim, este boato correu o país.
Imaginem hoje, em tempos de Internet, o estardalhaço que não seria.
Escaldado com a ditadura ainda fresquinha no túmulo, Raulzito
não citava o nome Tancredo, mas fazia rima: "Oh, coitado, foi tão cedo /
Deus me livre, eu tenho medo...".
Premonitório, Raul Seixas disse que a música ia ser um baita
sucesso. E foi.
O mago e vidente Raulzito acertou em cheio. Talvez tenha errado
em acreditar no boato de que Tancredo teria sido assassinado, mas suas
previsões extrapolaram no tempo, pois a música falava ainda: "Eu não
preciso ler jornais / Mentir so zinho eu sou capaz". E hoje, todos nós
sabemos que é bem melhor mentir sozinho do que procurar a verdade nos jornais.
Raul Seixas acertou sobre um Brasil golpeado, em que aviões caem
e ninguém sabe direito o motivo, a não ser de que personalidades capazes de
mexer com a chamada pós-verdade, estavam neles. Época em que delegado que
investiga queda de avião que matou juiz do STF é morto em tiroteio em boate e
que policial que acusa político aparece morto, com ares de suicídio. Momento
sombrio em que senador fala em matar se houver delação e outro, dono de
helicóptero que transportava quase 500 quilos de pasta base de cocaína, diz que
não faz nada de mal, só trafica...
É Raul, certo estava você, quando afirmava: "Eu não sou
besta / Pra tirar onda de herói/ Sou vacinado, eu sou cowboy / Cowboy fora da
lei/ O Durango Kid / Só existe no gibi / E quem quiser que fique aqui / Entrar
pra história é com vocês".
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