Advogado da Odebrecht que escapou da
Lava Jato fala pela primeira vez. Rodrigo Tacla Durán diz que empresa ofereceu
pagar a ele 15 anos de salário para ele aceitar delação.
A edição impressa do jornal
espanhol El País desta sexta-feira (28)
traz uma entrevista exclusiva com Rodrigo Tacla, o advogado da
Odebrecht que escapou da Lava Jato. O periódico diz que Tacla se
transformou em uma bomba-relógio, sendo considerado um dos homens mais temidos
pelos presidentes e altos funcionários da América Latina. Aos 44 anos, conhece
bem os segredos da Odebrecht, a gigante brasileira da construção que abalou as
estruturas políticas do continente depois de confirmar o pagamento de subornos
milionários a governos de 12 países.
O El País afirma que
até 2016, Tacla trabalhou como advogado do Departamento de Operações
Estruturadas da empresa, a hermética unidade de negócios especializada em
comprar vontades. Campanhas eleitorais, presentes, festas, prostitutas… Tudo
valia para afagar os políticos. Como contrapartida, presidentes e chefes de
Estado correspondiam com contratos de obras públicas, principal fonte de
receita da maior construtora da América Latina. Um colosso com 168.000
empregados e tentáculos em 28 países.
El País
localizou em Madri esse advogado de nacionalidade hispano-brasileira que foi
preso em novembro por ordem do juiz de Curitiba, estrela da Operação Lava
Jato, Sérgio Moro. Depois de
passar 72 dias na prisão de Soto del Real –acusado de suborno e lavagem de
dinheiro–, encontra-se em liberdade provisória. Tacla será julgado na Espanha depois que um
tribunal superior do país rejeitou o pedido de extradição feito para que
voltasse a seu país natal, Brasil. O advogado só tem nacionalidade espanhola
desde 1994, porque seu pai e avô eram galegos.
A Justiça
brasileira pede sua extradição por supostamente lavar mais de 50 milhões de
reais a pedido da empresa. E a Odebrecht afirma que
o contratou para lavar as comissões ilegais. Tacla nega. Argumenta que só
prestou serviços. E que conheceu os esgotos da empresa porque “avaliou riscos”
como advogado naqueles países onde a construtora comprou dezenas de políticos.
O advogado, que
está colaborando com o Departamento de Justiça dos EUA e a Procuradoria
anticorrupção espanhola, revela em sua primeira entrevista os pontos-chave do
maior escândalo da América. Uma bomba política carregada de metralha que já
afeta os presidentes Michel Temer (Brasil),
Juan Manuel Santos (Colômbia) e Danilo Medina (República Dominicana), e os
ex-mandatários Ollanta Humala (Peru) e Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil).
Leia na íntegra
a entrevista.
Pergunta.
Você foi preso em um hotel em Madri em 18 de novembro de 2016, dois dias após
desembarcar na Espanha. Foi detido por ordem do juiz Sérgio Moro que o acusa de
suposto delito de suborno, lavagem de dinheiro e de integrar uma organização
criminosa, por que veio para Madri?
Resposta. Não fugi do Brasil.
Cheguei a Madri para participar da inspeção do Ministério da Fazenda nas minhas
duas empresas espanholas. Depois da explosão do caso Odebrecht, as autoridades
brasileiras e a construtora tentaram me pressionar para ser parte do acordo, um
documento que assinaram 78 diretores da empresa e que significou reconhecer
crimes em troca de uma redução da sentença e uma multa. No meu caso: seis meses
de prisão domiciliar com tornozeleira, serviços comunitários e uma multa de até
44 milhões de reais. Odebrecht se ofereceu para me pagar 15 anos de folha de
pagamento, se eu aceitasse o acordo. Neguei por uma questão de princípios.
Enquanto falava com o Departamento de Justiça em Washington, o Brasil exigiu
minha prisão em julho e setembro de 2016. Os EUA, no entanto, não me prenderam.
Não quero trair ninguém.
P. A
Audiência Nacional (tribunal espanhol para crimes especiais) decidiu não
extraditá-lo ao Brasil, por que quer ficar na Espanha?
R. Os promotores do
Brasil querem que eu reconheça crimes que não cometi. Não respeitaram meus
direitos como advogado. Além disso, também querem atribuir crimes por
informações que obtive na minha condição de advogado. Estão me atribuindo
delitos sem provas, com base em declarações. Não houve nenhuma investigação
policial.
P. Como
a Odebrecht atuava?
R. A construtora
arranjava tudo pagando. Distribuía comissões ao funcionário mais baixo da
Administração e ao chefe de Estado. O primeiro contato era estabelecido na
campanha eleitoral. A Odebrecht arcava com os gastos do marketing político dos
candidatos. Tinha um acordo com o publicitário João Santana [responsável pelas
bem-sucedidas campanhas dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff]. A construtora sugeria depois as obras que seriam incluídas nos
planos do Governo.
P. O
político devolvia o favor quando chegava ao poder…
R. Sim. O dirigente
incluía em seu plano de Governo as obras que interessavam à Odebrecht. A
construtora, em alguns casos, assessorava os países sobre como conseguir
financiamento por meio de órgãos como o Banco Mundial ou o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID).
P.
Quantos funcionários, candidatos e presidentes a Odebrecht subornou?
R. Mais de 1.000.
Através da empresa, receberam desde gerentes de empresas públicas a chefes de
Estado. Somente no Brasil há 500 pessoas afetadas. E existem políticos e altos
funcionários brasileiros cujos nomes ainda não apareceram.
P. A
Odebrecht pagou em 2016 a maior multa da história –-8,25 bilhões de reais– aos
Governos do Brasil, Suíça e EUA para poder voltar a se candidatar a licitações
públicas. A construtora reconheceu com este acordo que desde 2001 distribuiu
subornos em 12 países. Consta a existência de mais Estados implicados?
R. Sim. Por exemplo, a
empresa desembolsou 11 milhões de reais em janeiro de 2016 ao primeiro-ministro
de Antígua e Barbuda, Gaston Browne. [O EL PAÍS tentou sem êxito contactar
Browne. O primeiro-ministro de Antigua e Barbuda negou a meios locais ter
recebido propina da Odebrecht]. O pagamento foi feito por intermédio do
diplomata desse país Casroy James. E contou com o aval do vice-presidente
jurídico da Odebrecht, Maurício Ferro. O dinheiro tinha por objetivo evitar que
Antígua e Barbuda comunicasse às autoridades judiciais do Brasil as
movimentações no Meinl Bank, uma instituição local adquirida pela Odebrecht e
que foi utilizada para a lavagem de recursos dos subornos. Embora Browne
tenha recebido 11 milhões, a operação custou à Odebrecht 39 milhões. A maior
parte desse dinheiro acabou no bolso de vários diretores da construtora e do
Meinl Bank. A decisão [do suborno de Browne] foi adotada em setembro de 2015
durante uma reunião no Hotel InterContinental de Madri da qual eu mesmo
participei.
P. Pode
explicar qual era a missão desse pequeno banco de Antígua e Barbuda comprado
pela construtora?
R. O Meinl Bank era uma
fachada nesse paraíso fiscal do Caribe, tinha só três empregados em um pequeno
escritório. Sua sede em São Paulo estava no Consulado. Era o centro nevrálgico
de onde se faziam os pagamentos irregulares. Daí se transferia dinheiro a
outros bancos, como a Banca Privada de Andorra (BPA), uma instituição fechada
em 2015 por corrupção. Mediante pagamentos internos se evitava deixar rastro e
escapar das digitais dos fundos quando se inclui o Swift (código de
transferência internacional).
P. Que
papel desempenharam na estrutura de lavagem a Banca Privada de Andorra (BPA) e
sua filial na Espanha, o Banco Madrid?
R. A BPA era o banco
encarregado dos pagamentos finais. A Odebrecht abria contas nessa instituição
em nome de Pessoas Politicamente Expostas (PEPs), que é como se denominam os
cargos públicos suscetíveis de lavar dinheiro. A construtora ordenava
transferências ao BPA de seu banco em Antígua e Barbuda. Depois, o dinheiro no
BPA era transferido através de movimentações internas –alheias aos registros–
até as contas dos beneficiários.
P.
Quanto a empresa gastava por ano em propina?
R. Cerca de 960 milhões
de reais. Era movimentado em dinheiro por meio de contas em paraísos fiscais e
transferências internacionais. A construtora, por segurança, nunca pagava nos
países de origem do beneficiário. E usava o Meinl Bank para enviar fundos a
Pessoas Politicamente Expostas (PEP). Assim se fez chegar dinheiro a Michelle
Lasso, uma pessoa próxima ao presidente do Panamá, Juan Carlos Varela.
P. Quem
idealizou o esquema de lavagem de dinheiro? Quem era o cérebro?
R. Não há um cérebro.
Há um banco como cérebro: o Meinl Bank de Antígua e Barbuda. O funcionário do
Departamento de Operações Estruturadas (o escritório que distribuía os
subornos), Luiz Eduardo da Rocha Soares, idealizou o sistema. Ele foi também o
responsável pela compra do Meinl Bank. Havia dois diretores da construtora que
eram acionistas dessa entidade em Antígua e Barbuda sem que a empresa soubesse,
o próprio Rocha Soares e Fernando Migliaccio.
P.
Quantas empresas a Odebrecht manejava em paraísos fiscais?
R. Mais de uma centena.
Eu cheguei à construtora em 2011. Mas a estrutura já existia desde 2006.
P. O
presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, foi condenado a 19 anos de prisão.
Junto com ele, 77 executivos da empresa colaboraram com o Ministério Público do
Brasil em troca da redução de suas penas. A Odebrecht admitiu o pagamento de
2,5 bilhões de reais em subornos. Esse número está correto?
R. Não. Um ex-diretor
do Meinl Bank declarou que essa instituição movimentou 8,15 bilhões de reais. E
esse banco trabalhava exclusivamente para a Odebrecht. Não tinha clientes
normais.
P. Por
que a Odebrecht aceitou um acordo que implicava a admissão de culpa?
R. Porque havia muita
pressão por parte dos funcionários. Se os diretores não tivessem feito o
acordo, os trabalhadores o teriam feito individualmente. E a empresa não teria
controlado o processo.
P.
Foram pagos subornos em espécie?
R. Sim. Em 2014 a Odebrecht
tentou dar um avião ao ex-presidente Panamá, Ricardo Martinelli. O político
recusou. A empreiteira queria agradar Martinelli e o candidato do seu partido
(o governista Mudança Democrática), que disputava as eleições gerais de 2014,
José Domingo Arias, o Mimito. A Odebrecht
também organizava festas. E mandava mulheres do Brasil para festas com
políticos no Panamá e na República Dominicana. Era a maneira de a empreiteira
manifestar sua gratidão. Mas isso também se tornou uma chantagem…
P. Eram
feitas fotos nessas festas?
R. Sim. E eram
guardadas. O executivo da Odebrecht no Panamá, André Rabello, sabia como usar
essas fotos. Rabello também lidava com informações sobre as esposas e as
relações extraconjugais dos políticos panamenhos. A empreiteira dava presentes
às esposas destes. Participei de uma reunião na qual Rabello disse que tinha a
confirmação do presidente do Panamá, Juan Carlos Varela, de que o país não iria
responder às solicitações da Justiça do Brasil [sobre o caso Odebrecht].
P. A
Odebrecht sabia que as esposas e as amantes dos políticos recebiam subornos?
R. Sim. A empreiteira
resolvia a vida financeira das esposas dos políticos. Especialmente a das
ex-mulheres.
P. No
Brasil, a Odebrecht admitiu o pagamento de 1,12 bilhões de reais em subornos
para obter contratos de obras no valor de 1,6 bilhões durante as presidências
de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff…
R. O montante foi muito
maior. A empresa gastava 481 milhões de reais por ano em propina. O pagamento
era feito em espécie ou por meio de transferências. Até o porteiro recebia. Os
subornos respingaram em todos os partidos. De direita, de esquerda… Do Governo,
da oposição… E não há somente políticos entre os beneficiários… A empresa
apostava. Por exemplo, na disputa entre Lula e Dilma, a Odebrecht preferiu
Lula.
P. A
empresa confirmou que na Colômbia pagou 37 milhões de reais em subornos para
conseguir contratos no valor de 159 milhões entre 2009 e 2014. O montante está
correto?
R. Não conheço em
profundidade o caso da Colômbia, como tampouco tenho detalhes da situação na
Argentina, Peru, Venezuela ou Guatemala. Mas os números da Colômbia
reconhecidos pela empresa são muito baixos. Não acredito que a Odebrecht
tivesse uma estrutura no país por causa de apenas 159 milhões de reais.
P. E no
Equador, a empreiteira admitiu ter destinado 107 milhões de reais para propina
ilegais para obter contratos no valor de 370 milhões durante o mandato do
presidente Rafael Correa (2007-2017). Quais políticos equatorianos estão
envolvidos?
R. Acabo de responder
na Espanha a uma comissão rogatória –pedido de auxílio judicial entre Estados–
do Equador. Informei que o ex-ministro de Eletricidade do Governo de Rafael
Correa, Alecksey Mosquera, que foi preso pelo caso Odebrecht, recebeu uma
comissão de 3,22 milhões de reais por meio da Banca Privada de Andorra (BPA),
onde teve uma conta. Desconheço porque Mosquera recebeu essa comissão.
P. O
que nos pode dizer sobre o México?
R. Que a Odebrecht
acreditava que o presidente do México seria o ex-diretor geral da companhia
petrolífera estatal Petróleos Mexicanos (Pemex), Emilio Lozoya Austin. E
gostava da ideia. A empreiteira tinha muito interesse em Lozoya.
P. A
Odebrecht admitiu que pagou 189 milhões de reais em subornos a funcionários do
Governo no Panamá entre 2010 e 2014, o número está correto?
R. A quantia é maior. A
empresa arcou com as despesas dos principais candidatos às eleições gerais
panamenhas de 2014: o situacionista José Domingo Arias e seu adversário, o
atual presidente Juan Carlos Varela. Apostou nos dois. A empreiteira também
pagou 3,7 milhões de reais a dois fornecedores de uma empresa de rum de
propriedade de Varela. O pagamento foi feito através de uma conta no HSBC em
Hong Kong. Quando Varela era vice-presidente (2009-2014), foi enviado dinheiro
a Michelle Lasso, uma pessoa ligada ao político que tinha uma conta no banco da
Odebrecht em Antígua e Barbuda. A empreiteira ficou assustada porque Lasso teve
um problema de negócios nos EUA e temia que fosse investigada.
P. A
empreiteira reconheceu o pagamento de 296 milhões de reais em comissões ilegais
na República Dominicana, onde conseguiu contratos no valor de 526 milhões. Quem
se beneficiou desses subornos?
R. A Odebrecht tinha
uma relação muito próxima com o presidente da República Dominicana, Danilo
Medina. E recomendou a Medina o publicitário João Santana. Além disso, Marcelo
Odebrecht, presidente da empreiteira, decidiu mudar o departamento de Operações
Estruturadas (o escritório que pagava os subornos) de São Paulo para Santo
Domingo em 2015. O objetivo era ter maior controle contra possíveis operações
policiais e investigações.
P. O
senhor já recebeu ameaças nos EUA ou na Espanha?
R. Sim, por telefone e
pelas redes sociais. Exigiam que me calasse. Minha mãe também foi ameaçada.
Denunciei essa situação às autoridades da Espanha e dos EUA. [Tacla mostra uma
mensagem de WhatsApp da mãe com o seguinte: texto: “Filho, estou sendo ameaçada
por telefone. Eles dizem que te amarraram. Que é um assalto. Que querem joias,
dinheiro para te libertar… São três horas da manhã…”].
P. O
senhor acredita que altos funcionários e governantes da América Latina temem
sua confissão?
R. Sem dúvida. Meu
depoimento pode afetar muita gente poderosa no mundo.
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