domingo, 13 de agosto de 2017

OUTRO AGOSTO, MUITOS ANOS ATRÁS...

Resultado de imagem para getulio vargas morto
Foto - Getúlio Vargas.
A manhã daquele dia 24 de agosto corria aborrecida. Aula de matemática já no segundo tempo, aquelas raízes quadradas perturbavam a mente; e as equações, embora de primeiro grau e com apenas uma incógnita, incomodavam a digestão do café-com-leite pão-e-manteiga da entrada.

A escola era pública, mas séria. E exclusivamente masculina, num tempo em que o termo “machista” ainda não tinha sido inventado. Daí o terror de dois ou três meninos diferentes, que recusavam a Educação Física (até forjando atestado médico) para não terem que ficar nus na hora do chuveiro.

Era uma época em que o politicamente correto também não existia. Em que chamar a gente de “crioulo”, “miquimba”, “tiziu”, “pau queimado” não tinha nada de mais. Pois até o Oscarito, atendendo a exigências do script, de vez em quando sacaneava o Grande Otelo. Como por exemplo, naquela cena engraçadíssima cena em que ele encostava o cotovelo preto do parceiro junto à boca e ligava: “Alô!!!”
Ser preto ou branco naquele tempo eram circunstâncias até celebradas. Como naquelas disputas de futebol incentivadas pelos instrutores de ginástica. De um lado, o esquadrão formado por Álvaro, Russinho e Paulo Emílio; Breno, Glauco eAlemão… Esqueço. Do outro, o nosso: Chaminé, Azeitona e Jamelão; Chocolate,Blecaute… A memória me falha. Até mesmo quando invento nomes, para preservar a identidade dos colegas.
Pois bem. Café da manhã, aulas de “Cultura Geral” (latim, francês, inglês, canto orfeônico…) até a hora do almoço. “Cultura técnica” (mecânica, fundição; marcenaria…) à tarde. “Cultura Física” até o anoitecer. Jantar. Leitura e cama, para o pessoal do Internato; volta para casa, abatido, mas esperançado da vida, para nós semi-internos.
Mas o bom mesmo eram os intervalos e tempos vagos. Quando trocávamos nossas experiências musicais comunitárias. E foi aí que conheci os sambas da longínqua Tijuca, que anos depois me levariam à dupla condição de acadêmico: na Faculdade Nacional de Direito e na Academia do Salgueiro. Mas voltemos a 1954.
A escola ocupava um terreno de vários alqueires, pertinho da Vila Militar, no subúrbio carioca de Deodoro. E naquela manhã de agosto a aula parecia não terminar nunca.
Até que, providencialmente, chega à porta o inspetor-geral. Pede licença, entra, visivelmente nervoso, cochicha alguma coisa no ouvido do professor e sai, quase chorando. Expectativa geral. O mestre, perturbado também, mas fleumático, despe o guarda-pó, limpa o giz das mãos, vai vestindo o paletó enquanto avisa:
– As aulas estão suspensas. O Presidente da Republica acaba de cometer suicídio.
Um a um, então, fomos saindo, caras-de-pau tentando mostrar tristeza, quando por dentro o que rolava era a adrenalina (já havia, naquela época?) da alegria, por aquele feriado inesperado. Em vez de equação, a pipa no alto e o pião gungunando; no lugar das razões e proporções, o racha, a pelada, o refresco de groselha, a paçoca e o pé-de-moleque. Ledo engano!
Em casa, minha mãe chorava e meu pai ouvia o rádio, lívido. Minhas irmãs arrumavam a casa compungidas. E meus irmãos iam chegando do trabalho, para o funeral de nossas ilusões.
Na ingenuidade dos meus 12 anos eu não poderia imaginar que a partir dali tudo seria diferente: ensino, família, saúde, trabalho… De bom, mesmo, só ficou aquele samba-enredo arquetípico, talvez o melhor de todos os tempos, da fina lavra do saudoso Padeirinho da Mangueira. Cantem comigo!
“Salve o estadista, idealista e realizador…”. A voz embargou. Desculpem.
Nei Lopes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário