
Documentos agora desclassificados ilustram a conivência dos EUA com o massacre anticomunista dos anos 60 na Indonésia.
Se tivessem sido igualmente desclassificados os documentos da CIA da mesma altura, muito provavelmente seria mais do que conivência o que ficaria à vista.
Pode colocar-se a pergunta: quantos milhões de assassínios no último meio século figurarão no cadastro de tais defensores da “democracia” e dos “direitos humanos”? E até quando?
Documentos recentemente desclassificados revelam não apenas o «conhecimento detalhado»
por parte do governo dos EUA dos assassínios em massa de membros do Partido Comunista
Indonésio (PKI) levados a cabo pelo exército indonésio, mas também o seu «apoio ativo» a
esse massacre.
Os documentos, divulgados quinta-feira pelo National Security Archive na Universidade George
Washington em Washington, DC mostram que, segundo essa instituição independente de
investigação e arquivo, funcionários dos EUA “apoiaram ativamente as ações do exército
visando a destruição do movimento operário de esquerda no país.»
Os 39 novos documentos, parte de um acervo de cerca de 30.000 páginas de registos diários
recolhidos da Embaixada dos EUA na capital Indonésia entre 1964-1968, foram
desclassificadas e digitalizadas em colaboração com o National Declassification Center.
A
iniciativa verificou-se na sequência de numerosas solicitações de grupos defensores dos
direitos humanos norte-americanos e indonésios.
Os ficheiros incluem cartas do Departamento de Estado, telegramas, relatórios de situação e
comunicações confidenciais entre consulados dos EUA e a sua embaixada.
Entretanto, o
acervo não inclui quaisquer documentos da CIA, que permanecem classificados. A Human
Rights Watch apelou a que fossem desclassificados todos os documentos que ainda o não
foram.
Os novos materiais mostraram que diplomatas dos EUA na Embaixada de Jacarta e os seus
interlocutores do Departamento de Estado em Washington mantiveram um registo de quais os
dirigentes do PKI que iam sendo executados no decurso de um dos mais turbulentos períodos
da história da Indonésia depois da sua independência da Holanda em 1949.
É particularmente chocante o memorando da conversa entre o Segundo Secretário da
Embaixada Robert Rich e o Assistente do Procurador-Geral Adnan Buyung Nasution, em 23 de
Outubro de 1965. É uma das primeiras vezes em que os assassínios sistemáticos são
mencionados a Washington. O telegrama refere a cooperação por parte dos EUA no sentido de
manter a imprensa internacional à margem de qualquer referência às mortes de modo a não
alertar o Presidente Sukarno.
«Os militares tinham já executado muitos Comunistas mas este fato deve ser cuidadosamente
retido» enquanto eles «continuam a carregar em cima dos Comunistas de modo a quebrar a
espinha ao poder do PKI,» escreveu Nasution.
No memorando, Nasution manifesta-se «chocado» por os massacres terem começado a ser
referidos na rádio da Malásia e alertou para que Sukarno não deveria tomar conhecimento da
repressão das forças armadas pelos meios de comunicação estrangeiros.
Rich assegurou a Nasution que o governo dos EUA está «inteiramente consciente da natureza
sensível dos acontecimentos em curso e está a realizar todos os esforços no sentido de que
não fosse estimulada a especulação por parte da imprensa.»
Um telegrama de 1965 do consulado dos EUA em Surabaia dirigido à embaixada em Jacarta
dizia: «Continuamos a receber informação de PKI sendo massacrados por milícias Ansor [uma
milícia muçulmana] em muitas zonas do leste de Java.
A matança de PKI prossegue em
aldeias próximo de Surabaia e os feridos libertos de Surabaia recusam regressar a suas casas.
Segundo o chefe dos caminhos-de-ferro do leste de Java, 5 estações foram encerradas por os
trabalhadores terem medo de vir para o trabalho uma vez que alguns deles foram
assassinados.»
A embaixada dos EUA em Jacarta enviou uma mensagem carimbada “Secreto” para
Washington DC em Novembro de 1965 dizendo: «Entretanto, tanto nas províncias como em
Jacarta, a repressão do PKI prosseguiu, tendo como principal problema onde alojar e como
alimentar os prisioneiros. Muitas províncias parecem ter resolvido o problema com êxito
executando os seus prisioneiros PKI, ou matando-os antes da sua captura.»
Outro telegrama “Secreto” enviado a Washington DC em Dezembro de 1965 pela Primeira Secretária
da Embaixada Mary Louise Trent registra o «notável êxito do exército» nas suas
ações no sentido de acumular poder.
«[A violência anti-PKI] resultou até agora numa estimativa de 100.000 mortes PKI. Uma fonte
de confiança balinesa informou a Embaixada de que as mortes PKI na Ilha de Bali atingem um
total de cerca de 10.000 e incluem familiares e até mesmo parentes afastados do governador
cripto-comunista Sutedja,» dizia.
Os ficheiros documentam um período em que as tensões entre o exército indonésio e o Partido
Comunista Indonésio explodiram, resultando numa gigantesca “purga” que massacrou
centenas de milhares dos seus cidadãos.
Depois de assumir o poder sobre os militares indonésios em Setembro de 1965, o General
Suharto desencadeou um massacre apoiado pelo exército da muito numerosa mas na sua
maioria desarmada militância do PKI, invocando razões de «contaminação política.» Viria mais
tarde a desbancar, em 1967, o primeiro Presidente indonésio, Sukarno.
Segundo um estudo da Universidade de Yale, Suharto ordenou uma «limpeza absolutamente
essencial, até à raiz» de adeptos e simpatizantes do PKI, de que resultou em cada noite o
assassínio de «50 a 100 membros do PKI» por grupos civis anticomunistas com a bênção do
exército.
A embaixada australiana em Jacarta estimou que, a certa altura, havia «cerca de
1.500 assassínios diários» e relatórios confidenciais de duas agências ocidentais concordavam
acerca de «um total de perto de 400.000 mortos.»
Contudo, um embaixador adjunto dos EUA
pensava que o número total poderia ser muito superior.
O grupo de investigadores da NSA estima que perto de 500.000 alegados apoiantes PKI foram
mortos entre Outubro de 1965 e Março de 1966, e que cerca de 1 milhão mais foram
aprisionados. Suharto exerceu o poder na Indonésia até 1997.
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