segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Luto sem fim: Brasil tem mais de 80 mil pessoas desaparecidas.

Mortos e desaparecidos polítocos | Foto: Elza Fiúza/ABr
Mortos e desaparecidos políticos durante a Ditadura Militar.  Foto: Elza Fiúza/ABr
Luciano Velleda
Da RBA

O Brasil encerrou o ano passado tendo 82.684 boletins de ocorrência registrando o desaparecimento de pessoas, segundo revelou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018, divulgado na quinta-feira (9). O estado de São Paulo lidera com folga a dramática estatística, com 25.200 pessoas desaparecidas, seguido por Minas Gerais, com 8.878, e Santa Catarina, com 7.752 desaparecimentos.
O estudo anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública jogou luz no Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, criado em 17 de dezembro de 2009, conforme a Lei 12.127, e lançado em 26 de fevereiro de 2010 junto com o site www.desaparecidos.gov.br. Desde o início deste ano, o site foi tirado do ar pelo governo federal. Apesar de nunca ter funcionado como deveria, o canal tinha cerca de 370 crianças e adolescentes desaparecidos cadastrados e, de alguma forma, era um espaço oficial que alimentava a esperança de reencontro dos familiares.
“Ele (o site) vem inativo desde quando surgiu, em 2010. Nunca funcionou adequadamente, sempre dependeu das famílias fazerem o cadastramento. As mães que tinham que mandar fotos, cópia do boletim de ocorrência e as informações sobre o desaparecimento”, explica Ariel de Castro Alves, advogado e coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe). “O governo federal sempre justificou, tanto nas gestões anteriores como na atual, que os estados não encaminhavam os boletins de ocorrência.”
A falta de integração entre os estados e o governo federal sempre foi a principal razão pelo mau funcionamento de um cadastro nacional que poderia cumprir uma importante função. Na prática, os estados nunca colaboraram com o envio das informações para alimentar e atualizar o sistema. Segundo Castro Alves, a maioria dos estados, como São Paulo, por exemplo, sequer tem cadastros estaduais de crianças e adolescentes desaparecidos. Para ele, os cadastros estaduais e o nacional deveriam ter atualização diária a partir dos boletins de ocorrência (BOs) de crianças e adolescentes desaparecidos registrados nas delegacias de polícia de todo país.
Apesar da pouca eficiência, o coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Condepe avalia que o fim do site é um descaso com os familiares. “O cadastro funcionava precariamente, mas gerava uma expectativa porque era oficial e podia ser acessado de qualquer parte do país. É um desrespeito. As famílias não foram comunicadas de que o cadastro sairia do ar e elas tinham expectativa. Então é mais uma frustração, mais um abandono dessas famílias, um total desrespeito.”

Falta de prioridade

Com a aprovação do Sistema Único de Segurança Público (Susp), Ariel Alves tem esperança que a situação melhore porque, a partir de agora, os estados terão a obrigação de encaminhar os boletins de ocorrência e as informações criminais. “Isto pode, a médio e longo prazo, colaborar para resolver essa falta do banco de dados unificado. O estado de São Paulo nunca teve essa prioridade e também nunca atuou em nada, de modo integrado, com o governo federal, principalmente em temas de direitos humanos. Nem nos governos anteriores, nem no atual.”
Atualmente, São Paulo tem uma única delegacia de pessoas desaparecidas, vinculada à Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Localizada na capital, tem a missão de atender o estado todo.
Desde 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a necessidade de haver órgãos especializados na polícia e no Judiciário para atender crianças e adolescentes. Em alguns estados existem delegacias especializadas, mas não em São Paulo. E mesmo nos estados onde tais delegacias foram criadas, elas costumam estar localizadas apenas na capital. “Mas em São Paulo nem na capital tem”, critica Alves.
Para piorar a situação, os casos de desaparecimento não costumam ser investigados, seja de crianças ou de adulto, afirma o advogado. “A polícia diz que, em si, o desaparecimento não é um crime, é um fenômeno social a criança não estar sob os cuidados da família. Agora, por trás do desaparecimento pode haver rapto, sequestro, cárcere privado, assassinato, então por isto é necessário que em todos os casos sejam instaurados inquéritos. Na prática, quem hoje investiga são as próprias mães.”
O coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Condepe enfatiza ser comum a polícia sugerir aos pais esperar por 24 ou 48 horas antes de registrar o desaparecimento, uma prática que, afirma, é ilegal. “Os primeiros momentos são os mais importantes para buscar, esclarecer, investigar e localizar. E a lei também prevê que após fazer o boletim de ocorrência, além de iniciar as buscas, a polícia tem que informar as rodoviárias, os aeroportos, a polícia rodoviária, e isso também não acontece.”
A situação de ter um filho desaparecido, diz Ariel Alves, é um luto permanente, com enorme desgaste emocional e psicológico. “Muitas mães desenvolvem doenças, um câncer, um problema cardíaco. Elas não contam com nenhum tipo de apoio, é um descaso.”

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