Foto - Padre Almir Ramos. Autor do artigo. |
Esse artigo faz parte de uma série, com um novo texto tratando da temática das drogas publicado a cada 15 dias no site da Pastoral Carcerária. Para ler o primeiro texto, clique aqui. Para ler sobre as drogas depressoras da atividade mental, clique aqui. Para ler sobre drogas estimulantes da atividade mental, clique aqui. E para ler sobre drogas perturbadoras da atividade mental, clique aqui.
Há alguns anos se fala em paróquias, dioceses e até mesmo em nível regional sobre a proibição da venda de bebidas alcoólicas nas festas dos padroeiros ou outras festividades nas Igrejas.
O tema por si só é bastante polêmico, provocando acirradas discussões, concordâncias e discordâncias. Do ponto de vista da saúde pública, vender ou não vender bebidas alcoólicas em um único dia no território das paróquias não vai mudar muito a vida das pessoas.
Sabe-se que a questão do álcool é bem mais profunda e abrangente. Se a pessoa bebe com frequência, não será a proibição na festa da Igreja que o manterá livre do álcool.
Porém, é claro que a festa da Igreja pode ser o primeiro contato que levará a pessoa ao vício. Olhando do ponto de vista moral, é contraditório pregarmos e lutarmos contra as drogas e as vendermos nas nossas festas. É preciso aprofundar o debate sobre o consumo do álcool.
No texto a seguir pretendo dar uma pequena contribuição sobre o álcool e sua ação no organismo e na vida das pessoas sob o olhar da saúde pública. Este texto servirá apenas como reflexão para as pessoas e comunidades terem uma base de como o álcool age em nós e sobre a necessidade de evitá-lo.
O álcool é a droga lícita mais consumida no Brasil. Estudos demonstram a ocorrência significativa de mortes e doenças associadas ao uso de álcool. O alcoolismo é o responsável pela terceira causa de mortalidade e morbidade no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo a OMS, a cada ano cerca de dois bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas. Isso corresponde a 40% da população mundial acima de 15 anos de idade. Ainda segundo a Organização, cerca de dois milhões de pessoas morrem por ano em decorrência das consequências negativas do uso do álcool. Essas conseqüências são intoxicações agudas, cirrose hepática, violência e acidentes de trânsito.
Muitas pessoas que bebem o fazem de forma moderada, mas algumas pessoas consomem álcool de uma forma muito mais “pesada”, e isso tem se tornado cada vez mais frequente, tanto em homens como em mulheres.
Assim sendo, os problemas decorrentes desse padrão de beber se tornam mais comuns, mesmo em pessoas que não apresentam o diagnóstico de dependência alcoólica. A literatura científica apresenta como principais padrões de consumo de álcool o uso moderado e o abuso ou dependência de álcool.
No que diz respeito ao uso moderado de bebidas alcoólicas, confunde-se com o “beber socialmente”, que significa beber dentro de padrões aceitos pela sociedade. O beber moderado também é visto de maneira errônea como sendo uma forma que não traz consequências adversas ao consumidor.
Segundo a OMS para se evitar problemas com o álcool, o consumo aceitável é de até 15 doses por semana para os homens e 10 doses por semana para as mulheres.
Uma dose equivale, aproximadamente, a 350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 40 ml de uma bebida destilada. Cada uma dessas contém 10 a 15 g de etanol. Segundo o National Institute of Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA) o “beber moderado” seria o consumo com limites em que prejuízos não são esperados tanto para a pessoa quanto para a sociedade.
Os homens não devem ultrapassar o consumo de duas doses diárias de álcool e as mulheres, de uma dose diária. Tanto os homens quanto as mulheres não devem beber mais de duas vezes por semana.
Quanto ao beber pesado episódico, é definido como o consumo de cinco ou mais doses de bebidas alcoólicas, em uma única ocasião por homens e quatro ou mais doses por mulheres, pelo menos uma vez nas últimas duas semanas.
O beber pesado está associado a diversas situações e danos à saúde e à sociedade, tais como danos à saúde física, comportamento sexual de risco, gravidez indesejada, infarto agudo do miocárdio, intoxicação alcoólica, quedas e fraturas, violência (incluindo brigas, violência doméstica e homicídios), acidentes de trânsito, problemas psicossociais, comportamento antissocial e dificuldades escolares, tanto em jovens como na população em geral.
O beber pesado também está associado a um aumento da mortalidade em todas as causas de doenças cardíacas e está relacionado a um risco maior para transtornos psiquiátricos, câncer e doenças gastrointestinais.
De acordo como o National Councilon Alcoholismand Drug Dependence, alcoolismo é uma doença primária, crônica, com fatores genéticos, psicossociais e ambientais que influenciam seu desenvolvimento e manifestações.
A maioria dos clínicos utilizam os critérios diagnósticos para abuso e dependência do álcool, a fim de tornar o diagnóstico mais objetivo e estruturado, facilitando assim o direcionamento do tratamento.
Com relação à dependência, observa-se que ocorre em homens e mulheres de todas as etnias e classes socioeconômicas. O diagnóstico prediz um curso de problemas recorrentes, tendo como consequência o encurtamento da vida por uma década ou mais.
Se a pessoa apresentar problemas repetidos decorrentes do uso do álcool em uma das quatro áreas relacionadas ao viver, que são na esfera social, interpessoal, legal e problemas ocupacionais ou persistência do uso em situações perigosas (exemplo: beber e dirigir), ela pode receber o diagnóstico de abuso de álcool.
A OMS também recomenda que em alguns casos o álcool não é recomendo nem mesmo em pequenas quantidades. Essas situações seriam: gestantes ou mulheres que estejam tentando engravidar, antes de dirigir, ou operar máquinas ou outra tarefa que exija atenção, pessoas com histórias de doenças crônicas incompatíveis com o álcool, tais como diabetes, hipertensão, dentre outras, pessoas que estejam em fase de recuperação ou tratamento de uso de álcool e menores de 18 anos.
Quanto aos termos, existe uma diferenciação que ajuda no entendimento da problemática, principalmente no que diz respeito aos termos “alcoólatra” e “alcoolista”. Esses termos são usados, quase que indistintamente pelos estudiosos e pelo povo em geral para definir a “dependência do álcool”.
O termo “alcoólatra” foi utilizado, no decorrer dos anos para designar aquelas pessoas que bebiam abusivamente. Esse termo é inadequado pelo fato de confundir o dependente do álcool com alguém que idolatra o álcool.
Ao idolatrar o álcool, essa pessoa acaba quase que “escolhendo” ou “optando” continuar fazendo uso do álcool mesmo sabendo das consequências que ele gera para o bebedor e para seus familiares.
Esse termo é mais estigmatizante, rotulando o bebedor como alguém que está fadado a uma condição de depreciação, fraqueza e falta de escolhas, pois privilegia o álcool acima de todas as coisas.
Essa condição não é verdadeira, pois quando a dependência está instalada, muitas vezes, a pessoa bebe mais para minimizar os efeitos da abstinência, e não para ter prazer.
Com relação ao termo “alcoolista”, alguns pesquisadores dizem ser uma alternativa menos estigmatizante, pois coloca a pessoa como alguém que tem “afinidade” pelo álcool e não é seduzido por ele.
Esse termo, ao ser utilizado em substituição ao termo “alcoólatra” acaba não responsabilizando unicamente o bebedor pelos problemas decorrentes do uso do álcool, mas sim reconhecer que o álcool é uma substância lícita, socialmente aceita e disponível; todavia, quando utilizada em grandes quantidades e frequências, expõe o bebedor a muitos riscos.
Assim sendo, o termo mais correto para designar a pessoa que tem problemas devido ao uso e abuso do álcool, seria o de “dependente de álcool”. A dependência é uma condição clínica. Ela é diagnosticada e tem tratamento, por isso é um problema de saúde pública.
Com relação aos níveis máximos de concentração de álcool no sangue, eles ocorrem após meia hora do consumo. Esse tempo pode variar na população: o organismo metaboliza e excreta, aproximadamente, uma dose por hora.
Se a pessoa beber quatro doses de bebidas alcoólicas em uma festa, ela teria que esperar quatro horas para dirigir. Isso para que todo o álcool saia de seu organismo.
É importante ressaltar que café preto e banho gelado ou mesmo outro líquido como refrigerantes não resolvem esse tipo de situação, nem diminuem a embriaguez.
Pessoas que usam grandes quantidades de álcool de forma crônica podem desenvolver diversas complicações em diversos órgãos, como inflamações no esôfago, estomago, gordura no fígado, hepatite, cirrose, pancreatite, deficiências de vitaminas, demências e câncer.
As consequências relacionadas ao uso do álcool são as mais diversas. No caso de gestantes, um dos problemas mais sérios é a Síndrome Alcoólica Fetal. Mulheres grávidas que beberam em excesso durante a gestação podem gerar crianças com sérios danos neurológicos e comportamentais.
Essas crianças podem ter deficiência de crescimento intrauterino, microcefalia, deformações físicas, na cabeça, nas extremidades, no coração e nos órgãos genitais.
A criança recém-nascida, filha de uma alcoolista pesada mama pouco, é irritável, hiperexcitada e hipersensível, tem tremores e fraqueza muscular, tem alteração do padrão de sono, transpira muito e pode ter apnéia.
Durante a gestação, o feto já é um consumidor, pois a placenta não filtra o álcool do sistema circulatório da mãe para a criança.
Outra consequência negativa do uso de álcool é a violência. Estudos demonstram a relação entre o uso de álcool e violência. Um estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde na Argentina, no Brasil e no México mostrou que cerca de 80% de pacientes que deram entrada em setores de emergência como vítimas de violência (intencionais ou não intencionais) eram do sexo masculino e tinham menos de 30 anos de idade.
Segundo o Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), cerca de 52% dos casos de violência doméstica no Brasil estavam relacionados ao uso de álcool pelo autor do ato de violência.
O consumo abusivo de álcool facilita bastante situações de violência, aumentando assim o risco de uma pessoa vir a cometer ou ser vítima de comportamentos violentos.
É importante ressaltar que existe uma série de fatores que levam a atos violentos, não sendo o álcool a causa única e direta da violência.
O álcool é um problema de saúde pública, e por isso requer políticas publicas que enfrentem essa questão. São necessários programas robustos de saúde pública para que se possam planejar intervenções, destinando melhor os recursos humanos e materiais a serviços preventivos e curativos.
O grande desafio da saúde pública na área de álcool e outras drogas é o de implementar políticas que promovam e fortaleçam ações de prevenção. Para tal, é de extrema importância a monitoração do beber pesado episódico e do abuso/dependência de álcool por meio de estudos epidemiológicos.
Ações como restrição de acesso a bebidas alcoólicas por menores, campanhas diversas, restrição de propagandas, controle de beber e dirigir, impostos, proibição de venda de bebidas alcoólicas nas festas religiosas, dentre outras, são altamente efetivas.
Todo o texto aqui apresentado tem como referência o Manual do Curso de Extensão Universitária Prevenção do uso de drogas – Capacitação para Conselheiros e Lideranças Comunitárias – 5ª Edição de autoria de Camila Magalhães Silveira, e também o Manual de Capacitação em Atenção à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Link original: http://carceraria.org.br/agenda-nacional-pelo-desencareramento/pe-almir-ramos-padroes-de-consumo-do-alcool-na-populacao-brasileira
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