Quando Haddad perdeu a eleição para João Doria, em 2016, algo me dizia que o seu destino político estava traçado. Sua vocação, seu estilo, sua consagração internacional de gestor premiado lhe reservaria uma missão muito mais ambiciosa do que administrar a maior cidade do país.
Para assombro dos nossos vira-latas de plantão, Fernando Haddad ganhou o Mayors Challenge 2016, nada mais nada menos que o prêmio de melhor prefeito do mundo oferecido pela Bloomberg Philanthropies, em Nova York.
O resultado daquela eleição para prefeito deveria ser interpretado com a mínima acuidade leitora. O país estava em no auge da sanha persecutória ao PT, atravessada por ódios e fobias de toda sorte (ou azar).
A perseguição da imprensa a Haddad também era algo sem precedentes. Os maiores jornais de São Paulo lhe esmagavam diariamente. Os episódios do sub historiador e pretenso jornalista Marco Antonio Villa histericamente em seu encalço, quase como uma obsessão de fundo libidinal, consagraram o momento como o habitual capítulo grotesco e pitoresco dos futuros livros de história e de psicologia social – Villa é um relato de caso ambulante, um case das patologias clínicas oriundas da solidão semi-intelectual.
Lula estava atento a tudo isso e testemunhou a olho nu a resiliência de Haddad. Ali, nascia um novo patamar da admiração de Lula pelo seu já consagrado ministro da educação, formulador das mais avançadas políticas públicas da história para o setor.
Lula entendeu que Haddad era muito mais que um ministro ou um prefeito. Lula entendeu que Haddad era o elemento-chave para a transição de popularidade democrática que lhe serviu de argumento e dicção em seus 40 anos de vida pública somados a vitórias eleitorais consagradoras.
O mais impressionante, no entanto, naquele momento clássico de uma derrota eleitoral que se transformara em predestinação política, foi a elegância e a categoria de Fernando Haddad em coordenar pessoalmente a transição de governo para Doria.
Haddad deu uma aula de democracia. Foi, realmente, algo sem precedentes. Ele mobilizou suas equipes e seus secretários para realizar a transição de governo mais impressionante da história brasileira, disparado.
Entregou a prefeitura no azul, com dinheiro em caixa para investimentos, com o título internacional de melhor prefeito do mundo e com muita educação republicana.
Ali, o próprio Doria ficara assombrado, a ponto de dizer, do alto de seus preconceitos classistas: “nem parece que ele é do PT”.
Haddad deu um show de lealdade à população de São Paulo, afinal, mesmo sob chantagens e pressões diversas, ela tinha eleito um novo prefeito que, àquele momento, merecia todo o respeito e atenção do mundo político e cidadão em seu entorno.
Legitimidade, enfim – e Haddad deu um aula sobre esse tema naquele momento –, é algo com o qual não se brinca.
Como Lula em 1989, em 1994 e em 1998, Haddad soube perder. E essa é apenas mais uma das muitas semelhanças que o ex-prefeito tem com o ex-presidente Lula.
Nem vou entrar nas qualidades de Haddad como prefeito. Ele revolucionou São Paulo. Trouxe vida e alegria à cidade. Foi um banho de democracia. Lula, que não é bobo nem nada, estava muito atento a tudo isso.
Lula percebeu como Haddad aguentou a pressão da mídia, do empresariado, dos nichos de poder incrustados no judiciário. Naquele preciso momento de derrota eleitoral, Haddad conquistava sua maior vitória política: ganhava a admiração definitiva do maior líder político do país de todos os tempos.
Lula entendeu que estava diante do futuro político do país, uma vez que ele, Lula, também é um catalisador de informações e de percepções de todo o espectro político. Lula é uma espécie de Datafolha ambulante, hiper municiado de informações quanti e qualitativas, com uma diferença: ele sabe ler os dados.
É dessa percepção e conjunção de fatores que brota o sentido de lealdade em Fernando Haddad. A lealdade de Haddad transcende a lealdade a um partido ou a uma pessoa. Haddad é leal à democracia, ao povo que o elege, ao povo brasileiro, aos projetos que concebe e encampa.
Haddad é leal à solidariedade humana que sente por Lula, é leal à Gleisi Hoffmann, guerreira excepcional que vai construindo uma das mais admiráveis biografias políticas da história brasileira.
Haddad é leal à sua soberania de espírito, ao seu talento acadêmico como pesquisador ultra qualificado e irradiador de liberdade intelectual, ao direito de Lula ser o candidato à presidência diante de tanta violência jurisprudencial.
Haddad é leal à função de advogado de Lula, ao papel que lhe coube de ser o porta-voz de Lula, ao destino de colaborar para a restauração da democracia brasileira devastada pelos maus perdedores de sempre.
A lealdade de Haddad é, a partir de já, um dos valores e um dos sentidos mais caros e imprescindíveis ao país e à população brasileira.
Sendo Lula candidato ou não, esta fusão simbólica e extremamente poderosa já está em processo avançado de consagração popular. O adensamento eleitoral de Haddad nada mais é que um desdobramento natural da imensidão eleitoral de Lula.
O golpe fez uma aposta muito arriscada e queimou etapas de consolidação de valores e narrativas. Todo o cenário político eleitoral do Brasil neste momento acabou por ser o ideal para fazer emergir o futuro político da democracia encarnado em um candidato que atualiza a personalidade negociadora e pacificadora do maior presidente que o país já teve.
A lealdade de Fernando Haddad a todos esses princípios e valores se encaminha para ser, a partir de agora, a nova linha de raciocínio democrático na vida política do país.
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