Atlas dos Feminicídios do Rio Grande do Sul, por Cristina Maria dos Reis Martins e Suelen Aires Gonçalves..
Cristina Maria dos Reis Martins e Suelen Aires Gonçalves (*)
Os assassinatos de mulheres no Brasil, em grande parcela, estão em
diálogo com à incidência de violências decorrentes de relações íntimas de
afeto, especialmente as conjugais [1].
No
que tange à violência contra as mulheres, em 95% dos casos tal violência tem o
homem como o agressor. No que se refere ao aumento das mortes por causas
externas, tal recorte vem sendo analisado no Brasil desde o final dos anos
1970. Estudos brasileiros expõem que, entre os fatores próximos a este aumento,
está a estabilização do poder de grupos criminais nas cidades brasileiras, a
precarização das condições de vida nas cidades, a ampliação e diversificação do
mercado de drogas e a ineficaz ação das instituições de controle [2].
Segundo a pesquisa
Mapa da Violência [3] as mulheres são vítimas do feminicídio majoritariamente no
ambiente familiar, isto é, em suas moradias, já os homens são vítimas fatais em
via pública, ou seja, por indivíduos sem vínculo afetivo com a vítima. Em 2012,
o Brasil ocupou a posição de 5º lugar entre os países com maior número de
mulheres assassinadas, num universo de 84 países [4].
No mapa da
violência 2015, tivemos uma edição destinada ao homicídio de mulheres no
Brasil [5], que aponta um recorte étnico-racial na análise onde diz que houve um
aumento de 54% em dez anos no número de feminicídios [6] de mulheres negras, passando de 1.864, em 2003 para 2.875 em 2013.
No mesmo período analisado, o número anual de feminicídios de mulheres brancas
teve um decréscimo de 9,8% saindo de 1.747 em 2003 para 1.676 em 2013.
O “Atlas dos
Feminicídios” traz uma análise sobre a distribuição espacial das vítimas fatais e
das vítimas de tentativas de feminicídio no território do Rio Grande do Sul, a
partir das divisões político-administrativas municipais e das diferentes
regionalizações empregadas para fins de planejamento no Estado. Essas
regionalizações compreendem as 7 mesorregiões e as 35 microrregiões, os 28
Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), as 2 regiões metropolitanas e
as 2 aglomerações urbanas do Estado.
Em 2018, o Rio
Grande do Sul alcançou uma população feminina de 5,8 milhões de mulheres,
residentes nos seus 497 municípios, que abrangem uma área territorial total de
268.689,258 km² (Seplag-RS; IBGE, 2019). Com uma extensa área territorial e um
número elevado de divisões municipais, o RS apresenta disparidades persistentes
na distribuição do bem-estar entre as diferentes regiões, que se desenvolveram
sob os aspectos econômicos e sociais de forma desigual. Nesse contexto, a
criminalidade, enquanto fenômeno social, tende a não ocorrer de forma homogênea
dentro do território, e as políticas públicas de enfrentamento às desigualdades
regionais e à promoção da equidade na distribuição do bem–estar devem
considerar a variabilidade espacial desses fenômenos.
No que se referente
aos crimes de feminicídio, tivemos um avanço com a modificação penal com o
advento da Lei nº 13.104 de março de 2015, mais conhecida como “Lei do
Feminicídio”. Lei essa fruto das sugestões feitas pelos estados durante a CPMI
da Violência contra a mulher, realizada pela Câmara Federal de 2012 a 2013 em
diálogo com as pesquisas acadêmicas e os Mapas da Violência de 2012 e 2014,
onde observa-se que de 1980 a 2010 foram assassinadas no país cerca de 91 mil
mulheres, 43,5 mil só na última década.
Essa conjuntura, a
Lei Maria da Penha de 2006 e a Lei do Feminicídio de 2015 concebem avanços no
combate à violência contra a mulher e à violência letal. Porém, segundo De
Mello [7] este é apenas um mecanismo no processo de
enfrentamento às desigualdades de gênero. As proposições legislativas
representam uma resposta jurídica às violações sofridas pelas mulheres, mas se
faz necessário que inúmeros mecanismos de prevenção, que estão elencados no
corpo da Lei Maria da Penha sejam praticados conjuntamente.
Tal ensaio é fruto de inúmeras inquietações no processo de escrita das
pesquisadoras. Trabalhar sobre os casos feminicídios, antes rotulados e
classificados como “homicídios” contra mulheres, ou apresentados como “crime em
defesa da honra”, ou “crimes da paixão” certamente é um desafio. Em diálogo com
a literatura, a nível local houve êxito as alianças entre a academia e a
militância política dos movimentos de mulheres e feministas para tirar o crime
de feminicídio da (in)visibilidade. Tivemos o zelo de buscar a promoção e
visibilidade necessárias do conceito de feminicídio sobre o aspecto simbólico,
bem como normativo é um dos eixos desse ensaio. O caminho de (des)construção
dos Crimes da paixão, ou crimes passionais, até o diálogo sobre a tipificação
do crime de feminicídio foi diferenciado e necessário.
Estamos diante de um desafio de compreender o fenômeno no Rio Grande do
Sul e apresentar proposições. A produção do “Atlas dos Feminicídios” busca
contribuir para com o processo. Compreender o fenômeno é a saída para o
enfrentamento a violência letal contra as mulheres e meninas gaúchas.
(*)Cristina Maria dos Reis Martins é Doutoranda em Políticas
Pùblicas e bacharela em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), Mestre e Bacharela em Economia pela Universidade do Vale dos
Sinos (UNISINOS) e membra do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania
(GPVC-UFRGS).
Suelen Aires Gonçalves é Socióloga, Doutoranda em Sociologia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mestra em Ciências Sociais
Pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) e bacharela
em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), membra do
Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania (GPVC-UFRGS) e do Grupo de Estudos
sobre o Pensamento das Mulheres Negras Atinuké.
[3] O Mapa da Violência é uma coletânea de
estudos publicados desde 1998, sobre violência no Brasil. Mais recentemente, as
pesquisas são realizadas pela FLASCO (Faculdade Latinoamericana de Ciências
Sociais). Sendo que o sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz é o responsável por
elas.
[6] O termo foi utilizado pela primeira vez por
Diana Russel em 1976, perante o Tribunal Internacional Sobre Crimes Contra as
Mulheres, realizado em Bruxelas, para caracterizar o assassinato de mulheres
pelo fato de serem mulheres. O feminicídio já é considerado como crime
específico em países da América Latina, como o México e o Chile. Ele é
descrito, nesses países, como o assassinato intencional de mulheres por homens,
em função de seu gênero, em meio a formas de dominação, exercício de poder e
controle sobre suas vidas. Ver LAGARDE, 2004.
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