Menos de um mês após assinatura,
trabalhadores cruzam os braços e denunciam violações. Em Jirau e Santo
Antônio 43 mil fazem greve.
Por Bianca Pyl, Daniel Santini e Carlos Juliano Barros, enviado a Rondônia.
São Paulo e Rondônia - Apresentado pela
presidente Dilma Rousseff no começo deste mês como um "novo paradigma"
nas relações entre trabalhadores, empresários e governo o Compromisso
Nacional para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria
da Construção não provocou até agora mudanças significativas no setor
(leia o discurso da presidente e o texto do acordo na íntegra). Problemas graves persistem, mesmo nas grandes obras, para as quais o texto foi prioritariamente pensado.
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Foto: Carlos Juliano Barros |
Assembleia de trabalhadores de Jirau realizada nesta segunda-feira.
A
situação é especialmente delicada nos canteiros das hidrelétricas de
Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, duas das principais
obras do país,nos quais cerca de 43 mil operários fazem greve - 18 mil
em Jirau e 25 mil em Santo Antônio, de acordo com a Federação Nacional
dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Fenatracop). Em
ambos, a mobilização tem como principal reivindicação aumento salarial e
de benefícios.
Um operário de Jirau ouvido pela Repórter Brasil
conta que, por ter esquecido o crachá, foi agredido na portaria do
canteiro de obras. "Um policial me pegou pela camisa e o outro já chegou
metendo a mão no meu peito", diz, afirmando ter sido machucado pelas
agressões que se seguiram à abordagem inicial. "Tem uma foto minha
escarrando sangue. Registrei e fui para a delegacia fazer um Boletim de
Ocorrência", relata.
Em Santo Antônio, onde, em junho de 2010, o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) registrou 196 infrações
trabalhistas no canteiro do empreendimento liderado pelas empresas que
compõem o consórcio Santo Antônio Energia, os responsáveis se
desdobram para evitar que as reclamações e protestos afetem a imagem do
grupo de grandes empresas. Ao mesmo tempo em que procuram administrar a
paralisação, as construtoras tentam credenciar o empreendimento para a venda de créditos de carbono.
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Foto: CJB |
Tanto em Jirau quanto em Santo Antônio, principal reivindicação é aumento salarial.
Os
problemas se agravam, no entanto, e ganham repercussão. Frente às
seguidas denúncias recebidas, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Serviço Pastoral do Migrante (SPM)e a
Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho escolheram
como tema para um debate nesta semana na Igreja Catedral de Porto Velho
as "Violações de direitos humanos e trabalhistas nas Usinas do Madeira."
Representatividade
Apesar de ter sido
anunciado como um acordo que mudaria as relações trabalhistas na
construção civil em todo o Brasil, o compromisso foi assumido apenas por
nove empresas, que puderam optar por segui-lo por obra e não como um
nova política permanente. Hoje, o acordo abrange dez obras (veja
tabela).
Isso em um contexto em que paralisações acontecem de Norte a
Sul. Segundo a Fenatracop, 138,5 mil trabalhadores do setor entraram em
greve recentemente. Muitos permanecem. A maioria das mobilizações, 75%,
afetou as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde, de acordo com a
federação, "salários e condições de trabalho são piores e a
informalidade é a regra".
Construtora | Obra |
Andrade Gutierrez | UHE Belo Monte |
Camargo Correa | UHE de Jirau |
Constran | Perimetral Codesp |
Carioca Christiani Nielsen | Recuperação Dique 2 do Estaleiro Unhaúma Petrobrás |
Galvão Engenharia | Estádio Castelão e Ampliação da Refinaria Paulínia |
OAS | Canal do Sertão |
Queiroz e Galvão | Tanque 3 Petrobras, no Porto de São Sebastião |
Norberto Odebrecht | UHE Santo Antônio |
Mendes Junior | Porto de Dunas |
Soma-se
a greve de 43 mil em andamento em Rondônia, paralisações em pelo menos
mais duas obras de construtoras que acabaram assinando o acordo: na da
usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará (com a participação de 2 mil
trabalhadores), e na do Estádio Castelão, no Ceará (2,5 mil). Entre os
principais objetivos do compromisso, que foi assinado em 14 de fevereiro
após uma negociação que envolveu 19 reuniões em 9 meses, está a
ampliação da capacidade de representatividade dos trabalhadores nas
grandes obras no país.
Além da presença permanente de
representantes sindicais para a "resolução imediata de questões
envolvendo patrões e empregados, favorecendo a produtividade e o bom
andamento das obras" - conforme comunicado da Secretaria-Geral da
Presidência da República, o acordo prevê a criação de uma Mesa Nacional
Tripartite Permanente para a Melhoria das Condições de Trabalho,
reunindo autoridades, empresários e trabalhadores.
"O consenso na
formulação do Compromisso é um importante passo na construção de uma
relação menos conflituosa entre empregadores e trabalhadores. O
documento prevê a representação sindical no local de trabalho, que além
de representar o atendimento a um pleito histórico dos trabalhadores,
certamente será um importante instrumento na prevenção de conflitos",
defende o ministro do Trabalho, Paulo Roberto Pinto, em entrevista por
e-mail à Repórter Brasil.
A estratégia não tem,
porém, dado os resultados esperados. Em Jirau, a tentativa de ampliar o
diálogo fracassou e os próprios representantes dos sindicatos que
tentaram intermediar as negociações acabaram vaiados pelos
trabalhadores. Na segunda-feira, dia 26 de março, a assembleia em que
era discutida a continuidade ou não da greve foi encerrada com operários
atirando objetos contra o carro de som.
Compromissos
Entre
os compromissos assumidos pelas empresas está a adoção de medidas
preventivas para garantir o cumprimento de direitos que já estão
previstos na legislação. A principal é em relação à contratação de
trabalhadores. Para evitar o aliciamento de trabalhadores por
intermediários nem sempre bem intencionados, os gatos, prática comum em
projetos de grande porte que mobilizam grandes contingentes de
migrantes, o documento prevê que as empresas devem "sempre que possível"
tentar utilizar o Sistema Nacional de Emprego (Sine), criado e
gerenciado pelo governo federal.
Apesar de ampliar a possibilidade de
fiscalização e controle de infrações por parte do Estado, a mera adoção
de tal método não é por si só uma garantia, já que há casos de
aliciadores que se aproveitam da própria estrutura oficial, conforme reportagem publicada em dezembro de 2010.
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Foto: Bianca Pyl |
Boleto bancário utilizado para cobrar vítima de aliciamento.
As
subcontratadas das construtoras nas obras também devem seguir as
diretrizes adotadas. Além de medidas já previstas na legislação, que
devem ser cumpridas pelas empresas com ou sem acordos específicos, o
compromisso prevê ainda que as empresas devem custear deslocamento,
alojamento, alimentação e atendimento médico de urgência e emergência e
assumir todos os gastos da etapa inicial de seleção, bem como ações
para formação e qualificação dos empregados. Também estão previstas
medidas relativas à segurança do trabalhador, como a criação de
comissões permanentes nas obras.
O acordo é visto com reservas
mesmo pelos sindicalistas que participaram da negociação. O fato de as
construtoras poderem escolher a adesão por obra é um dos principais
problemas, de acordo com representantes de trabalhadores. "A empresa vai
aceitar o acordo onde interessa para ela, em obras com muitos
trabalhadores", disse Admilson Lucio de Oliveira, presidente da
Confederação Nacional dos Trabalhadores Nas Indústrias da Construção
(CNTIC), uma das signatárias. Ele diz que vê a abertura ao diálogo por
parte das construtoras como algo positivo, apesar da crítica.
Obras das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio atraem pessoas de vários Estados (BP).
Para
o vice-presidente da Federação Internacional dos Trabalhadores na
Construção e da Madeira para América Latina, Edison Bernardes, o acordo
peca por não avançar em pautas importantes para os trabalhadores da
categoria, como o piso salarial nacional e por proporcionar ganhos aos
trabalhadores por adesão e não de maneira generalizada. "Com certeza,
há avanços importantes para o setor, em alguns pontos que há
dificuldades para controlar, como o aliciamento de mão de obra", diz.
Auditores
fiscais também criticam a adesão por obra."É preciso uma uniformidade
na aplicação do Direito do Trabalho, algo que teria que ser nacional não
só pontual”, analisa Luiz Alfredo Scienza, auditor fiscal há 28 anos,
que trabalha no projeto de Construção Civil da Superintendência
Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul (SRTE/RS).
“Parece-me que [o pacto] visa que a obra não pare e para isso são
concedidos alguns direitos”, aponta.
Ele acredita que a iniciativa
de se estabelecer um acordo e um diálogo permanente entre as diferentes
partes envolvidas é importante, mas da maneira como foi feito, o
Compromisso afirma a “falta de estrutura do próprio Estado em
fiscalizar essas obras”. E defende que a área de Saúde e Segurança do
Trabalho dentro da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) – vinculada
ao MTE – precisa de melhor estrutura e pessoal. No Rio Grande do Sul,
segundo o auditor, de 35 auditores fiscais trabalhando neste setor em
1985, hoje são cerca de 20. "É preciso reconhecer a importância
estratégica deste setor”, ressalta, apontando a importância de prevenir
acidentes de trabalho e mortes.
Histórico
Um
dos principais articuladores do acordo estabelecido é José Lopez
Feijóo, assessor da secretaria geral da Presidência da República, hoje
encabeçada pelo ministro Gilberto Carvalho. Segundo ele, foram os
seguidos problemas nas obras das hidrelétricas do Rio Madeira nos
últimos anos que fizeram o governo se preocupar em articular um acordo
voltado para as grandes obras. "Há enormes investimentos em obras de
energia e infraestrutura, e mesmo em infraestrutura social como o
[programa] Minha Casa, Minha Vida. O que aconteceu em Santo Antônio e
Jirau nos chamou a atenção para a necessidade de um acordo", diz,
referindo-se à revolta de trabalhadores em março de 2011.
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Foto: Bianca Pyl |
Construção de barragem de Jirau é uma das principais obras do país.
De
acordo com ele, o compromisso tem, conforme a presidente Dilma
anunciou, potencial para gerar mudanças significativas. "Serão cumpridos
direitos constitucionais que hoje praticamente ninguém exerce. No
acordo fica claro, por exemplo, que o trabalhador não pode ser demitido
se recusar a exercer algo que coloca em risco saúde. Na medida em que
adere a um acordo, a empresa assume um compromisso público que vai ter
que cumprir. E o sindicato passa a contar com mais um instrumento que
não tinha anteriormente".
José Lopez participou da primeira
comissão de fábrica da montadora Ford, em São Bernardo do Campo, na
década de 1980, e pretende aproveitar a experiência de sindicalista para
formular e articular outros pactos nacionais em diferentes categorias.
Entre os setores em que o governo estuda fazer novos acordos estão os
dos bancários, petroleiros e aeroportuários.
"Não
diria que ele serviu de inspiração, cada um a seu tempo. O texto atual é
diferente pela própria natureza diferente do setor, mas é evidente que a
experiência de negociação naquele momento pesou. Tudo acaba
contribuindo", completa o assessor da Secretaria Geral da Presidência.
Assim como no acordo atual, o fim da intermediação nas contratações foi apresentado na ocasião como um dos principais avanços no compromisso da cana.
FONTE:http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=2022