sábado, 7 de junho de 2014

“Regulamentação da prostituição nos tira debaixo do tapete”, diz Monique Prada - Notícias de Ontem.


Monique Prada começou a trabalhar como garota de programa aos 19 anos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Samir Oliveira e Natália Otto
Conhecida pela disposição em debater a profissão, a prostituta Monique Prada acredita que a regulamentação das casas de prostituição está gerando discussões na sociedade e tirando as garotas de programa da invisibilidade. “A regulamentação nos tira debaixo do tapete. Há alguns anos, jamais imaginaria que isso seria possível”, afirma.
Nesta entrevista ao Sul21, Monique Prada fala sobre a profissão e defende uma maior organização entre as garotas de programa. Mas reconhece que há um longo caminho a ser percorrido e denuncia as perseguições que as prostitutas sofrem quando começam a tentar politizar a profissão. “É uma profissão onde, quanto menos tu falas, melhor”, critica.
Monique também rebate os posicionamentos de feministas contra a prostituição e entende que, para além da crítica, é preciso fornecer alternativas concretas a quem deseja deixar a profissão.
“A intenção é sempre ficar pouco tempo, mas não há um caminho de saída. E não vejo alguém se preocupando em criar esse caminho”
Sul21 – Quando tu começaste?
Monique Prada – Sempre tive muita curiosidade, mas comecei aos 19 anos. Por conta de um casamento, parei por um tempo. Retornei há uns quatro anos.
Sul21 – Qual teu objetivo ao ingressar na prostituição?
Monique – Ofereciam um salário mínimo e meio por dia. Eu ganhava um salário mínimo, mais 10%, por mês. Foi uma escolha fácil, comecei a trabalhar em uma das primeiras agências do ramo.
Sul21 – Hoje, com bastante experiência na área, o que tu pensas sobre a profissão?
Monique – Não vejo como uma profissão, vejo como uma passagem. Não é algo que se deve fazer por muito tempo. Conheço muita gente desse meio, talvez eu seja uma das pessoas que mais conhece a área no Rio Grande do Sul. E, nesse período, posso dizer que conheci menos de dez pessoas que conseguiram concluir o que desejaram, que entraram na prostituição, ficaram um tempo, conseguiram completar estudos e sair. É uma profissão da qual se sai pela aposentadoria por idade ou por morte. A intenção é sempre ficar pouco tempo, mas não há um caminho de saída. E eu não vejo alguém se preocupando em criar esse caminho.

“Tem muita universitária que faz programa, mas tem pouca garota de programa que consegue estudar” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Por que não se consegue sair?
Monique – Cada caso é um caso. Mas, em geral, espera-se ganhar muito dinheiro na prostituição. E ninguém ganha o suficiente. E também não se consegue estudar. Tu acabas ficando presa ao teu trabalho, ao teu telefone. Tem muita universitária que faz programa, mas tem pouca garota de programa que consegue estudar. Tenho amigas que não têm o primeiro grau completo. Ninguém que eu conheço consegue economizar uma grande quantia de dinheiro para sair da profissão. Um outro caminho para parar é conseguir um casamento. Talvez seja o mais comum, mas não é uma alternativa que dê independência à mulher. Muitas vezes, a prostituta se casa e continua reproduzindo uma relação de inferioridade, como se ainda devesse alguma coisa ao homem. O ideal é conseguir trocar de profissão através da formação. Casamento não é emprego. Hoje se fala muito sobre regulamentar as casas de prostituição, mas ninguém encontra um caminho para tirar as pessoas disso, principalmente as que estão na rua.
Sul21 – Tu falaste que é muito difícil juntar uma grande quantia de dinheiro. Muitas pessoas acreditam que é uma profissão fácil, utilizada para conseguir muito dinheiro.
Monique – Quem está nas ruas ganha menos ainda. Se tem uma ideia de que será possível ter uma vida luxuosa. Há um incentivo à essa ideia de glamour da prostituição, principalmente a partir da Bruna Surfistinha. A mídia também glamouriza muito. Lembro de uma minissérie antiga em que a Malu Mader interpretava uma acompanhante. As meninas acham que vão conseguir comprar o que quiserem. Não é bem assim, existe um preço. Não é uma profissão como outra qualquer. É preciso ter uma estrutura emocional acima da média para conseguir sair disso ilesa.
“Uma vez, eu e mais cinco ou seis garotas de programa combinamos de subir os cachês ao mesmo tempo. Houve uma revolta, nos acusaram de formação de cartel”
Sul21 – Os cachês cobrados são muito baixos?
Monique – Depende. Eu cobro o topo do mercado, de R$ 200 a R$ 300 por hora. É pouco, considerando que há um investimento enorme em maquiagem e academia. Mas essa não é a realidade da maioria, que costuma cobrar bem menos. Uma vez, eu e mais cinco ou seis garotas de programa combinamos de subir os cachês ao mesmo tempo. Houve uma revolta, nos acusaram de formação de cartel e nos ameaçaram com processos.
Sul21 – Foi uma tentativa de organização? Como é a relação entre colegas? Há uma noção de unidade ou é cada um por si?
Monique – É cada um por si. Não apenas pela concorrência, mas porque não temos tempo para nos reunirmos. Tínhamos um fórum, mas é complicado, começam a nos perseguir. Meu site já foi infectado por vírus. Se começarmos a ficar muito unidas, dá problema. É uma profissão onde, quanto menos tu falas, melhor. E também há uma distância entre as meninas da rua e as que estão na internet. Quem está na rua acha que a nossa rotina é mais leve. Isso dificulta a organização da categoria, que poderia trazer mais segurança e conhecimento entre nós.
Sul21 – Os clientes temem uma organização das prostitutas?
Monique – Existe um fórum de discussão na internet que visa à troca de informações sobre acompanhantes dentre usuários do serviço. É um canal que já tem 10 anos e surgiu com a importante função de defender o cliente de práticas abusivas por parte das agências – que enviavam meninas diferentes das fotos postadas, por exemplo – e para a troca de informação e recomendações sobre atendimento das garotas. Infelizmente, com o passar dos anos, o fórum perdeu essa função. O que se vê lá hoje em dia são meia dúzia de foristas sérios… E uma maioria de relatos falsos, postados por garotas e/ou seus agentes, visando “queimar” concorrentes e melhorar sua divulgação. Acompanhando este fórum, eu percebo que alguns homens tem receios em relação a nossa organização. Já fomos, por exemplo, acusadas de “formação de cartel”, por termos, umas poucas de nós, subido os cachês no mesmo mês. Isso gerou um tópico onde se perguntavam: “se elas podem se organizar, por que nós não podemos?”. E Gerou também ameaças por MSN e reações interessantes por parte de alguns moderadores, que queriam a todo o custo que postassem “os nomes das vacas” que estariam participando deste “abuso”. Não vejo motivo real para o cliente comum de acompanhantes temer alguma organização – mas aqueles que desejam que sigamos suas regras tem, sim, receio disso.

“A única segurança que as gurias realmente têm são os motéis” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Como as garotas de programa lidam com questões de segurança?
Monique – O trabalho de quem está em site é bem tranquilo, marcamos os programas por telefone e vamos até os motéis, que possuem segurança. Não conheço nenhum caso de morte por cliente. Normalmente, a morte é pelos namorados das meninas. Teve um semestre em que eu perdi minha melhor amiga e outras sete meninas foram mortas por seus companheiros em Porto Alegre. A única segurança que as gurias realmente têm são os motéis. Quem está na rua está desamparada. Tem o pessoal que vende droga, os namorados e o pessoal que assalta na volta. Então elas estão muito mais vulneráveis em relação aos clientes e aos namorados.
“Eu alugo meu tempo, não vendo meu corpo”
Sul21 – E como é em relação às casas de prostituição?
Monique – O problema das casas é que não há nenhuma garantia de que a menina vá receber, por isso o projeto do Jean Wyllys é importante. Não adianta fingir que as casas não existem. Mesmo em casas de luxo, só se recebe no final da semana.
Sul21 – Como tu vês a relação dos donos das casas com a prostituta? É uma relação de exploração?
Monique – Depende do caso. Uma casa que cobra R$ 200 pelo encontro e paga somente R$ 80 para a menina é exploradora. As casas precisam existir – sem elas, muita gente não ia conseguir trabalhar. Mas da maneira que elas existem hoje, não são boas para quem trabalha. O projeto de regulamentação fixa que 50% da renda do programa fica com a garota. Acho uma boa medida. Com a regulamentação, a menina poderá cobrar o que a casa lhe deve. Hoje, se a casa não quiser pagar nem um real no final da semana, a pessoa não recebe. A garota não tem a quem recorrer.
Sul21 – Com a regulamentação, seria possível, na prática, mudar essa realidade? O que garante que os donos das casas cumpram a lei?
Monique – Temos mecanismos para fazer com que respeitem a lei. Acredito que, com a regulamentação, muitas casas irão quebrar, pois terão que repassar os custos para o cachê.
“Se todas as mulheres que fazem programa desaparecerem, o patriarcado desaparece junto? Não”
Sul21 – Como tu vês os argumentos das feministas radicais, que afirmam que a regulamentação da prostituição naturaliza o conceito de exploração da mulher, como objeto, pelo homem?
Monique – Eu não admito a prostituição como ela ocorre hoje. Eu alugo meu tempo, não vendo meu corpo. Tem gente que insiste nessa ideia de vender o corpo. Nesse caso, a prostituição institucionaliza o patriarcado? Mas eu te pergunto: e se nós desaparecêssemos? Se todas as mulheres que fazem programa desaparecerem, o patriarcado desaparece junto? Não. É preciso mudar a forma como a prostituição é vista, porque ela não vai acabar. É preciso dar consciência às mulheres para mudar essa situação. O primeiro passo é mostrar às meninas que elas não são obrigadas a fazer tudo que os clientes pedem. Elas não sabem disso. É preciso dar a elas a consciência de que elas também têm direitos e autonomia sobre o próprio corpo. Essa mudança só pode vir de dentro da categoria.

” Se elas são vítimas, que façam com que deixem de ser vítimas através de ações positivas” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – As feministas, em geral, costumam enxergar a prostituta como uma vítima.
Monique – As pessoas falam como se a menina tivesse somente aquela possibilidade, como se fosse uma coitada. Mas não dizem como dar outras possibilidades a ela. Se só existe essa possibilidade, essas pessoas estão cometendo um crime ao querer tirar a menina da prostituição sem oferecer nenhuma outra alternativa. Fecha-se todas as casas e as meninas voltam para suas cidades natais, com o estigma de ter saído de lá para ser prostituta. É isso? Se elas são vítimas, que façam com que deixem de ser vítimas através de ações positivas.
Sul21 – Mas tu concordas com o conceito de vitimização?
Monique – Não. Todos somos vítimas de alguma coisa. A menina que sai do fim do mundo para trabalhar em Porto Alegre como babá é uma vítima. Às vezes, as meninas entram na prostituição sem a consciência do que isso significa. Apenas dizer que elas são vítimas sem dar outras alternativas não ajuda em nada.
Sul21 – Outro argumento contrário à prostituição critica o estabelecimento de uma relação mercantil em torno do sexo.
Monique – Por que não se pode cobrar por sexo, se todo mundo pode fazer sexo sem cobrar? É um argumento moralista. Quando colocam esse argumento para mim, algumas mulheres pensam que o homem é um bobinho, um coitado induzido a fazer sexo comigo porque eu coloco meu anúncio em algum site. O homem pode escolher se quer sair comigo ou não. Esse tipo de pensamento põe o homem e a mulher em posições babacas. O sexo é, quase sempre, um jogo de poder. Mesmo quando não envolve dinheiro, há alguma negociação em torno do sexo. Tem o pensamento de que dando mais para o marido, ele será mais feliz ou obediente. O sexo sempre é utilizado para manipular alguma coisa.
“Se começamos a nos organizar, nos tornamos um problema para alguns clientes e para quem acha que a discussão da prostituição é prejudicial”
Sul21 – Como tu vês a necessidade de políticas públicas para a categoria?
Monique - Precisamos de políticas públicas, especialmente em relação à saúde e educação. Sabemos que precisamos estudar, mas não sabemos como. Sabemos que precisamos encontrar outros caminhos, mas não sabemos como. A regulamentação ajuda porque nos tira de baixo do tapete. Eu fico dando check-in no Foursquare aqui e ali para mostrar que estou entre vocês. É preciso tirar as prostitutas debaixo do tapete para que possa ser feito alguma coisa em relação a nós. Somente o debate em torno da regulamentação já está nos dando mais visibilidade. Há alguns anos, jamais imaginaria que isso seria possível.

“Vínhamos tendo conversas, havia reuniões na minha casa, mas, de repente, um vírus infectou meu site e todo mundo ficou com muito medo” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Tu falas abertamente sobre a profissão, mas não parece haver muitas prostituas dispostas a este debate.
Monique – Temos medo, inclusive de trabalhar menos. Eu acredito que trabalho menos quando me exponho mais. Conseguimos debater alguma coisa pela internet, até pelo Twitter, mas é difícil. Algumas prostituas enxergam esse tipo de movimento como uma atitude contra o homem. Entendem que não podem ir contra o homem, senão não irão receber. É difícil convencê-las a debater.
Sul21 – A tua vida mudou desde que tu começaste a falar abertamente sobre a profissão?
Monique – Meu público alvo mudou e percebi uma reação concreta a mim no fórum. É proibido falar de mim lá, nem contra, nem a favor. Eu não existo. É uma reação muito clara. Se começamos a nos organizar, nos tornamos um problema para alguns clientes e para quem acha que a discussão da prostituição é prejudicial. Essa clareza de posição a meu respeito dá um pouco de medo nas outras meninas, que preferem não falar muito comigo. Toda vez que começo a conversar demais com uma menina, surgem comentários negativos sobre ela.
Sul21 – Com o debate em torno da regulamentação, tu te sentes mais disposta a falar?
Monique – As prostitutas estão na mídia, elas existem, isso já é algum ponto. E as redes sociais ajudam muito. Mas ainda é complicado. Me convidam para eventos, mas prefiro não aparecer. Imagina, então, as outras meninas. No ano passado, me convidaram para um evento. A ideia era ir para um debate, mas algumas pessoas entenderam errado. Acharam que eu estava lá para animar o evento. Não sou animadora de eventos. A partir daí, parei um pouco de me expor.
“Quando os clientes negros ligam para marcar um programa, eles costumam avisar que são negros, porque estão acostumados com o preconceito”
Sul21 – É possível criar uma entidade que organize as prostitutas em Porto Alegre?
Monique – Com muita dificuldade. Vejo o NEP (Núcleo de Estudos da Prostituição) como uma organização muito fechada. Precisamos de algo mais moderno. Não seria uma organização contra os homens, seria um caminho para debates sobre educação e saúde, por exemplo. Vínhamos tendo conversas, havia reuniões na minha casa, mas, de repente, um vírus infectou meu site e todo mundo ficou com muito medo. Para conseguir organizar essa entidade, precisaríamos de um apoio maior, de fora da categoria, de alguma força governamental, talvez da academia. Seria importante que alguém comprasse essa briga, mas não vejo muitas condições para que isso se concretize.

“A prostituição não é exclusivamente feminina. Seria bom se pudesse ser encarada como algo feito por mulheres e por homens também. | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – No teu Twitter, tu comentaste sobre o racismo que existe na profissão. Muitas mulheres não aceitam sair com homens negros?
Monique – Isso acontece. Tem clientes que não saem com meninas que comentaram no fórum que saíram com clientes negros. E algumas meninas dizem que não saem com negros por questão de gosto pessoal. Mas não é gosto pessoal, é racismo. Ninguém rejeita clientes gordos, por exemplo. E quando os clientes negros ligam para marcar um programa, eles costumam avisar que são negros, porque estão acostumados com o preconceito. Tive um cliente que conheci na vida pessoal. Ele só tinha namoradas loiras, falava mal das mulheres negras, era racista. Mas, quando ligava para a agência, só queria saber das “novidades negras”. Isso é racismo, tem a ver com questões de dominação, é um resquício da senzala.
Sul21 – Como tu vês a lei sueca, que criminaliza a prostituição e seus clientes?
Monique – É outra situação. Entendo que não há suecas se prostituindo. Lá, há uma relação direta entre prostituição e tráfico de mulheres, especialmente romenas e latinas. Lembrando que a prostituição não é exclusivamente feminina. Seria bom se pudesse ser encarada como algo feito por mulheres e por homens também.

Matéria Relacionada:  Forum - Legalizar as casas de prostituição. http://maranauta .blogspot.com.br/2012/03/forum-legalizar-as-casas-de.html

Senado aprova a Política Nacional de Cultura Viva.

Uirá Porã, articulador cultural, integrante de pontos de cultura desde 2005, quando o Cultura Viva teve início, comemorou a aprovação, pelo Senado, do projeto de lei que transforma o programa em política pública. "Estamos um passo a mais próximos de conseguir que essa política seja institucionalizada e não corra mais riscos sob nenhuma Ana de Hollanda. É um reconhecimento dos próprios pontos enquanto centro da política cultural", diz.

O ativista, que acompanhou a tramitação do PL desde a proposição, em 2011, elogiou o percurso político para aprovação do texto. Para ele, a atuação da deputada Jandira Feghalli (PCdoB-RJ), que propôs o texto da Câmara, foi muito importante. "Ela soube colaborar com a sociedade, deixando o protagonismo para a rede de pontos de cultura, que fez passeatas e caravanas a Brasília", analisa.

Para ele, porém, a sociedade deverá ficar atenta à regulamentação, o ponto mais importante do projeto. "Aí sim a gente vai discutir como o Cultura Viva vai funcionar. A regulamentação vai demandar muita discussão, pois a lei é abrangente. Vai ser uma batalha. Teremos que definir como vai funcionar a questão dos kits multimídia, dos recursos digitais, coisas, a meu ver, fundamentais", diz.

Senado
O Senado aprovou na quarta-feira (4) o substitutivo ao Projeto de Lei da Câmara (PLC) 90/2013, que institui a Política Nacional de Cultura Viva. O texto original, de autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), transforma em política de Estado o programa desenvolvido pelo Ministério da Cultura desde 2005.

O programa promove a produção e difusão da cultura, além do acesso aos direitos culturais dos diferentes núcleos comunitários de cultura. A iniciativa é viabilizada por meio dos chamados “pontos de cultura”, entidades não governamentais sem fins lucrativos que desenvolvem ações culturais continuadas na comunidade.

Compreende ainda os “pontões de cultura”, espaços culturais ou redes regionais e temáticas que articulam os pontos de cultura. A proposta permite a parceria entre ambos com escolas de ensino fundamental e médio de todo o país, para a divulgação de suas ações e bens culturais.

Mais cedo, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) tinha aprovado o substitutivo do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) que levou em conta emenda apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) e sugestões repassadas pelo Ministério da Cultura. A emenda de Ferraço limita a três anos a renovação de projetos aprovados dos pontos e pontões de cultura. A intenção é permitir maior segurança e comprometimento das entidades que utilizarão dinheiro público para realização de suas atividades.

Ao defender as mudanças aprovadas na CCJ, no Plenário, Inácio Arruda ressaltou a quantidade de artistas populares que participam dos pontos de cultura no país.

Já o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) apresentou parecer conjunto sobre o projeto e as emendas em substituição às Comissões de Assuntos Econômicos (CAE)  e de Educação, Cultura e Esporte (CE). Para ele o projeto é compatível com a Constituição, que determina ao Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o pleno acesso às fontes da cultura nacional.

O senador também destacou o estímulo ao protagonismo social na elaboração e gestão das políticas culturais e sua gestão compartilhada e participativa, além do sucesso do programa.

"Ao se tornar política pública facilita a relação do Estado com essa enorme e belíssima diversidade cultural que temos em nosso país que, sem dúvida, é uma das nossas maiores riquezas", disse Rollemberg.

A tramitação do projeto foi acompanhada no Senado pela ministra da Cultura, Marta Suplicy, e pela secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério, Márcia Rollemberg. Aprovado sem emendas, o substitutivo agora retorna para análise da Câmara dos Deputados.

Berzoini: Os grandes meios de comunicação estão apoiando o PSDB.

Por Redação - junho 6, 2014.
Berzoini: Os grandes meios de comunicação estão apoiando o PSDB
(Crédito da foto de capa: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
Em entrevista a blogueiros e ativistas digitais, o ministro falou sobre eleições, desmilitarização das polícias, reforma política e, sobretudo, democratização da mídia. “Como cidadão e agente político, entendo que a grande mídia no Brasil tem lado e é historicamente contra as conquistas dos trabalhadores”.

Edição por Renato Rovai, da Fórum Semanal
O ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República, Ricardo Berzoini, esteve na noite da última sexta-feira (30/5) com vários blogueiros e ativistas digitas em São Paulo, para uma conversa que durou aproximadamente três horas. A primeira parte dela, ocorreu uma entrevista, que está reproduzida a seguir.
Berzoini respondeu sobre tudo o que foi indagado e não teve receio de expor opiniões de caráter pessoal em casos que o governo ainda não tem posição fechada. Por exemplo, defendeu a regulação democrática da mídia, disse que a esquerda parlamentar não passa de 100 a 120 deputados, falou de problemas no “excesso de defensividade” do governo e reconheceu que o PT tem dificuldades para dialogar atualmente com a juventude, mas acredita que isso seja um problema geracional. A entrevista que segue talvez seja a mais ampla já concedida por um ministro do governo Dilma Rousseff.
Confira:
Paulo Salvador (Rede Brasil Atual) - Ministro, exatamente o que é que faz a Secretaria de Relações Institucionais (SRI)?
Ricardo Berzoini - Esta é uma boa pergunta. Ela tem duas atribuições fundamentais, a de fazer toda a relação de governo com o Congresso Nacional, acompanhar toda a pauta de votações, articular com as bancadas, debater as demandas das bancadas, dos deputados e prever quais serão, junto com o conjunto dos ministérios, as demandas prioritárias do governo com o Congresso no próximo período. A outra parte é a relação com prefeitos e governadores. Ou seja, toda a relação institucional, orçamentária, política, legislativa com prefeitos e governadores é feita através da SRI.
Evidentemente, como a Secretaria é um ministério-meio, ela se apoia e é apoiada pelo conjunto do governo. Qualquer assunto que a gente tenha que tratar sempre tem relação com alguma área do governo e tenho que buscar o apoio do ministro ou da ministra da área.
Renato Rovai (Revista Fórum) - Tem uma questão que talvez não diga respeito diretamente à sua secretaria. Quando o Fernando Henrique deixou o governo, ele falou que o Lula ia ter que enfrentar, como ele havia enfrentado a inflação, a questão da segurança pública. E acabou que naqueles oito anos teve um  enfrentamento indireto, com um grande investimento em programas sociais. Mas, agora, as ruas estão dizendo que este é o grande tema do país. Uma questão que os nossos leitores têm pautado muito é a da desmilitarização das polícias militares. E este debate não está sendo assumido por este governo.
Berzoini – Primeiro, esse é um tema que não é só de segurança pública. É da cultura da violência na sociedade. Acho que é um debate que nos interessa a todos, porque temos assistido a uma série de episódios que reforçam o sentimento de que há uma cultura da violência, e não uma cultura da paz. No Brasil, saiu uma estatística recente de que temos mais de 55 mil homicídios por ano. É assustador. Somadas às mortes no trânsito, são 112 mil pessoas. Não há dúvida de que essa é uma discussão importante.
Outra discussão importante é o que foi feito nesse tempo no que é atribuição federal. Primeiro, o governo Lula organizou a Força Nacional, que é um instrumento importante de apoio para os Estados e para a própria política nacional de segurança; fortaleceu a Polícia Federal em equipamentos, efetivos e remuneração, e foi o primeiro governo que construiu presídio federal para assegurar não só um pulmão para o sistema estadual, mas para assegurar que se tenha um instrumento penitenciário federal para tratar de determinados tipos de criminosos que precisam de um aparato de segurança diferenciado. Agora, evidentemente, você tem razão, talvez não tenhamos avançado mais no debate, até porque ele é extremamente difícil. A Polícia Militar é uma herança da ditadura, de uma cultura de polícia ostensiva e militarizada. Já houve esse debate antes do governo Lula, surgiu várias vezes durante os governos Lula e Dilma, mas a gente tem dificuldade de avançar porque há uma resistência muito grande nos estados de se discutir essa questão de uma maneira mais objetiva. A desmilitarização não é a solução, em minha opinião, para tudo na segurança pública, mas é um passo fundamental, inclusive da política de direitos humanos.
Professor Sérgio Amadeu (UFABC) - Qual é a agenda do governo para o país nos próximos meses? Quais as questões políticas mais importantes que estão colocadas para o governo Dilma? Como é o planejamento político do governo? O governo tem planejamento político? Tem uma agenda que todos os ministros ou um núcleo duro do governo têm de enfrentar? Que agenda é essa então, ministro?
Berzoini - Estamos em um ano eleitoral, em um período pré-eleitoral, com uma Copa do Mundo no meio e com uma série de demandas legislativas do parlamento, com as quais estamos dialogando, mas há vários assuntos em votação no Congresso Nacional que são iniciativas parlamentares, algumas com as quais o governo tem concordância, outras não, e nós estamos dialogando com elas. O governo, nesse período de três anos e meio, tem tido uma agenda extensa no Congresso Nacional e dialogou com outras demandas do próprio Congresso. Na parte previdenciária, na trabalhista… Por exemplo, acabamos de aprovar uma PEC histórica, que é a do trabalho escravo. Aprovamos várias mudanças do ponto de vista administrativo, como, por exemplo, a que instituiu o RDC [Regime Diferenciado de Contratações], que, em minha opinião, é um avanço extraordinário em relação à Lei 8.666. Mas depois da Copa a agenda será a da eleição, onde o povo brasileiro vai ser chamado a decidir para onde quer que o país vá. Então, tem uma agenda programática de eleição, que é uma tarefa do PT e dos partidos aliados, e vamos debater o futuro do Brasil a partir do próprio processo eleitoral.
berzoini
Ricardo Berzoini (de terno, à esquerda) assumiu a Secretaria de Relações Institucionais em abril. Antes, cumpria mandato como deputado federal. Já havia presidido duas pastas: Previdência Social e do Trabalho e Trabalho e Emprego. Também já foi presidente do Partido dos Trabalhadores (PT)
Renata Mielle (Barão de Itararé) - O senhor colocou muito bem a questão da dificuldade de enfrentar a pauta da segurança, que é uma pauta democrática, e tem uma herança da ditadura militar. Eu queria ampliar um pouco essa pergunta e pedir sua avaliação. Considero que existem três pautas de cunho democrático que em nossa recém-democracia não conseguiram avançar. A primeira é a questão da forma das políticas de segurança; a segunda, a da reforma política; e a terceira, a da democratização dos meios de comunicação. Qual é a grande dificuldade que o Estado brasileiro – e eu acho que a sociedade brasileira – tem em enfrentar essas pautas, que são democráticas, mas acabam sendo passadas para a população como antidemocráticas. Como o governo vê isso?
Berzoini - Em relação a essas pautas, temos que organizar a sociedade para que ela possa, primeiro, compreender o que está em jogo e se movimentar a favor ou contra as propostas colocadas. Eu participo do debate da reforma política desde 2002. No debate da reforma política, estou absolutamente convencido, e a presidenta Dilma também está, de que precisamos de um movimento mas amplo da sociedade. Não se pode ficar tentando fazer a reforma política em grupo de trabalho e comissão especial no Congresso, porque a fragmentação partidária que vivemos no Congresso é consequência dessa situação. Sem mobilizar ninguém fica o status quo, porque os deputados, todos nós, somos eleitos, inclusive os do PT, por esse sistema que está aí. E conhecemos as regras e cada um sabe como se movimentar nesse sistema. Se não tiver pressão de fora pra dentro – e eu tenho defendido isso desde o ministério em 2008-, não haverá mudança importante. Isso vale para as outras duas pautas também.
A pauta da regulação democrática dos meios de comunicação, da democratização do acesso à expressão e da garantia para a sociedade de que ela terá mecanismos de proteção contra os abusos, é uma pauta que precisa ser tratada como uma pauta da sociedade. É claro que o governo tem que ter posição, os partidos têm que ter posição. Não estou tirando da reta, mas precisamos fazer o embate político, cada um com seu ponto de vista. Mas a sociedade precisa ter  [esse embate] – e aí significa as entidades todas pautarem como um ponto central nas suas agendas.
Paulo Nogueira Batista (Diário do Centro do Mundo) – O senhor é a favor da regulamentação dos meios de comunicação?
Berzoini: Sou favorável à regulamentação para o cumprimento do que está na Constituição. O artigo 220 da Constituição, até o 224, na minha opinião, é uma formulação avançada, mas conceitual. Se não regulamentar, eles não têm efetividade. E é interessante para matar de vez essa discussão de que querem controlar conteúdo, fazer censura, porque a primeira formulação é exatamente a seguinte: não haverá lei que possa limitar a liberdade de expressão, de comunicação. Enfim, aquilo que a gente defende. O que nós estamos querendo discutir é qual é o papel social da comunicação no Brasil. Qual é o papel econômico da comunicação. E como a sociedade, da mesma forma que em Portugal e na Inglaterra, por exemplo, pode se proteger dos abusos.
Paulo Nogueira Batista - O Aécio já disse que é contra a regulação, o Eduardo Campos também, com aquele belo argumento, inclusive que foi dado pela Dilma, de “troca o canal”, que é de um cinismo, de um farisaismo imenso, e o PT está querendo que o governo encampe isso. Quais as chances de a Dilma encampar a defesa da regulação da comunicação?
Berzoini - Essa é uma pergunta para ela responder, mas posso dizer com tranquilidade o seguinte: quando alguns candidatos dizem que são contra, parece que eles estão querendo lançar cantadas para os meios de comunicação. O que nós estamos dizendo é que existe uma convicção por parte da sociedade brasileira de que a censura é uma coisa abominável e qualquer restrição à liberdade de expressão é abominável. O que nós queremos é discutir o papel social de um sistema que é gerador de muita receita e muito lucro e que, no Brasil, em função da situação histórica, que veio da ditadura militar também, é altamente concentrador de renda e de poder. Hoje, ele se concentra na mão de algumas famílias, que têm o poder de dizer o que vai ao ar e de colocar muito lixo para ser veiculado. E não divulgar o que é a realidade cultural do país. Então, é uma questão de indústria, não estamos discutindo só democracia, mas indústria também. Quando discutimos os modelos  existentes no mundo, isso fica desmistificado. Porque a Inglaterra recentemente modificou sua legislação e Portugal, menos recentemente, também. E são modelos interessantes para serem discutidos. Quem faz com que o cidadão tenha direito a ter acesso à informação, à cultura e a conteúdo que permita que ele se beneficie disso, assim como a água tem que ser cuidada pela Agência Nacional das Águas. A água em São Paulo não é um bom exemplo, mas no Brasil é.
Paulo Nogueira Batista - Há alguma chance de a campanha da Dilma assumir isso também?
Berzoini - Veja bem, não quero responder a sua pergunta porque eu não posso falar pela Dilma.
Renato Rovai - Mas o senhor vai defender internamente que ela coloque isso no seu próximo programa de governo?
Berzoini - Vou defender dentro do partido e dentro da coalizão que esse seja um tema com esse viés democrático e que se afaste qualquer debate sobre controle de conteúdo, porque o risco político dessa questão é a oposição e a mídia nos carimbarem como defensores da censura.
Eduardo Guimarães (Blog da Cidadania) - Mas o Lula, no encontro nacional dos blogueiros, foi muito claro, contundente: “essa é uma pauta e estamos nela”, ele disse. A pergunta do Paulo é mais ou menos na mesma linha da minha. Eu o entrevistei faz um mês, pelo telefone, e publiquei que o senhor estaria chegando ao ministério e que teria sido convocado para endurecer o jogo. E agora há pouco lhe perguntei se teria algum reparo ao que eu escrevi e o senhor disse que não. A questão é a seguinte: eu já notei, e você também deve ter notado, que frequentemente a mídia, por um período, dá uma no cravo. Na verdade, dá 58 mil no cravo e uma na ferradura, para dar uma disfarçada…
Berzoini: Me mostra essa na ferradura (risos).
Eduardo Guimarães  - Eu costumo dizer que essa mídia tem lado. Você concorda comigo?
Berzoini - Concordo completamente. Como cidadão e agente político, entendo que a grande mídia no Brasil tem lado e é historicamente contra as conquistas dos trabalhadores. Foi contra a criação do salário mínimo, contra todos os avanços da Constituição de 88, ajudou a organizar o Centrão em 88. Então, é uma mídia que tem lado do ponto de vista partidário e é contra quem está organizando a classe trabalhadora para melhorar a situação dos trabalhadores no país. Ela sempre apoiou o neoliberalismo de maneira radical. Várias dessas empresas tinham interesses econômicos nas privatizações e vão ter lado na eleição de 2014. Eu posso dizer com tranquilidade que os grandes grupos de comunicação do país estão apoiando o PSDB. Não tenho dúvida disso.
Miguel do Rosário (Blog “O Cafezinho”) - No governo Fernando Henrique, houve um almoço, um café da manhã – você deve se lembrar disso -, entre o Fernando Henrique e todos os barões da mídia, onde ele dizia que o apoio que recebia da mídia era tanto que ficava até chato, era até covardia… 
Berzoini - Estou aqui para responder por mim. Posso dizer com tranquilidade que eu tenho convicção de que os grandes meios de comunicação do país têm lado e operam politicamente a pauta dos seus meios de comunicação, impressos ou eletrônicos.
Miguel do Rosário - Desculpe insistir, é que essa questão é central para a gente. Eu até estava com a Renata agora na USP, num encontro com estudantes, diretores de DCEs do Brasil inteiro, e todos eles são extremamente comprometidos com essa pauta. Sem querer ser pedante ou acadêmico, até porque eu não sou acadêmico, mas a questão da concentração da mídia é uma agressão frontal ao princípio democrático, e a nossa mídia muitas vezes se autopromove como paladina da democracia e tenta pintar qualquer crítica a ela como antidemocrática, quando é absolutamente o contrário disso. Os grandes teóricos da democracia no mundo falam da questão da agenda política. Se você tiver poucos atores determinando a agenda política, como a mídia faz no Brasil, você não tem uma democracia. Queria saber se o senhor entende que a questão da concentração da mídia no Brasil é um déficit democrático gravíssimo que afronta a soberania popular e que isso aí é uma questão que tem que ser enfrentada corajosamente pelos governos no Brasil, como foi enfrentada já pela Comunidade Europeia, pelos Estados Unidos, pela Inglaterra, pelo mundo democrático inteiro?
Berzoini - Concordo, com um único reparo: enfrentado pelo governo e pela sociedade. O governo tem um papel importante como liderança política, como porta-voz de um programa que vai às urnas, mas nós não podemos apostar só no viés institucional tradicional. Nós precisamos manter uma estratégia de mobilização popular para que as pessoas compreendam o que está em jogo.
Renata Mielli - E o senhor avalia que essa mobilização popular não é suficiente hoje?
Berzoini -Acho que ela é pequena. Tanto é que, vamos pensar em termos de agenda para as eleições de 2014, quantos candidatos vão disputar a eleição com base nessa plataforma? Nessa da reforma política e da questão da democratização da mídia…
Renata Mielli - Aí volta aquela questão, que é o problema de enfrentar a pauta democrática… Só que a sociedade sozinha tem dificuldade de fazer uma grande mobilização sem que o governo assuma o seu papel. O governo também não contribui no sentido de estabelecer a discussão pública para que a gente fortaleça ainda mais a mobilização da sociedade…
"[Junho] surpreendeu a todos. O governo, o parlamento, as centrais sindicais, os sindicatos, o Movimento Sem Terra, a mídia. Todo mundo se surpreendeu. Não teve ninguém que não ficou surpreso." (Foto: Mídia NINJA)
“[Junho] surpreendeu a todos. O governo, o parlamento, as centrais sindicais, os sindicatos, o Movimento Sem Terra, a mídia. Todo mundo se surpreendeu. Não teve ninguém que não ficou surpreso.” (Foto: Mídia NINJA)
Berzoini - Eu não estou excluindo a responsabilidade do governo, o governo é um agente importante, mas não é suficiente.
Dennis Oliveira (Blog Quilombo – ECA-USP) - A perspectiva de relação do governo com os movimentos sociais, isso é uma coisa que me preocupa. Por exemplo, nas conferências participativas, a quantidade de resoluções que efetivamente viraram políticas sociais é muito pequena. Qual é a relação efetiva que o governo tem com os movimentos sociais? A minha avaliação é que no atual governo houve um retrocesso nessa relação. Então, fica muito difícil a gente mobilizar a sociedade civil em prol de política quando a gente percebe que existe uma certa dificuldade de relacionamento do governo com a sociedade civil. 
Berzoini - O governo Lula deu um salto muito grande com as conferências e isso continuou, talvez num patamar um pouco inferior, no governo Dilma. Não tenho um diagnóstico das razões que levaram a isso, mas acho que esse é um caminho fundamental para a formulação de políticas públicas e, ao mesmo tempo, para estabelecer o processo de mobilização social. Qual é a questão que está colocada? Nem sempre a composição dos movimentos sociais se expressa de uma maneira objetiva no enfrentamento legislativo. E o governo também é de coalizão, não é um governo só das forças de centro-esquerda ou de esquerda. Então, acho que tem que fazer a sintonia fina e refinar a relação do Poder Executivo com os movimentos sociais, buscar uma estratégia mais objetiva em relação a como se faz a contraposição entre o que os movimentos defendem, o pensamento da sociedade e a expressão legislativa disso.
Sérgio Amadeu - Nós tivemos um enfrentamento recente numa questão muito técnica, muito difícil, na verdade uma desgraça, que era o debate sobre Marco Civil. Era algo muito difícil de se explicar para a sociedade e, além disso, havia contradições internas do governo Dilma. O ministro das Comunicações, por exemplo, era contra a nossa visão do Marco Civil. Mas a presidenta Dilma, depois das denúncias do Snowden, talvez meio confusa,  percebeu que a internet é um negócio comunicacional violento, assumiu essa pauta e travou o debate no Congresso. O Marco Civil potencializou e virou. Então, a luta política hoje no Brasil não vai ser tranquila em nenhuma questão. Vai ter que ter enfrentamento. E no caso da pauta do Marco Civil, a Globo foi derrotada junto com as teles. A questão é: se o governo não pautar agora, na eleição, a democratização da mídia, depois ela não vai andar.
Berzoini - De acordo. E não é só esse tema, o dos meios; é o tema da reforma política: se a gente não conseguir traduzir de uma maneira inteligível pelo menos para 10 ou 15% da população brasileira o que está em jogo, não vamos conseguir pautá-lo depois. Nós vivemos impasses políticos que inviabilizam alguns avanços fundamentais. Por exemplo: a reforma tributária. O Brasil tem o sistema tributário mais perverso entre as 20 maiores economias do mundo e o foco central dessa questão está no imposto dos Estados, no ICMS. Se você não mexer no ICMS, não consegue mexer no restante, porque o ICMS tem um peso tão grande que ele engessa o sistema. A reforma tributária está lincada com a questão dos meios de comunicação e com a reforma política.
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“Tem gente que não quer Copa porque nós temos problemas. Mas em 2002 nós comemoramos a Copa do Mundo e o Brasil tinha 50 milhões de brasileiros na miséria. Ninguém na hora do gol do Ronaldo falou: ‘pô, eu não vou comemorar porque tem 50 milhões de pessoas na miséria.’”
Conceição Oliveira (Blog da Maria Frô) -  O senador Linderbegh Farias, do PT, é autor da PEC da desmilitarização da PM. É uma PEC importante para a gente e ela não entra na pauta do governo. É a mesma coisa com a democratização da mídia: muita gente do governo reproduz um discurso que a gente vê na oposição, o do “mude o controle remoto”, como se a gente tivesse opção…
Berzoini - Eu não estou discutindo o controle remoto. Eu vou pelo viés da indústria e da democracia; o controle remoto é o menos importante…
Maria Frô - É o menos importante porque a gente tem concessões públicas que são privatizadas.
Berzoini - E que são instrumentos de geração de riqueza, de receita e lucro…
Maria Frô - E que concentram receita de publicidade, como a Globo. Quando a gente fala em democratização, dizem que a gente está censurando. Mas aqui alguém recebe um centavo desse governo? Esse discurso é tão calhorda… Mas o pior é que a gente tem um partido aliado do governo que entra no Supremo Tribunal Federal, como o PTB, contra a única coisa que a gente conseguiu regular na comunicação, que é a classificação indicativa. É absurdo. A T V produz um monte de barbárie, uma cultura da violência absurda, e a gente tem um governo que ficou 12 anos no poder e não contribuiu em nada da para esse debate.
Berzoini - Tem um déficit neste campo. Agora, é preciso lembrar o seguinte,  nós conseguimos eleger – e é uma arte isso – três presidentes identificados com as teses do avanço democrático, da questão da redistribuição de renda, mesmo com tudo isso. Vamos lembrar o seguinte: ter o Poder Executivo não significa necessariamente ter hegemonia do processo político. E aí em determinados momentos, como no do Marco Civil, quando houve uma série de elementos conjunturais e circunstanciais que levaram a uma vitória, podia ter levado a uma derrota.
Maria Frô - Após 12 anos no poder, o PT finalmente vai discutir democratização da comunicação?
Berzoini - O PT já está discutindo há mais tempo. Quando presidente do partido, participei de vários eventos de discussão de democratização dos meios de comunicação. Democratização e a discussão do papel econômico. Agora, obviamente, o PT é um pedaço do governo e vários participantes da nossa coalizão têm opiniões bastante antagônicas em relação àquilo que o PT defende e a que nós dos movimentos sociais defendemos.
Haroldo Ceravolo (Opera Mundi) - Vários governos latino-americanos assumiram o protagonismo para produzir novas políticas públicas. Por exemplo, o Mujica [presidente do Uruguai], na área da legalização da maconha. Em que áreas o governo identifica que pode assumir o protagonismo, como aconteceu no Marco Civil?
Berzoini - Depende do que você chama de protagonismo. No caso do Marco Civil, como falei, uma série de circunstâncias levaram o governo a priorizar essa questão. O tema não era necessariamente uma prioridade antes de surgir a denúncia do Snowden. Acho que esses temas são caros à esquerda e aos governos populares e precisam ser trabalhados com um grau de planejamento. E um planejamento evidentemente flexível, porque você tem que saber dialogar com a conjuntura internacional e nacional, que pode  permitir criar condições de avanço num cenário político muito contraditório. Por exemplo, se você pegar a composição da base do governo, a esquerda é minoria. A esquerda, toda somada e com muito boa vontade, tem 120 deputados, numa base que dá 360, 370. Por isso que disse que não quero me limitar ao cenário legislativo. Eu sei que a mobilização social é difícil, mas necessária. Eu fui dirigente sindical e participei de várias entidades sociais, sei das dificuldades de mobilização e que ela também é variável, de acordo com as circunstâncias e conjunturas. Sei que é difícil manter determinados movimentos e que é difícil obter apoio da opinião pública por muito tempo. Mas, em alguns momentos, você consegue acertar o eixo e o momento. E aí você cresce e consegue inclusive influenciar.
Nós acabamos de aprovar no Senado Federal – e vocês conhecem a composição do Senado – , a questão da PEC do Trabalho Escravo. Mas levou 14 anos. A PEC do Trabalho Escravo começou quando éramos oposição ainda. Atravessamos todo o governo Lula, aprovamos no segundo turno na Câmara no governo Lula e só agora aprovamos no Senado. Mas foi aprovada condicionada a uma lei que vai dizer o que é trabalho escravo, o que para nós é claro, mas que não é claro para o conjunto do Poder Legislativo.
(Foto: Mídia NINJA)
A desmilitarização [da polícia] não é a solução, em minha opinião, para tudo na segurança pública, mas é um passo fundamental, inclusive da política de direitos humanos.” (Foto: Mídia NINJA)
Wagner Nabuco (Caros Amigos) - Nenhuma grande reforma no Brasil anda se o Executivo não puxar, com mobilização ou sem mobilização, por causa da força, da tradição do Estado no Brasil. O PT muitas vezes é realpolitik, pragmático, e, em nome da governabilidade, deixou de forçar em momentos que acho que ele poderia forçar mais a barra. Se não forçar em nome da governabilidade e da aliança, nós vamos continuar assim e vamos ser atropelados pela rapaziada. Se o PT ganhar a eleição, que vai ser dura, terá uma tarefa e tanto pela frente, que é realizar a regulação da radiodifusão, não é regulação da mídia impressa…
Berzoini - Desse jeito que você está falando a gente acaba negando tudo o que foi conquistado nesses últimos 12 anos…
Paulo Nogueira Batista -  Acho uma mentalidade muito ruim considerar tudo complicado. Tem que fazer, vamos fazer.  E nessa linha, pergunto, olhando para o PT especificamente: ao deixar de fazer coisas fundamentais, será que isso não tirou muito do apelo do PT? O PT não se tornou um partido obsoleto? Que jovem que se encanta com o PT hoje?
Berzoini - É difícil mesmo, eu não estou passando uma visão de acomodação. Eu quero ser realista aqui. Nós temos que enfrentar a vida como ela é. E na vida como ela é temos três eleições presidenciais onde acumulamos força e uma série de conquistas importantes que são reconhecidas por parcela expressiva da sociedade, mas com a limitação de composição parlamentar e com as limitações dos movimentos sociais em termos de mobilização. Temos que ter essa visão para poder, a partir desse diagnóstico, fazer o planejamento para o que queremos. Porque não é verdade que vem outra turma e atropela, porque não atropelou até agora. Até porque não tem projeto político-partidário. E o que expressa a democracia no Brasil, para além do que a mobilização social aponta, é a representação político-partidária.
O PT foi bem-sucedido no seu acúmulo de forças que levou a essa transformação social que nós não renegamos, com todas as contradições da nossa base parlamentar, de governabilidade etc. Porque conseguimos acumular forças para viabilizar, junto com outros parceiros, uma agenda social que nem aqueles que eram contra tiveram capacidade de se organizar para ser contra. Embora dissessem é “bolsa-esmola”e tal, agora dizem “vamos aperfeiçoar o bolsa-família”. Mas em alguns temas, e isso não é só no Brasil, esbarramos nas contradições de um país de 27 estados, com sistema bicameral, com uma representação política distorcida, com financiamento privado de campanha, com uma justiça eleitoral que interfere duramente nas eleições, especialmente nos estados menores. Por isso, temos a humildade de dizer que tudo que a gente conseguiu de avanço político e social nesses 12 anos não foi pouca coisa. E tudo isso que a gente fez é apenas um pequeno passo diante do que queremos para atingir uma sociedade democrática. Então você está conformado porque não tem jeito, é assim mesmo? Não, estou dizendo que essa é a realidade que se apresenta.
Não cresceu nenhuma força à esquerda do PT, nenhuma força cresceu nesses 12 anos, do ponto de vista de representação social real. O PT tem as suas contradições, tem a sua burocratização, a sua institucionalização, a sua tendência a ir para o mundo do Estado e se afastar em parte dos movimentos sociais, mas também é ainda o que temos de mais expressivo na esquerda brasileira.
Renato Rovai - Às vezes, fico olhando para o cenário federal e vejo que, também, há um nível de burocratização das pessoas que estão no governo, algumas já há 10, 12 anos, e me pergunto se a maquininha de correlação de forças que esse povo usa não está meio descalibrada.
Berzoini - Na verdade, é uma maquininha de moer carne, você tem uma agenda, uma demanda brutal…
Renato Rovai - Às vezes você chega lá e as pessoas falam da correlação de forças, mas como elas medem isso? Como eu disse, parece tudo tão burocrático…
Berzoini - Eu só não quero usar a régua de junho do ano passado para discutir isso, porque junho tem um aspecto de alta vitalidade e expressão de insatisfações, mas também tem o aspecto conservador.
Renato Rovai - Mas, convenhamos, junho surpreendeu muito o governo, que talvez estivesse com uma análise equivocada da correlação de forças…
Berzoini - Surpreendeu a todos. O governo, o parlamento, as centrais sindicais, os sindicatos, o Movimento Sem Terra, a mídia. Todo mundo se surpreendeu. Não teve ninguém que não ficou surpreso.
Renata Mielli - Eu queria voltar a falar um pouco do governo, mas não vou focar na discussão da democratização da comunicação. Você já elencou muitas conquistas e a gente poderia elencar muitas outras – Pró-Uni, Luz para Todos, Mais Médicos etc. Só que nós estamos no meio, ao fim e ao cabo, de uma disputa política ideológica na sociedade…
Berzoini – … brutal..
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“A verdade é que eu queria fazer política no Uruguai, que você atravessa o país de carro em meio dia. No Brasil, é mais complexo; temos um eleitorado de 140 milhões de pessoas e não é simples pensar em um sistema de consulta que não seja meramente formal.” (Foto: Mídia NINJA)
Renata Mielli - E o governo parece não querer fazer diretamente essa disputa política e ideológica, inclusive em torno das suas conquistas. E aí tenho dois exemplos pontuais: a Copa, um debate que nós já perdemos, e a questão da Petrobrás, na qual o governo também não está enfrentando o debate da forma que poderia e deveria. Qual a sua avaliação sobre essa dificuldade do governo de mostrar aquilo que fez, porque fez e defender um projeto político de nação mais amplo?
Berzoini - Essa é uma pergunta difícil de ser respondida, porque você tem um conjunto de estruturas de governo que tem a responsabilidade de fazer isso. Você tem a questão da ação política do governo, que não é só da presidenta, mas do conjunto dos ministros, das estatais, dos partidos que compõem o governo, das forças sociais que o apoiam. E muitas vezes você percebe uma defensividade injustificável. Por exemplo, na questão da Petrobrás, foram três ou quatro semanas de absoluta imobilidade. Eu, ainda como deputado, coloquei um bannerzinho no Facebook comparando a Petrobrás no governo neoliberal e no governo Lula e ele teve 558 mil visualizações. E eu tinha 8 mil seguidores. Quer dizer, um negócio absolutamente desproporcional. Eu vi gente reproduzindo no Brasil inteiro e fora do Brasil. Não consigo explicar e nem entender porque em alguns momentos se prefira a defensividade quando temos milhares de argumentos para enfrentar esse povo que quebrou o Brasil, que queria vender tudo, onde tinha um monte de gente operando, num governo em que o Daniel Dantas jantava no Palácio do Alvorada. Então, nós temos de enfrentar esse povo. Esse povo é o atraso, do atraso, do atraso. E o Aécio deu a senha quando jantou com parcela do empresariado financeiro e disse que não tem medo de tomar medidas impopulares. Por quê? Porque ele passou a vida tomando medidas impopulares. Ele ganhou duas eleições ao governo de Minas sem ir a um debate, e agora ele vem falar que a Dilma não quer ir a debates? A Dilma vai a vários debates, quem tem medo do debate é ele.
Joaquim Palhares (Carta Maior) - Por convicção política, considero que oposição não ganha eleição – governo perde eleição. Eu reconheço que teve “n” ganhos nesse país, mas depois de 12 anos ele não é democrático. Isto aqui é um horror, um escândalo, e ajudamos que isso acontecesse. Esse é o drama. Aos meus 67 anos, fico me perguntando se valeu a pena. A presidenta da República é a personificação da antipolítica. Isso é uma doideira. Os banqueiros neste país nunca ganharam tanto dinheiro. É um horror. Eu quero ser pontual numa coisa que não depende de lei, que não depende de regulação da mídia, que não depende de nada, que depende sabe do quê? De uma caneta. Por que não mexer na questão das verbas publicitárias?
Berzoini - O que você está fazendo é defender uma tese política. Neste sentido eu não tenho como responder.
Felipe Althenfelder (Mídia Ninja) - Sem medir junho com uma régua, como você falou, mas aquele movimento teve um conjunto de reivindicações que, a meu ver, a presidenta Dilma, de uma maneira muito feliz, reconheceu. As ruas trouxeram as pautas do meio ambiente, da mobilidade urbana, do direito à cidade, da reforma política, da reforma da mídia, dos direitos humanos e uma bandeira muito forte da desmilitarização da polícia. Eu acredito que essas pautas ainda continuam legítimas nas ruas e elas não são de direita. Parece-me que o risco da direita voltar à condução do país está mais sendo alimentado com o distanciamento do governo dos movimentos do que pelos movimentos na rua.
Berzoini - Quero qualificar o que eu falei da régua. É que junho foi um processo de tantas expressões desencontradas que cabia muita coisa ali e pouca coisa, digamos. Tinha centralidade política. A não ser a questão que foi o estopim, o do custo do transporte público. Mas naquele processo também tinha muita gente de direita, que aproveitou a oportunidade para buscar desestabilizar o país. E a nossa prioridade era a estabilidade. Chegou um certo momento em que aquilo virou um banquete antropofágico.
O que é quero dizer, pegando na linha do Palhares: apesar dos problemas, valeu muito a pena. E nós temos o que defender. Agora, na nossa alma indignada, sempre fica aquela coisa – “mas não tratou desse assunto”. Eu, como bancário, também me incomodo por não se ter tratado da questão do sistema financeiro. Eu, como lutador na questão da reforma tributária, embora tenhamos feito muita coisa em termos de tributos, também gostaria que tivéssemos feito uma grande reforma estrutural nessa área. E quando isso acontece, há uma tendência de se jogar sempre para a presidenta ou para o governo o ônus de não se ter feito tal coisa. Mas o fato é que não se pode dar um passo sem ter uma estratégia de médio e de longo prazo. E o governo lida com 50 assuntos simultaneamente, dos mais fáceis de discutir aos mais difíceis. São 50 na mesa do dia e mais outros 50 que vão entrar amanhã.
Então, é mais ou menos como o pessoal da esquerda chilena com relação ao Concertación. No final do primeiro governo da Bachelet, havia um grande desgaste, um ceticismo. As pessoas diziam que aConcertación já tinha dado o que tinha que dar. Aí o Piñera ganhou. Foram quatro anos que mostraram que esse negócio de Concertación não era tão ruim assim. Porque, obviamente, a correlação de forças da sociedade chilena também tinha limites. Como também tem no Brasil, e como tem em outros países. Ou a Argentina vive, com tudo que se possa verificar de avanços, um mar de rosas no campo político? Não vive. Assim como na Europa, que acabou de sair de uma eleição do Parlamento Europeu bastante difícil e tem que ser analisada por nós.  Nós temos que pensar o seguinte: como é que organiza esse sentimento que foi para as ruas em junho, de maneira dispersa e confusa, mas que era um sentimento assim – “eu quero mais saúde, quero mais educação, quero mais trabalho, quero mais democracia, quero mais”. O sentimento é o seguinte: que avançou, avançou, mas eu quero mais.
Valter Sanches (TVT) - Acho que nós tivemos um grande mérito. Se a gente voltar no tempo, há quatro anos, em 2010, estava num momento mágico, em que o Brasil, nos oito anos de Lula, tinha recuperado a autoestima do povo brasileiro. Essa era uma coisa subjetiva e não eram só as conquistas…
Berzoini - Até porque, no enfrentamento da crise mundial, o Lula deu um show.
Valter Sanches - Ele deu um show de administração. Então, ficou aquilo de que o Brasil conseguiu sair melhor do que os outros, de que o pobre também pode e tal. Esse era o sentimento em 2010, com crescimento econômico, óbvio. E essa dose diária de veneno pingado pela mídia tradicional conseguiu destruir isso. Hoje, parece que a gente vive no pior país do mundo. Qual que é o grande problema? A mídia conseguiu destruir aquele orgulho do brasileiro. Para mim, essa é a principal diferença entre a Dilma e o Lula. O Lula precisava menos de regulação da mídia, porque ele compensava com o carisma dele. E também com o diálogo, que é o que a gente pede hoje, com os movimentos sociais tradicionais. É verdade que hoje existem dezenas, centenas de movimentos horizontais, transversais, que não são convencionais, mas a grande maioria deles tem uma visão civilizatória que coincide com o campo da esquerda. Se o governo dialogar com eles, acho que nós podemos ganhar muito com isso.
Berzoini - Eu acho que, nesse caso, a questão geracional é decisiva. O que tenho falado nas reuniões que participo é o seguinte: é bom lembrar que estamos há 12 anos no governo federal. Eu tenho uma filha de 19 e um filho de 15, então faço formação política em casa. O fato é que um partido com 34 anos não é novidade para mais ninguém. No começo era novo, agora não. Agora, precisamos ter mais conteúdo e apresentar mais realizações. Há toda uma geração que já nasceu com o PT existindo. E o PT não é uma conquista para eles. Para nós é conquista, fui eu que ajudei a fundar. E na época não tinha nem discussão de juventude do PT porque éramos todos jovens. Eu estou convencido de que o nosso grande desafio é afirmar conceitos. O cidadão que vai hoje numa UPA ou UBS e marca uma consulta para daqui a seis meses tem todo o direito de se revoltar contra o prefeito do PT, contra o governador do PT ou de outro partido. Mas também precisamos pensar um pouco no que o filme do PT, de uma maneira muito competente, contrapôs: como era antes. Tem gente que não quer Copa porque nós temos problemas. Mas em 2002 nós comemoramos a Copa do Mundo e o Brasil tinha 50 milhões de brasileiros na miséria. Ninguém na hora do gol do Ronaldo falou: “pô, eu não vou comemorar porque tem 50 milhões de pessoas na miséria”. Hoje não tem 50 milhões de pessoas na miséria.
Sérgio Amadeu - Vou fazer uma pergunta e uma reclamação. Primeiro a reclamação. Quando nós chegamos no governo Lula, um governo mais permeável ao que eu chamo de pauta de esquerda ou pauta autonomista, conseguimos avançar muito com tecnologia aberta e software livre. E em relação a isso, o governo Dilma retrocedeu. Agora a minha pergunta é: já que você faz articulação política institucional, está no seu horizonte defender uma mudança mais radical na democracia representativa, defender a abertura para uma democracia mais direta? O que você pensa disso? O PT pretende botar isso no centro da campanha? Porque tenho certeza de que, se o Parlamento tivesse mais permeabilidade para a sociedade, a direita perdia mais.
Berzoini - Eu vou dar a minha opinião pessoal. Neste caso é só pessoal mesmo. Eu não sei o que pensa todo mundo em relação a esse assunto. A minha opinião está expressa inclusive em discurso no Congresso e em artigos que fiz. Acho que, ou a gente evolui na forma de combinação de democracia participativa com a representativa, ou os impasses da maior parte do mundo vão se acentuar. E como fazer isso? É estabelecer alguma forma que permita às pessoas se sentirem participantes o tempo todo. Como fazer não é fácil, mas temos que pensar uma forma, elaborar. Nós inventamos o Orçamento Participativo na escala municipal, mas isso hoje já é pouco. A verdade é que eu queria fazer política no Uruguai, que você atravessa o país de carro em meio dia. No Brasil, é mais complexo; temos um eleitorado de 140 milhões de pessoas e não é simples pensar em um sistema de consulta que não seja meramente formal. Como você consegue abrir espaços que não precisam ser necessariamente de dezenas de milhões, mas que possam ser de quem está interessado em determinado assunto e que tenha capacidade de articulação para isso. A tal da consulta pública pode ser muito mais eficaz desde que você consiga atingir uma base maior, não fique só naquele ambiente do lobby.