*Por
Alexandre Nodari, Eduardo Sterzi, Eduardo Viveiros de Castro, Idelber
Avelar, Pablo Ortellado, Ricardo Lísias e Veronica Stigger.
A
liberdade de expressão moderna é indissociável da invenção da imprensa,
ou seja, da possibilidade de reproduzir mecanicamente discursos e
imagens, fazendo-os circular e durar para além daquele que os concebeu.
A
própria formação da esfera pública, bem como do ambiente de debate
científico e universitário, está umbilicalmente conectada à
generalização do acesso aos bens culturais.
Sem a disseminação da
diversidade e do confronto de opiniões e de teorias, a liberdade de
expressão perde seu sopro vital e se torna mero diálogo de surdos,
quando não monólogo dos poderosos.
A
internet eleva ao máximo o potencial democrático da circulação do
pensamento. E coloca, no centro do debate contemporâneo, o conflito
entre uma visão formal-patrimonialista e outra material-comunitária da
liberdade de expressão. Tal cisão, bem real, pareceria manifestar-se no
conflito entre direitos autorais e direito de acesso.
Estes não são,
porém, necessariamente antagônicos, pois o prestígio moral e econômico
de um autor ou de uma obra está, em última análise, ligado à sua
visibilidade. São incontáveis os exemplos de escritores e editoras que
não só se tornaram mais conhecidos, como tiveram um incremento na venda
de suas obras depois que estas apareceram para download. O público que
baixa livros é o mesmo que os compra.
Assim, o verdadeiro
conflito não é entre proprietários e piratas, mas entre monopolistas e
difusionistas. A concepção monopolista-formal dos direitos autorais está
embasada na ideia de que aquilo que confere valor à obra é a sua
raridade, o seu difícil acesso; já a difusionista-democrática se ampara
na inseparabilidade de publicidade e valor. A internet favorece a
segunda concepção, uma vez que a existência física do objeto cultural
que sustentava a primeira vai sendo substituída por sua transformação em
entidade puramente informacional. Desse modo, também se produz uma
transformação da natureza das bibliotecas. As novas bibliotecas virtuais
se baseiam no armazenamento e na disseminação tais como as antigas
bibliotecas materiais, mas oferecem uma mudança decisiva porque a
estocagem depende da distribuição e não o contrário: é a difusão que
garante o armazenamento descentralizado dos arquivos.
É uma
biblioteca sem fins lucrativos e construída nesses moldes modernos e
democráticos que se acha sob ameaça devido ao processo movido pela
Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), sob o pretexto
de infringir direitos autorais. O alto preço dos livros, o
desaparelhamento das bibliotecas públicas e o encarecimento do xerox
levaram um estudante universitário a disponibilizar online textos
esgotados ou de difícil acesso para seus colegas. A iniciativa cresceu,
atraiu a atenção de estudantes e professores de todo o país e se tornou a
mais conhecida biblioteca virtual brasileira de textos acadêmicos,
ganhando prestígio comparável ao site “Derrida en castellano”, que
sofreu processo semelhante e foi absolvido nas cortes argentinas, como
esperamos que o “
livrosdehumanas.org” o será pela Justiça brasileira.
Os
defensores da concepção patrimonialista dos direitos autorais costumam
pintar cenários catastróficos em que a circulação irrestrita de obras
gera esterilidade criativa. No entanto, ignoram, ou fingem ignorar, que
os textos nascem sempre de outros textos e que o autor é, antes de tudo,
um leitor. Hoje, lamentamos a destruição das grandes bibliotecas do
passado, como a de Alexandria, e das riquezas que elas protegiam.
Poupemo-nos de chorar um dia pela aniquilação das bibliotecas virtuais e
pela cultura que elas podiam ter gerado.
*Alexandre Nodari é
doutor em Teoria Literária pela UFSC e editor da Cultura e Barbárie
; Eduardo Sterzi é
escritor e professor de Teoria Literária na Unicamp
; Eduardo Viveiros de Castro é antropólogo e professor do Museu Nacional/UFRJ
; Idelber Avelar é
crítico literário e professor da Tulane University (Nova Orleans, EUA)
; Pablo Ortellado é
professor
de Gestão de Políticas Públicas e de Estudos Culturais na USP,
coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à
Informação (Gpopai)
; Ricardo Lísias é
escritor, autor de “O céu dos suicidas”, entre outros
; Veronica Stigger é
escritora,
professora de História da Arte na FAAP, coordenadora do curso de
Criação Literária da Academia Internacional de Cinema (AIC).