Negócio da Petrobras trouxe prejuízo de 1 bilhão de dólares TCU
investiga compra e venda de refinaria da estatal de petróleo brasileira
no Texas, um dos piores negócios já feitos na história da empresa
Desde que assumiu a presidência da Petrobras, em fevereiro, a
engenheira Maria das Graças Foster, ou Graça, como é conhecida, já teve
de vir a público admitir o fiasco em dezenas de perfurações de poços ao
longo dos últimos oito anos e ainda dobrar-se diante da alarmante queda
no nível de eficiência de suas plataformas. Agora, o incômodo é um
daqueles esqueletos escondidos no armário pela gestão anterior que, uma
vez descobertos, tiram o sono.
O esqueleto em questão é uma refinaria comprada pela Petrobras em
Pasadena, no estado americano do Texas. O negócio é um dos mais
malsucedidos da história da estatal. Em 2006, a Petrobras comprou 50% da
refinaria, ficando a outra metade com a trading belga Astra Oil. A
parceria foi desfeita em junho passado depois de acirrada disputa
judicial. A Petrobras, então, adquiriu as ações da Astra Oil e ficou
como única dona da refinaria.
Não se entende por que pagou um preço tão alto por uma refinaria velha e defasada, que só dá prejuízo e dor de cabeça.
A estatal brasileira já enterrou em Pasadena cerca de 1,18 bilhão de
dólares. Quando, há seis meses, finalmente decidiu livrar-se dela,
pondo-a à venda, entendeu o tamanho do rombo. A única oferta recebida -
da multinacional americana Valero - foi de cerca de 180 milhões de
dólares, pouco mais de um décimo do valor pago.
Obviamente, Graça hesita
em aceitar a oferta, o que a forçaria a assumir publicamente o rombo
bilionário, mexendo em um vespeiro cujas reais dimensões estão sendo
investigadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Os detalhes do
negócio, aos quais VEJA teve acesso, ajudam a esclarecer por que, dentro
da própria estatal, pairam suspeitas de que o caso Pasadena pode não
ser um erro de cálculo, um mau passo de gestão, a que todas as empresas
estão sujeitas. Nada disso. A compra da refinaria tem o DNA para se
tornar um escândalo.
A primeira a levantar dúvidas sobre a transação foi a presidente
Dilma Rousseff, em 2008, quando era ministra da Casa Civil e comandava o
conselho da Petrobras. A estatal e sua sócia belga divergiam sobre a
condução da refinaria, e a Petrobras propôs comprar os 50% restantes.
Por quanto? Setecentos milhões de dólares, quase o dobro do que a Astra
pagara apenas dois anos antes.
Havia até relatórios de consultorias
avalizando as cifras. Mas a operação foi rechaçada pelo conselho. "Dilma
atacou a proposta e criticou duramente Sergio Gabrielli (então presidente da estatal) diante
de todos. Foi constrangedor", lembra um ex-diretor. Para esquivar-se
dos ataques, Gabrielli fez circular a versão de que o acordo havia sido
negociado pelo homem à frente da área internacional, Nestor Cerveró, sem
o conhecimento de mais ninguém da cúpula, nem dele próprio.
Nos
corredores da estatal, ouvia-se falar de uma certa "carta do Cerveró",
documento em que o diretor "entregava o ouro aos belgas". VEJA leu a
carta. Ela se junta aos demais documentos que indicam que a diretoria
comandada por Gabrielli agiu em benefício dos belgas e contra os
interesses da estatal brasileira.
A história revista com os dados disponíveis hoje é assustadora. A
Pasadena Refining System Inc. estava desativada quando foi comprada por
42,5 milhões de dólares pela Astra Oil, em janeiro de 2005. Além de
antiquada e pequena para os padrões americanos (com capacidade para 100
000 barris por dia), tinha outra limitação mais grave. Ela não estava
preparada para processar o petróleo brasileiro, o óleo pesado produzido
na Bacia de Campos.
Mesmo assim, o brasileiro Alberto Feilhaber, que
depois de duas décadas de Petrobras havia se tornado executivo da Astra
nos Estados Unidos, encontrou as portas abertas na estatal brasileira.
Em janeiro de 2006, Feilhaber conseguiu um feito notável mesmo para a
história de grandes e inexplicados negócios da indústria do petróleo.
Vendeu metade da planta de Pasadena à Petrobras por 360 milhões de
dólares. Uma valorização de 1 500%. "Foi um triunfo financeiro acima de
qualquer expectativa razoável", comemorou a própria Astra no balanço
daquele ano.
Mas não eram só as cifras que faziam da sociedade com a Petrobras um
negócio atraente para a Astra. Ficou combinado que as empresas
dividiriam o 1,5 bilhão de dólares necessário para adaptar a refinaria e
processar o óleo produzido no Brasil.
Em caso de divergência, a estatal
se obrigava a comprar a parte da sócia.
A Petrobras também garantiu à trading belga uma remuneração de 6,9% ao ano, mesmo em um cenário de prejuízo.
Diz o procurador do TCU Marinus Marsico: "Tudo indica que a Petrobras
fez concessões atípicas à Astra. Isso aconteceu em pleno ano eleitoral".
Concluindo que estava fácil arrancar dinheiro da Petrobras por causa do
contrato de pai para filho, os belgas decidiram sair da sociedade.
A
Petrobras se recusou a pagar os 700 milhões de dólares, preço com o qual
se comprometera com os belgas. Eles foram à Justiça americana exigir as
garantias contratuais. Quatro anos depois de romper com a sócia,
receberam ganho de causa na Justiça e, após um acordo, embolsaram mais
839 milhões de dólares pagos pela estatal brasileira.
Nestor Cerveró
continua na Petrobras, como diretor financeiro da BR Distribuidora.
Gabrielli, saiu da presidência em 2011 e é o atual secretário de
Planejamento da Bahia. Dilma Rousseff nunca mais tocou no assunto.
Ficou
tudo por isso mesmo, com o prejuízo sendo arcado, como sempre, pelos
sócios da Petrobras, entre eles, o maior, o governo brasileiro - ou
seja, a conta foi mandada para os cidadãos brasileiros.
Notícia publicada originalmente no dia 18.12.2012, em: