domingo, 14 de agosto de 2016

São Paulo. Agrotóxicos deixam rastro de malformações, câncer e morte pelo interior do Estado.

Agrotóxicos usados na monocultura da cana em SP elevam índices de adoecimento entre os agricultores e toda a população. (Arquivo/Portal Brasil)
Cida de Oliveira  Rede Brasil Atual
São Paulo – Cidades médias e pequenas do interior do estado de São Paulo, localizadas em meio a grandes extensões de terra com monocultura da cana e banana, entre outras, apresentam taxas de incidência de malformações congênitas e diversos tipos de câncer acima da média estadual.
Em Ribeirão Corrente, na região de Franca, o índice de malformações é 26 casos para grupos de 100 mil nascidos vivos – mais de três vezes maior que a do estado, que é de 8.2. Em Sandovalina, na região do Pontal do Paranapanema, onde há ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o índice é 21. Na cidade de São Paulo, totalmente urbanizada, a taxa é de 9.5.
“Em Franca, uma mulher que engravida tem 50% a mais de chances de ter um filho com malformação do que uma moradora de Cubatão, por exemplo. E nem precisa ser agricultura. Está comprovado por estudos que em 70% dos casos de malformação congênita as causas são ambientais”, diz o defensor público Marcelo Novaes, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Santo André, no ABC Paulista.
A incidência de câncer também é alta na zona rural. Em Bento de Abreu, na região de Araçatuba, há 18 óbitos por câncer cerebral para cada 100 mil habitantes. A taxa estadual é 6.6. “Essas cidades pequenas são fronteira entre o urbano e rural. Você sai da igreja matriz e já está numa plantação de cana, onde há pulverização aérea ou por tratores”, diz o defensor.
Ainda segundo ele, as taxa de mortes causadas por câncer de fígado é de 6.94 por 100 mil pessoas no estado, de 7.43 na capital paulista e de 20 em Turmalina, na região de São José do Rio Preto. Quase três vezes mais. “São cidades pequenas, com menos de 20 mil habitantes. Temos uma tragédia no interior paulista. As pessoas estão morrendo pelo veneno. Se antes se fazia excursão para o Paraguai, para compra de muamba, ou para Aparecida, para rezar na catedral, hoje se faz aos centros oncológicos”, compara.
Novaes se baseia no Observatório de Saúde Ambiental, uma plataforma de dados completos sobre utilização de agrotóxicos no estado, os tipos, as regiões, as culturas onde são empregados, bem como grupos populacionais afetados por doenças reconhecidamente desencadeadas pela exposição a esses produtos. O site interativo, que permite a criação de mapas em que é possível visualizar a distribuição das informações sobre o território paulista, foi desenvolvido por professores da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
“O mapa mostra o rastro de câncer em cidades em torno da via Anhanguera afora. Basta checar”, aponta Novaes, destacando que a Secretaria Estadual de Saúde, porém, nega todas essas evidências.
Conforme ressaltou ainda, o problema das pequenas cidades de São Paulo se repete no Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Paraná e outros estados com grandes áreas onde o agronegócio se instalou. Por isso, conforme acredita, agrotóxicos não deve ser tema limitado aos ambientalistas, e sim de conselhos tutelares, de defesa dos direitos da pessoa com deficiência, das mulheres e de toda a sociedade. “Precisamos fazer uma análise conjuntural desse projeto assassino que está em gestão em nosso país”, alerta.

Sistema excludente

Para Marcelo Novaes, a realidade dos agrotóxicos constitui a espinha dorsal de um “sistema excludente e prospectório da vida e da natureza”. E o avanço de projetos nocivos como o PL do Veneno, o PL 3.200/15, ocorre numa perspectiva não de mudanças, mas de retrocessos. “No arcabouço jurídico, há o direito dos códigos que conversa com os poderosos e o direito da prática que oprime os oprimidos, ou seja, a população. A engenharia disso é o ilegal que para os poderoso passa a ser legal”, diz.
“É por isso que são autorizados o corte de árvores centenárias, num prejuízo ambiental irreversível, sem um plano de manejo. É por isso que a mineradora Samarco matou um rio, as praias e continua com todo o vazamento; que há falta água em São Paulo enquanto a Sabesp paga dividendos aos acionistas, que o Código Florestal tão discutido com a sociedade está sendo esculachado aqui em São Paulo, fora a privatização de áreas florestais, que permite a extração de madeira. E a população se vê diante da ameaça crescente dos agrotóxicos”, aponta.
“O ilegal passa a ser legal e há apropriação do bem público pelo privado num processo de mudança das regras do jogo em pleno jogo. É como se, num jogo de xadrez, o cavalo passasse a ser movimentado como se fosse um bispo, uma torre. A gente vai ter de encarar isso.”
Marcelo Novaes participou da audiência pública promovida ontem (12), em São Paulo, pelo mandato do deputado federal Nilto Tatto (PT-SP). O parlamentar integra a comissão especial da Câmara que analisa o PL 3.200/2015.

sábado, 13 de agosto de 2016

Como a decisão do STF fulminando os TCEs estimula cultura das Câmaras de depor governantes.

Embora o País conviva com denúncias comprovadas e intermináveis contra grandes nomes da política nacional – ultimamente envolvendo o presidente interino Michel Temer, bem como principais líderes da oposição – José Serra, Aécio Neves, etc –, mesmo sem isto obter efeitos nas votações do Senado pelo impeachment de Dilma Rousseff, noutro patamar de poder, o Judiciário, por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu implodir decisão terminativa dos Tribunais de Contas nas várias instâncias consolidando a Jurisprudência de que a aprovação final de contas dos Executivos é de competência das Câmaras Municipal e Federal, no mesmo nível da Assembleia Legislativa, em caso estadual.
Na prática, diante de qualquer Legislativo que obtenha 2/3 da votação em favor de qualquer Executivo, isto implica que estará liquidada qualquer decisão em contrário dos Tribunais de Contas.
Significa dizer que todos os centenas de ex e atuais prefeitos que foram colocados em Lista dos Ficha Suja, mas que tiveram aprovação de 2/3 das Câmaras estão aptos a se candidatarem.
Os Tcs perderam a razão de ser.
EFEITOS DE GRAVIDADE
A decisão do STF restaura o entendimento de que os Tribunais de Contas não têm legitimidade para julgar, pois argumenta que o papel / missão dos Tcs é auxiliar apenas.
Conforme o Supremo, a Câmara é quem atem condição terminativa de decidir se aprova o mesmo entendimento dos Tcs ou se reformula com 2/3 dos votos.
MAIS GRAVE AINDA
Com o poder superestimado das Câmaras, ninguém se assuste se ampliar a Cultura em voga em muitos Legislativos de, ao sabor de qualquer Executivo conviver com Minoria – como se deu no caso da presidenta Dilma Rousseff – enfrentar a possibilidade de perda de mandato.
A "escola" do ex-presidente Eduardo Cunha de formar agrupamentos de Parlamentares em esquema de Corrupção, a partir do domínio dos Colegiados nas Câmaras, tem se espraiado pelo Brasil.
Um exemplo claro: os vereadores da cidade de Santa Rita, terceiro maior colégio eleitoral da Paraíba, construíram Maioria e resolveram votar o afastamento do então prefeito Reginaldo Pereira por "qualquer motivo" - assim como se deu como Dilma Rousseff -, levando o então presidente da Câmara Municipal conhecido por Netinho a ser efetivado no comando da Prefeitura municipal pela escala hierárquica.
COMANDO DA CORRUPÇÃO
Sem que se apercebesse, o STF transferiu para as Câmaras um Poder exacerbado podendo desaguar em mais Corrupção e Ditadura de facções políticas nas Câmaras Municipais para destituir os Executivos que não seguirem seus interesses.

“A guerra que está para vir entre a China e os Estados Unidos da América”.

12.08.2016 | Fonte de informações: 

Pravda.ru

“A guerra que está para vir entre a China e a América”. 24890.jpeg

Daniel Broudy: Está agora em vias de terminar o vosso último projecto cujo título, parece, arrisca-se a desencadear sentimentos de medo considerável. 

A guerra que está para vir é uma expressão pesada. Pode descrever o que o levou a ter este olhar particular sobre os acontecimentos mundiais, especialmente a maneira como os vê desenrolarem-se na Ásia oriental?

John Pilger: O filme retoma o tema de grande parte dos meus trabalhos. Procura explicar como uma grande potência se impõe sobre os povos, como ela oculta seu jogo e os perigos que ela provoca. Este filme é sobre os Estados Unidos, muito seguros do seu poder e a procurar ressuscitar a Guerra-fria. A Guerra-fria foi lançada novamente em duas frentes: contra a Rússia e contra a China. 

Concentro-me na China neste filme sobre a região Ásia-Pacífico. Ele começa nas Ilhas Marshall, onde os Estados Unidos explodiram 67 bombas atómicas, armas nucleares, entre 1946 e 1958, deixando esta parte do mundo gravemente golpeada em termos humanos e ambientais. E este assalto às Marshall continua. Sobre a ilha maior, Kwajalein, há uma base importante e secreta dos EUA, chamada centro de testes Ronald Reagan, que foi criada nos anos 1960, como mostram os arquivos que utilizamos, “para lutar contra a ameaça chinesa”. 

O filme desenrola-se igualmente em Okinawa, como sabe. Uma parte do assunto é mostrar a resistência ao poder e à guerra por parte de um povo que vive ao longo da linha de fecho das bases americanas no seu país de origem. O título do filme tem uma ligação com o assunto, pois é concebido como uma advertência. 

Os documentários deste gênero têm a responsabilidade de alertar as pessoas, se necessário preveni-las e indicar-lhes os meios de resistência a estes planos predatórios. 

O filme mostrará que a resistência em Okinawa é notável, eficaz e pouco conhecida no mundo inteiro. Okinawa alberga 32 instalações militares americanas. Quase um quarto do território é ocupado por bases americanas. O céu frequentemente está lotado de aviões militares; a arrogância dos ocupantes é sentida diariamente. Okinawa tem a dimensão de Long Island. Imagine uma base chinesa implantada bem ao lado de Nova York. 

Também fui filmar na ilha de Jeju, ao largo da ponta sul da Coreia, onde algo de muito semelhante se passou. As pessoas de Jeju tentaram impedir a construção de uma base importante e provocadora a cerca de 400 milhas [644 km] de Shangai. A marinha sul-coreana mantém-na preparada para os EUA. É realmente uma base americana onde destroyers da classe Aegis atracam no cais ao lado de submarinos nucleares e porta-aviões, junto à China. Tal como Okinawa, Jeju tem uma história repleta de invasões, de sofrimento e de resistência. 

Na China, decidi concentrar-me em Shangai, que é um dos centros da história e das convulsões da China moderna, da sua entrada na modernidade. Mao e seus camaradas fundaram ali o Partido Comunista da China, nos anos 1920. Hoje, a casa onde eles se reuniram em segredo está cercada pelos símbolos da sociedade de consumo: há um Starbucks em frente. As contradições da China contemporânea saltam à vista. 

O último capítulo do filme decorre nos Estados Unidos, onde entrevistei aqueles que planificam o jogo da guerra contra a China e aqueles que nos alertam sobre seus perigos. 

Encontrei pessoas impressionantes: Bruce Cummings, o historiador cujo último livre sobre a Coreia revela a história secreta, e David Vine, cujo trabalho completo sobre as bases americanas foi publicado no ano passado. 

Filmei uma entrevista no Departamento de Estado com o secretário de Estado assistente para a Ásia e o Pacífico, Daniel Russell, o qual disse que os Estados Unidos “não estavam mais nos negócios de instalação de bases”. Os EUA possuem cerca de 5000 bases, 4000 nos próprios EUA e cerca de um milhar em todos os continentes. Conceber todo este conjunto, dar-lhe sentido, fazer justiça a todos, tanto quanto possível, são ao mesmo tempo o prazer e o sofrimento da criação cinematográfica. 

O que desejo exprimir através deste filme é que corremos grandes riscos, que não são reconhecidos. Devo dizer que tenho a impressão de estar num outro mundo, nos Estados Unidos, durante esta campanha presidencial que não aborda nenhum destes riscos. 

Mas isto não é inteiramente exato. Donald Trump parece ter-se interessado seriamente, ainda que de modo momentâneo. Stephen Cohen, autoridade eminente sobre a Rússia que rastreou isto, sublinha que Trump disse claramente desejar relações amistosas com a Rússia e a China. 

Hillary Clinton atacou Trump por isso. Diga-se de passagem que o próprio Cohen foi atacado por ter sugerido que Trump não era um maníaco homicida em relação à Rússia. Pelo seu lado, Bernie Sanders permaneceu silencioso; seja como for ele agora está do lado de Clinton. 

Como mostram seus emails, Clinton parece querer destruir a Síria a fim de proteger o monopólio nuclear de Israel. Recordem-se o que ela fez à Líbia e a Kadafi. Em 2010, enquanto secretária de Estado, ela transformou uma disputa apenas regional, no mar da China do Sul, num litígio implicando os EUA. Ela fez disto uma questão internacional, um ponto de tensão. 

No ano seguinte, Obama anunciou seu “eixo para a Ásia”, um jargão para justificar a maior acumulação de forças militares americanas na Ásia desde a Segunda Guerra Mundial. O atual secretário da Defesa, Ash Carter, anunciou recentemente que mísseis e homens seriam baseados nas Filipinas, em frente à China. Isso se passa enquanto a OTAN prossegue seu estranho reforço militar na Europa, nas fronteiras da Rússia. 

Nos Estados Unidos, onde os jornalistas em todas as suas formas são onipresentes e onde a imprensa é constitucionalmente a mais livre do mundo, não há nenhuma conversação nacional, em menos ainda qualquer debate, acerca destes desenvolvimentos. Num certo sentido, o objetivo do meu filme é ajudar a romper o silêncio.

Daniel Broudy: É absolutamente espantoso ver que os dois principais candidatos democratas não disseram praticamente nada de substancial sobre a Rússia e a China e sobre a política dos Estados Unidos face a eles. Como acabou de dizer, é irónico constatar que Trump, um homem de negócios, fala da China deste modo.

John Pilger: Trump é imprevisível, mas ele disse claramente que não tinha vontade de entrar em guerra contra a Rússia e a China. Num certo momento, ele disse mesmo que seria neutro no Médio Oriente. Era uma heresia e ele recuou sobre este ponto. Stephen Cohen disse que ele [Cohen] fora atacado unicamente por ter falado disto [os pontos positivos de Trump]. Escrevi algo semelhante recentemente e isto inquietou um estrato dos media sociais. Várias pessoas interpretaram isto como um apoio a Trump.

Maki Sunagawa: Eu queria voltar a alguns dos vossos trabalhos anteriores que nos remetem ao presente. No filme Stealing a Nation (Roubar uma nação), Charlesia Alexis fala das suas lembranças mais belas de Diego Garcia, sublinhando que “podíamos comer de tudo; nunca faltou o que quer que seja e nunca se comprou o que quer que seja, excepto o vestuário que usávamos”. 

Estas palavras recordam-me os lugares e as culturas pacíficas e virgens, através do mundo, que existiam antes de as técnicas colonizadores clássicas terem sido aplicadas aos povos e aos ambientes autóctones. Poderia desenvolver um pouco mais estes pormenores que descobriu, nas investigações sobre Diego Garcia, que ilustrem factos sobre esta força insidiosa que suportamos ainda hoje?

John Pilger: O que aconteceu às pessoas de Diego Garcia é um crime monstruoso. Eles foram expulsos, todos, pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos. A vida que acaba de descrever, a vida de Charlesia, foi deliberadamente destruída. Desde a sua expulsão, que começou nos anos 1970, o povo das Chagos organizou uma resistência infatigável. Como acaba de dizer, sua história representa a dos povos autóctones por toda a parte do mundo. Na Austrália, os povos autóctones foram expulsos das suas comunidades e brutalizados. 

A América do Norte passou por uma história semelhante. As populações autóctones são profundamente ameaçadoras para as sociedades de colonos pois representam uma outra vida, um outro modo de viver, um outro modo de ver as coisas. Eles podem aceitar superficialmente nosso modo de vida, frequentemente com resultados trágicos, mas seu sentido da vida não está cativo. Se nós, modernos, fossemos tão inteligentes quanto acreditamos ser, aprenderíamos com eles. Em vez disso, preferimos o conforto especioso da nossa ignorância e dos nossos preconceitos. Tenho muitas relações com os povos autóctones da Austrália. Fiz alguns filmes sobre o assunto e sobre os seus opressores, admiro sua resiliência e sua resistência. Eles têm muito em comum com o povo de Diego Garcia. Pois a injustiça e a crueldade são semelhantes: os habitantes das Chagos foram enganados, intimidados e forçados a deixar a sua pátria. A fim de os assustar, as autoridades coloniais britânicas mataram seus amados cães de estimação. Depois puseram-nos num velho navio com uma carga de merda de pássaros e lançaram-nos nos bairros de lata da Ilha Maurícia e nas Seychelles. 

Este horror é descrito com pormenores quase insolentes nos documentos oficiais. Um deles, escrito pelo advogado do Foreign Office, intitula-se manter a ficção. Por outras palavras: como manter uma mentira grosseira. O governo britânico mentiu à Organização das Nações Unidas ao pretender que os habitantes das Chagos eram trabalhadores temporários. Uma vez expulsos, ele foram volatilizados; um documento do Ministério da Defesa pretendeu mesmo nunca ter havido população na ilha. 

Era um quadro grotesco do imperialismo moderno: uma palavra quase apagada com êxito do dicionário. Há algumas semanas, os chagossianos viram rejeitado seu recurso junto ao Tribunal Supremo britânico. Eles haviam recorrido de uma decisão tomada em 2009 pela Câmara dos Lordes que lhes recusava o direito de voltarem à casa, ainda que uma série de sentenças do Supremo Tribunal tivesse sido a seu favor. Quando a justiça britânica foi convocada a pronunciar-se entre os direitos do homem e os direitos de uma grande potência, suas decisões tornam-se politicamente nuas.

Daniel Broudy: Ao ouvir, durante duas décadas, pessoas a falarem da grande beleza de Diego Garcia, das suas atividades marinha oferecidas a todos aqueles que tiverem a sorte de serem estacionados ou temporariamente localizados ali, fico sempre impressionado pela ignorância determinada daqueles que vão ali e voltam alegremente, sem serem perturbados pela história da ilha. Talvez os jornais que muitas pessoas consomem, contribuam para um tal distanciamento da tomada de consciência individual. A linha clara que, antes, separava tradicionalmente a publicidade comercial civil das relações públicas militares parecer ter efetivamente desaparecido nestas comunicações de massa. 

Nos nossos dias, publicações civis ostentam títulos como: a classificação das melhores bases militares de além-mar. O autor de um artigo recente sublinha que o pessoal destas bases admite seu sonho de ver o mundo como razão central que motiva seu serviço militar além-mar. Pergunto-me se o sistema atual permite ou o encoraja a encarar-se como uma espécie de viajante do mundo cosmopolita e, assim, contribui para desenvolver um sentido superficial do mundo. Um sentido que encobre realidades e histórias horríveis, como a de Diego Garcia, situadas fora da vista. Pensa que o processo de comercialização e de idealização destas atividades militares desempenhou algum papel na manutenção da rede mundial de bases militares?

John Pilger: É possível convencer jovens, homens e mulheres, a entrarem num exército de voluntários oferecendo-lhes o gênero de segurança que não receberiam de outra forma, nos períodos econômicos difíceis, fazendo com que pareça uma aventura. Acrescentemos a isto a propaganda patriótica. As bases são pequenas Américas; você pode estar no estrangeiro em climas exóticos, mas não realmente; é como que uma vida virtual. Quando você se confronta com os locais, pode supor que a aventura em que está inclui uma licença para abusar; eles não fazem parte desta pequena América, de modo que podem ser abusados. Os habitantes de Okinawa sabem-no muito bem. 

Assisti alguns filmes de arquivo interessantes sobre uma das bases de Okinawa. A mulher de um dos soldados ali baseados diz: “Oh, tentamos sair uma vez por mês para ter um jantar local e ter uma ideia do lugar onde estamos”. Antes de deixar as ilhas Marshall, no ano passado, minha equipe e eu tivemos de passar pelo centro de experimentação Ronald Reagan no atol de Kwajelein. Foi uma experiência kafkiana.

Tomaram nossas impressões digitais e nossas íris foram registadas, nossa altura medida, foram tomadas de fotos de nós sob todos os ângulos. Era como se estivéssemos sob prisão. Era a porta de entrada de uma pequena América com seu terreno de golfe, suas pistas de jogging e suas pistas cicláveis com cães e crianças. Os jardineiros para os terrenos de golfe e o controle do cloro nas piscinas vinham de uma ilha do outro lado da baía, Ebeye, de onde são transportados pelos militares. 

Ebeye tem cerca de dois quilômetros de comprimento, onde são atulhadas 12 mil pessoas. São refugiados provenientes das ilhas Marshall que sofreram os ensaios nucleares. O abastecimento de água e o saneamento ali mal funcionam. É um apartheid em pleno Pacífico. 

Os americanos da base não têm qualquer ideia do modo como vivem os insulares. Eles [os membros da comunidade militar] fazem churrascos ao por do sol. Algo semelhante aconteceu a Diego Garcia. Uma vez que as pessoas foram expulsas, os churrascos e o ski náutico podiam começar. 

Em Washington, o secretário de Estado assistente que entrevistei disse que os Estados Unidos eram de fato anti-imperialistas. Ele era impassível e provavelmente sincero, apenas consciente. Isto não é raro. Você pode dizer a pessoas de nível acadêmico nos Estados Unidos: “Os EUA têm o maior império que o mundo já conheceu e eis aqui as provas”. É muito provável que esta conclusão seja recebida com uma expressão de incredulidade.

Daniel Broudy: Certas coisas de que fala recordam-me o que soube junto a antigos amigos do Departamento de Estado. Há sempre um risco de que os funcionários do Departamento de Estado ou pessoas que servem o exército no estrangeiro “se tornem locais”, ou seja, comecem a simpatizar com as pessoas da população local.

John Pilger : Concordo. Quando sentem empatia, dão-se conta de que a razão pela qual estão lá não tem sentido. Alguns dos denunciantes mais eficazes são ex-militares.

Daniel Broudy : Talvez as barreiras sejam destinadas mais a recordar aos militares das bases que existe um limite a não ultrapassar em relação aos locais do que a impedir que os estrangeiros [os locais] penetrem na zona [no interior da base].

John Pilger: Sim, é “eles e nós”. Se você vai ao exterior da cerca, há sempre o risco de que adquira a compreensão de uma outra sociedade. Isso pode levar a colocar-se a questão de saber porque a base está lá. Isso não acontece frequentemente, pois uma outra linha de cerca atravessa a consciência militar.

Maki Sunagawa: Quando você rememora lugares de filmagem em Okinawa ou quando tomadas para este projeto, quais são as suas lembranças mais inesquecíveis e / ou mais chocantes? Há cenas ou conversações que não esquecerá?

John Pilger: Sim, há um certo número. Senti-me privilegiado por encontrar Fumiko [Shimabukuro], que é uma fonte de inspiração. Aqueles que haviam conseguido eleger o governador Onaga e a garantir que Henoko e todas as bases na agenda política japonesa estão entre as pessoas de princípio mais dinâmicas que já encontrei: cheias de imaginação e simpáticas. 

Ouvir a mãe de um dos jovens que acabou por morrer devido aos terríveis ferimentos provocados por um caça americano que se esmagou sobre a escola [em Ishikawa] em 1959 foi um recordar brutal do medo em que vivem as pessoas. Uma professora disse-me que desde então ela nunca cessou de olhar com ansiedade quando ouve o ruído de uma aeronave acima da sua sala de aula. 

Quando filmávamos fora do Camp Schwab, éramos (assim como todos os manifestantes) deliberadamente fustigados por enormes helicóptero Sea Stallion, que voavam em círculos acima de nós. Era uma amostra do que as pessoas de Okinawa devem aguentar, dia após dia. Muitas vezes há um lamento de pessoas liberais, nas sociedades confortáveis, quando confrontadas com verdades desagradáveis: “Então, o que é que posso fazer para mudar isso?” Eu diria que é preciso fazer como os habitantes de Okinawa fizeram: não desistir e continuar. 

“Resistência” não é uma palavra que se ouça ou que se veja frequentemente nos media ocidentais. É considerada como uma palavra de um outro mundo, não utilizada pelas polidas e respeitáveis. É uma palavra difícil de contornar e mudar. A resistência que encontrei em Okinawa é uma fonte de inspiração.

Maki Sunagawa: Sim, suponho que quando se faz parte da resistência não é tão fácil ver também a sua eficácia. Muito frequentemente, quando faço investigações no terreno, entrevistas, anotações e a escrita, é preciso algum tempo para tomar um pouco de recuo e olhar os pormenores de modo mais objectivo a fim de compreender a história mais profunda sobre a qual estou em vias de reflectir. Pergunto-me se, no decorrer do processo da edição deste novo filme, pode nos falar das novas e importantes lições que extraiu.

John Pilger: Bem, fazer um filme é como uma viagem de descoberta. Começa-se com um esquema global e um conjunto de ideias e hipóteses, mas nunca se sabe realmente onde isso vai nos levar. Nunca tinha estado em Okinawa, assim adquiri novas ideias e experiências: um novo sentido dos povos e queria que o filme refletisse isso. 

As ilhas Marshall também foram uma novidade para mim. Lá, a partir de 1946, os Estados Unidos testaram o equivalente a uma bomba de Hiroshima a cada dia durante doze anos. Os habitantes das Marshall ainda são utilizados como cobaias. 

Mísseis são atirados sobre as lagunas do atoll de Kwajelein a partir da Califórnia. A água está envenenada, os peixes não são comestíveis. As pessoas sobrevivem comendo conservas. 

Encontrei um grupo de mulheres que eram sobreviventes dos ensaios nucleares em torno do atolls de Bikini e Rongelap. Todas elas haviam perdido suas glândulas tiróide. Eram mulheres na casa dos 60 anos. Haviam sobrevivido, incrivelmente. São personalidades generosas tendo um grande sentido do humor negro. Elas cantaram para nós, ofereceram-nos prendas e disseram que estavam felizes porque tínhamos vindo filmá-las. Elas também fazem parte de uma resistência invisível.

Ver também: 

China holds massive naval drills to prepare for ‘sudden, cruel & short’ modern war. Prepare for possible ‘war on water’ over South China Sea tensions, Beijing tells citizens.
[*] Maki Sunagawa: investigadora da Graduate School of Intercultural Communication da Okinawa Christian University;   

Daniel Broudy: professor de retórica e linguística da Okinawa Christian University. 

O original encontra-se em fpif.org/preview-coming-war-america-china/ 

e a versão em francês em lesakerfrancophone.fr/… 

Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .
por John Pilger 

entrevistado por Maki Sunagawa e Daniel Broudy.

- See more at: http://port.pravda.ru/news/busines/12-08-2016/41534-guerra_eua_china-0/#sthash.L8Ahkqo0.dpuf

Articuladores importantes do impeachment, médicos tomam um duro golpe de Michel Temer.

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Foto - debateprogressista.
É essa a situação que se vê na nota emitida na sexta-feira (5) pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Na sexta, quando as atenções do país estavam voltadas para o início oficial dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o Ministério da Saúde publicou no Diário Oficial a criação de um grupo de trabalho para discutir e elaborar projetos de convênios médicos privados de baixo custo, porém, de cobertura limitada.
O golpe são os chamados “planos populares” de saúde, que são defendidos pelo ministro interino da Saúde, Ricardo Barros. Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), esses ‘planos populares’ distorcem os anseios da população. Mais que isso, mas não explicitado pela nota do CFM, está a preocupação com a remuneração e as condições de trabalho dos médicos dos possíveis ‘planos populares’
Na nota oficial, o CFM se posicionou de maneira crítica à proposta do ministro Barros, que teve campanha financiada principalmente pelos planos de saúde. Para a entidade médica, “a venda de ‘planos populares’ apenas beneficiará os empresários da saúde suplementar e não trará solução para os problemas do Sistema Único de Saúde”.
Esses planos, limitados a consultas ambulatoriais e exames de menor complexidade, conforme o CFM, “não evitarão a procura pela rede pública ou impacto prejudicial ao financiamento do SUS”.
A entidade defende medidas estruturantes, com mais recursos para o setor, o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão, a criação de políticas de valorização dos profissionais, como uma carreira de Estado para os médicos, e o combate à corrupção.
“Somente a adoção de medidas dessa magnitude será capaz de devolver à rede pública condições de oferecer, de forma universal, o acesso à assistência segundo parâmetros previstos na Constituição de 1988 e com pleno respeito à dignidade humana”, defende o CFM.
Íntegra da nota:
Em relação à portaria do Ministério da Saúde publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (5), que cria Grupo de Trabalho para discutir e elaborar o projeto de plano de saúde com caráter popular, o Conselho Federal de Medicina (CFM) informa que:
A autorização da venda de “planos populares” apenas beneficiará os empresários da saúde suplementar, setor que movimentou, em 2015 e em 2016, em torno de R$ 180 bilhões, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS);
Se implementada, esta proposta não trará solução para os problemas do Sistema Único de Saúde (SUS), possivelmente sem a inclusão de doentes crônicos e idosos, resultando em planos limitados a consultas ambulatoriais e a exames subsidiários de menor complexidade. Portanto, não evitarão a procura pela rede pública ou impacto prejudicial ao financiamento do SUS;
Propostas como a de criação de “planos populares de saúde” apropriam-se e distorcem legítimos desejos e anseios da sociedade;
Na expectativa de um novo governo e de uma nova cultura de proficiência, eficácia e probidade na Nação, a sociedade conta, na verdade, com a adoção de medidas estruturantes para o SUS, como: o fim do subfinanciamento; o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão; a criação de políticas de valorização dos profissionais, como uma carreira de Estado para os médicos; e o combate à corrupção.
Somente a adoção de medidas dessa magnitude será capaz de devolver à rede pública condições de oferecer, de forma universal, o acesso à assistência segundo parâmetros previstos na Constituição de 1988 e com pleno respeito à dignidade humana. 
Brasília, 5 de agosto de 2016.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Justiça liberta índio preso em manifestação pela saúde indígena em Santarém.

A Justiça Federal atendeu pedido de liberdade do MPF e da DPU, que consideraram ilegal a prisão realizada pela Polícia Federal
Justiça liberta índio preso em manifestação pela saúde indígena em Santarém
Poró Borari, preso ao se manifestar por saúde em Santarém. Foto: Marquinho Mota/FAOR
Atendendo a pedido do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), a Justiça Federal em Santarém, no Pará, libertou nesta quarta-feira, 10 de agosto, o índio Poró Borari, que havia sido preso em flagrante pela Polícia Federal ontem, acusado de manter em cárcere privado funcionários da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). A prisão aconteceu durante uma manifestação de índios de 13 etnias da região do baixo Tapajós e Arapiuns, que ocuparam a secretaria em protesto pelo direito à assistência de saúde, atualmente negado para esses povos.
Após a ocupação da Sesai pelos índios, agentes do Departamento da Polícia Federal em Santarém chegaram ao local e acusaram Adenilson Alves, o Poró Borari, de ser líder do movimento. Também o acusaram de ser responsável pelo cárcere dos trabalhadores da Sesai, apesar da secretaria estar funcionando normalmente, com os servidores trabalhando e de portas abertas. Mesmo assim, Poró Borari foi levado para o presídio e celulares de dois manifestantes que filmavam a ação da PF foram apreendidos sem ordem judicial.
“A acusação que pesa sobre o indiciado não encontra respaldo fático. Adenilson Alves não se afigura líder de qualquer ato ilegal. Não houve qualquer comando expresso de proibição de livre circulação de pessoas, sejam elas usuárias, servidoras ou prestadores de serviço no órgão”, dizem a defensora pública da União Ingrid Soares Leda Noronha e o procurador da República Camões Boaventura no pedido de liberdade em favor de Poró Borari.

Para MPF e DPU, “um fato é inequívoco: a prisão e a abordagem da Polícia Federal foi de todo ilegal. Partiu-se de ilações desacompanhadas de realidade”.  “O ato policial merece reprimendas”, diz o pedido de liberdade. A defensora pública e o procurador acompanharam a autuação do indígena dentro da delegacia da Polícia Federal e relataram à Justiça que, durante o interrogatório, a autoridade policial fez perguntas tendenciosas e manifestações jocosas. 

Boaventura e Noronha ressaltaram ainda que Poró Borari não tem passagem pela polícia, é estudante da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e pai de duas crianças, que dele dependem financeira e emocionalmente. 

A manifestação - A reivindicação dos índios na Sesai, para o MPF e a DPU, é legítima e mais do que respaldo legal, tem respaldo judicial. A assistência diferenciada à saúde indígena é um direito e a Sesai tem negado esse direito às etnias Borari, Arapyun, Maytapu, Cara-Preta, Jaraqui, Tapajó, Kumaruara, Tupinambá, Apiaká, Munduruku, Tupaiú, Arara Vermelha, Tapuia que moram no baixo Tapajós e Arapiuns. A justificativa da Sesai é que são índios que não moram em terras indígenas.

A justificativa não tem fundamento nenhum no ordenamento jurídico brasileiro e a própria Justiça Federal de Santarém reconhece isso. Em janeiro deste ano, a pedido do MPF, a Justiça obrigou, no Processo nº 2096-29.2015.4.01.3902, que a Sesai passasse a ofertar o atendimento diferenciado. Quase oito meses depois, a Sesai não cumpriu a ordem judicial, o que deu origem à manifestação.

Multa - Logo após a libertação de Poró Borari, o MPF pediu à Justiça que execute multa contra a Sesai por descumprir a ordem judicial para oferecer assistência às 13 etnias. A multa de 1 milhão e 970 mil reais corresponde aos 197 dias em que a decisão está sendo desobedecida pela Sesai. A Justiça havia arbitrado em R$ 10 mil a multa por dia de desobediência. 

Ontem, após a manifestação dos índios, a Sesai comprometeu-se a criar um grupo de trabalho para debater o atendimento de saúde das etnias, o que, para o MPF, não é suficiente. A ordem judicial de janeiro de 2016 determinava um prazo de 90 dias para que fossem cadastrados todos os indígenas das 13 etnias da região, 48 horas para que a Casa de Saúde do Índio de Santarém passasse a atender todo e qualquer indígena que lhe procurasse, independente do local de moradia e também 90 dias para organizar equipes multidisciplinares para atender os indígenas. Nenhuma das medidas foi cumprida até hoje.

Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação
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Indústria da doença, lucro vertiginoso.

11.08.2016 | Fonte de informações: 

Pravda.ru

 
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Indústria da doença, lucro vertiginoso

O setor privado financia a grande mídia, que aceita o jogo imoral por ele praticado. Ao assistirmos aos principais telejornais, observamos o ataque orquestrado ao sistema público de saúde, dando ênfase apenas às falhas, tratadas como corriqueiras. Já os problemas do setor privado não são exibidos.



por Leandro Farias/Le Monde Diplomatique.

Passados trinta anos de um marco na história do Brasil, a 8ª Conferência Nacional de Saúde, ainda estamos diante de paradigmas que contribuem para a visão mercantil do setor. Durante a Conferência, foi discutido a fundo o modelo de saúde presente na época e, em relatório final produzido por políticos, gestores, profissionais e usuários do sistema, apontou-se a necessidade de mudanças neste. Tal relatório contribuiu para que, durante a Constituinte, fosse debatido capítulo referente ao direito à saúde, presente em nossa Constituição Federal de 1988. Assim nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS). Posteriormente, surgiram as leis n. 8.080 e n. 8.142, que tratam da regulamentação, financiamento e participação social no SUS.

Persiste, porém, o desafio da quebra do modelo médico hegemônico, hospitalocêntrico ou complexo médico-industrial, que traz uma visão avessa ao modelo preventivista elaborado durante o processo histórico que antecedeu a criação do SUS, a chamada Reforma Sanitária. O primeiro modelo alimenta a visão mercantil da saúde e segue as leis do mercado, reforçando a indústria da doença formada por laboratórios, empresas, planos de saúde, entre outros. Essa indústria promove a prática de assédio aos profissionais da saúde desde sua entrada nas universidades, com o custeio de viagens, cursos, congressos e até porcentagem na venda de seus produtos. Sem falar na má remuneração destinada aos seus profissionais, que assim optam pela quantidade em detrimento da qualidade nos serviços disponibilizados.

Por deter recursos e poder, o setor privado financia a grande mídia, que aceita o jogo imoral por ele praticado. Ao assistirmos aos principais telejornais, observamos o ataque orquestrado ao sistema público de saúde, dando ênfase apenas às falhas, tratadas como corriqueiras. Já os problemas do setor privado não são exibidos. Não obstante, visualizamos figuras públicas em propagandas que nitidamente visam ludibriar a população. Assim, o imaginário de saúde como bem de consumo adentra a sociedade, sobrepondo-se à ideia de saúde como um direito fundamental.

Atualmente, estamos diante de surtos de diversas doenças como dengue, zika, chikungunya, influenza A (H1N1), microcefalia, síndrome de Guillain-Barré. E temos observado a alta procura por vacinas e medicamentos. Isso é reflexo de diversas políticas de governos que se sucederam à formação do SUS, que por sua vez parecem encarar a saúde como "ausência de doença", o que na prática se torna um "prato cheio" para os que veem no setor uma oportunidade de faturamento monetário. Tal visão política vai na contramão do conceito ampliado de saúde, elaborado durante a 8ª Conferência, que traz uma relação direta entre saúde e determinantes sociais, tais como condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde.

Um retrato dessa realidade é a questão do saneamento básico no país, traduzida em esgoto a céu aberto, lixo nas ruas e armazenamento incorreto da água. Segundo levantamento feito em 2015 pelo Instituto Trata Brasil, apenas 48% dos domicílios brasileiros têm coleta de esgoto. Segundo o Ministério da Saúde (MS/Datasus), em 2013 foram notificadas mais de 340 mil internações por infecções gastrointestinais no país. E o custo de uma internação por essa patologia no SUS foi de cerca de R$ 355,71 por paciente na média nacional. Estudos apontam a existência de uma ligação direta entre a falta de saneamento básico e o aparecimento de doenças. O último Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa), divulgado pelo MS em novembro de 2015, nos trouxe a seguinte questão: no Nordeste, 76,5% dos focos do mosquito estão em armazenamento de água para consumo - por exemplo, caixa-d'água. A região concentra a maioria dos municípios com índices de risco de epidemia de dengue.

Doenças como chikungunya, microcefalia e síndrome de Guillain-Barré, que são provocadas pelo Aedes aegypti, demandam recursos e mão de obra especializada, uma vez que os respectivos tratamentos são de médio e longo prazo. Tais patologias, que culminam em maior demanda por serviços e medicamentos, poderiam ser evitadas com ações de prevenção e promoção da saúde. Falta foco nas condições socioambientais da população, sem falar que o sistema público de saúde sofre de um subfinanciamento crônico. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), cada R$ 1 investido em saneamento gera uma economia de R$ 4 em saúde. Lembrando que saneamento básico é um direito presente em nossa Carta Magna.

Ao analisarmos os números da economia, observamos que o setor privado da saúde ignora a crise econômica que aflige o país, não se deixando abater pela recessão. Ao contrário, o lucro do setor aumentou mesmo diante da elevação das taxas de juros e da diminuição da renda dos consumidores. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o único setor que não sofreu queda nas vendas em 2015 foi o de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos, que cresceu 3%. Os números da administradora de planos de saúde Qualicorp são claros: a empresa obteve lucro de R$ 61,4 milhões só no último trimestre de 2015, apresentando um avanço de 224% em relação ao mesmo período de 2014.

Sabemos que saúde se faz por meio de recursos. Porém, uma sociedade acometida por diversas patologias promove um efeito expressivo na economia, pois, além de exigir maior aplicação de recursos no orçamento da saúde, uma vez que o acesso aos seus serviços é algo oneroso, uma quantidade significativa de trabalhadores deixará de produzir por conta de sua doença. Ao pensarmos que diversos agravos podem ser evitados, caso sejam respeitados os direitos e as garantias fundamentais presentes em nossa Constituição, e que a existência de relações promíscuas envolvendo membros do Executivo, Legislativo, Judiciário e empresários impede o avanço de nossa sociedade por conta de interesses minoritários, é válido fazermos a seguinte reflexão: quem lucra com a crise no sistema de saúde?

*Leandro Farias: Farmacêutico Sanitarista da Fiocruz e coordenador do Movimento Chega de Descaso.

Ilustração: Aroeira