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Da esquerda para direita, Chico Buarque, Maria Rita Kehl, Wagner Moura e Laerte Coutinho, que assinam o documento / Montagem BdF. |
Brasil de Fato.
Com iniciativa do ex-ministro da
Fazenda e economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, o manifesto Projeto Brasil
Nação coletou assinaturas de diversos intelectuais e artistas contra os
desmontes de políticas públicas do governo golpista de Michel Temer (PMDB). O
escritor Raduan Nassar, o compositor e escritor Chico Buarque, o cineasta
Kleber Mendonça Filho, a cartunista Laerte Coutinho, o jurista Fábio Konder
Comparato, a filósofa Márcia Tiburi, a psicanalista Maria Rita Kehl, entre
outros, são signatários do documento.
Um ano após Temer assumir a
presidência interinamente, o grupo se opõe às propostas do governo federal como
as reformas trabalhista e da Previdência, privatizações,
a desnacionalização da indústria e redução dos investimentos sociais. “Programas
e direitos sociais estão ameaçados. Na saúde e na Previdência, os mais pobres,
os mais velhos, os mais vulneráveis são alvo de abandono”, diz trecho do
documento.
O texto aponta que a causa da atual
recessão econômica é uma armadilha de juros altos e de câmbio apreciado que
inviabiliza o investimento privado.
O manifesto defende que sejam
adotados cinco pontos econômicos para reverter este cenário: a diminuição do
superávit para estimular a economia em momentos de crise, taxa básica de juros
diminuída, superávit na conta-corrente do balanço de pagamentos, retomada do
investimento público e uma reforma tributária progressiva.
Leia abaixo o texto na íntegra.
MANIFESTO
PROJETO BRASIL NAÇÃO
O Brasil vive uma crise sem
precedentes. O desemprego atinge níveis assustadores. Endividadas, empresas
cortam investimentos e vagas. A indústria definha, esmagada pelos juros reais
mais altos do mundo e pelo câmbio sobreapreciado. Patrimônios construídos ao
longo de décadas são desnacionalizados.
Mudanças nas regras de conteúdo local
atingem a produção nacional. A indústria naval, que havia renascido, decai. Na
infraestrutura e na construção civil, o quadro é de recuo. Ciência, cultura,
educação e tecnologia sofrem cortes.
Programas e direitos sociais estão
ameaçados. Na saúde e na Previdência, os mais pobres, os mais velhos, os mais
vulneráveis são alvo de abandono.
A desigualdade volta a aumentar, após
um período de ascensão dos mais pobres.
A sociedade se divide e se
radicaliza, abrindo espaço para o ódio e o preconceito.
No conjunto, são as ideias de nação e
da solidariedade nacional que estão em jogo. Todo esse retrocesso tem apoio de
uma coalizão de classes financeiro-rentista que estimula o país a incorrer em
déficits em conta-corrente, facilitando assim, de um lado, a apreciação cambial
de longo prazo e a perda de competitividade de nossas empresas, e, de outro, a
ocupação de nosso mercado interno pelas multinacionais, os financiamentos
externos e o comércio desigual.
Esse ataque foi desfechado num
momento em que o Brasil se projetava como nação, se unindo a países fora da
órbita exclusiva de Washington. Buscava alianças com países em desenvolvimento
e com seus vizinhos do continente, realizando uma política externa de autonomia
e cooperação. O país construía projetos com autonomia no campo do petróleo, da
defesa, das relações internacionais, realizava políticas de ascensão social,
reduzia desigualdades, em que pesem os efeitos danosos da manutenção dos juros
altos e do câmbio apreciado.
Para o governo, a causa da grande
recessão atual é a irresponsabilidade fiscal; para nós, o que ocorre é uma
armadilha de juros altos e de câmbio apreciado que inviabiliza o investimento
privado. A política macroeconômica que o governo impõe à nação apenas agravou a
recessão. Quanto aos juros altíssimos, alega que são “naturais”, decorrendo dos
déficits fiscais, quando, na verdade, permaneceram muito altos mesmo no período
em que o país atingiu suas metas de superávit primário (1999-2012).
Buscando reduzir o Estado a qualquer
custo, o governo corta gastos e investimentos públicos, esvazia o BNDES,
esquarteja a Petrobrás, desnacionaliza serviços públicos, oferece grandes obras
públicas apenas a empresas estrangeiras, abandona a política de conteúdo
nacional, enfraquece a indústria nacional e os programas de defesa do país, e
liberaliza a venda de terras a estrangeiros, inclusive em áreas sensíveis ao
interesse nacional.
Privatizar e desnacionalizar
monopólios serve apenas para aumentar os ganhos de rentistas nacionais e
estrangeiros e endividar o país.
O governo antinacional e antipopular
conta com o fim da recessão para se declarar vitorioso. A recuperação econômica
virá em algum momento, mas não significará a retomada do desenvolvimento, com
ascensão das famílias e avanço das empresas.
Ao contrário, o desmonte do país só
levará à dependência colonial e ao empobrecimento dos cidadãos, minando
qualquer projeto de desenvolvimento.
Para voltar a crescer de forma
consistente, com inclusão e independência, temos que nos unir, reconstruir
nossa nação e definir um projeto nacional. Um projeto que esteja baseado nas
nossas necessidades, potencialidades e no que queremos ser no futuro. Um
projeto que seja fruto de um amplo debate.
É isto que propomos neste manifesto:
o resgate do Brasil, a construção nacional. Temos todas as condições para isso.
Temos milhões de cidadãos criativos, que compõem uma sociedade rica e
diversificada. Temos música, poesia, ciência, cinema, literatura, arte, esporte
–vitais para a construção de nossa identidade.
Temos riquezas naturais, um parque
produtivo amplo e sofisticado, dimensão continental, a maior biodiversidade do
mundo. Temos posição e peso estratégicos no planeta. Temos histórico de
cooperação multilateral, em defesa da autodeterminação dos povos e da não
intervenção.
O governo reacionário e carente de
legitimidade não tem um projeto para o Brasil. Nem pode tê-lo, porque a ideia
de construção nacional é inexistente no liberalismo econômico e na financeirização
planetária.
Cabe a nós repensarmos o Brasil para
projetar o seu futuro –hoje bloqueado, fadado à extinção do empresariado
privado industrial e à miséria dos cidadãos. Nossos pilares são: autonomia
nacional, democracia, liberdade individual, desenvolvimento econômico,
diminuição da desigualdade, segurança e proteção do ambiente– os pilares de um
regime desenvolvimentista e social.
Para termos autonomia nacional,
precisamos de uma política externa independente, que valorize um maior
entendimento entre os países em desenvolvimento e um mundo multipolar.
Para termos democracia, precisamos
recuperar a credibilidade e a transparência dos poderes da República.
Precisamos garantir diversidade e pluralidade nos meios de comunicação.
Precisamos reduzir o custo das campanhas eleitorais, e diminuir a influência do
poder econômico no processo político, para evitar que as instituições sejam
cooptadas pelos interesses dos mais ricos.
Para termos Justiça precisamos de um
Poder Judiciário que atue nos limites da Constituição e seja eficaz no
exercício de seu papel. Para termos segurança, precisamos de uma polícia
capacitada, agindo de acordo com os direitos humanos.
Para termos liberdade, precisamos que
cada cidadão se julgue responsável pelo interesse público.
Precisamos estimular a cultura,
dimensão fundamental para o desenvolvimento humano pleno, protegendo e
incentivando as manifestações que incorporem a diversidade dos brasileiros.
Para termos desenvolvimento
econômico, precisamos de investimentos públicos (financiados por poupança
pública) e principalmente investimentos privados. E para os termos precisamos
de uma política fiscal, cambial socialmente responsáveis; precisamos juros
baixos e taxa de câmbio competitiva; e precisamos ciência e tecnologia.
Para termos diminuição da
desigualdade, precisamos de impostos progressivos e de um Estado de bem-estar
social amplo, que garanta de forma universal educação, saúde e renda básica. E
precisamos garantir às mulheres, aos negros, aos indígenas e aos LGBT direitos iguais
aos dos homens brancos e ricos.
Para termos proteção do ambiente,
precisamos cuidar de nossas florestas, economizar energia, desenvolver fontes
renováveis e participar do esforço para evitar o aquecimento global.
Neste manifesto inaugural estamos nos
limitando a definir as políticas públicas de caráter econômico. Apresentamos,
assim, os cinco pontos econômicos do Projeto Brasil Nação.
1- Regra fiscal que permita a atuação
contracíclica do gasto público, e assegure prioridade à educação e à saúde
2- Taxa básica de juros em nível mais
baixo, compatível com o praticado por economias de estatura e grau de
desenvolvimento semelhantes aos do Brasil
3- Superávit na conta-corrente do
balanço de pagamentos que é necessário para que a taxa de câmbio seja competitiva.
4- Retomada do investimento público
em nível capaz de estimular a economia e garantir investimento rentável para
empresários e salários que reflitam uma política de redução da desigualdade.
5- Reforma tributária que torne os
impostos progressivos.
Esses cinco pontos são metas
intermediárias, são políticas que levam ao desenvolvimento econômico com
estabilidade de preços, estabilidade financeira e diminuição da desigualdade.
São políticas que atendem a todas as classes exceto a dos rentistas.
A missão do Projeto Brasil Nação é
pensar o Brasil, é ajudar a refundar a nação brasileira, é unir os brasileiros
em torno das ideias de nação e desenvolvimento –não apenas do ponto de vista
econômico, mas de forma integral: desenvolvimento político, social, cultural,
ambiental; em síntese, desenvolvimento humano. Os cinco pontos econômicos do
Projeto Brasil são seus instrumentos– não os únicos instrumentos, mas aqueles
que mostram que há uma alternativa viável e responsável para o Brasil.
Estamos hoje, os abaixo assinados,
lançando o Projeto Brasil Nação e solicitando que você também seja um dos seus
subscritores e defensores.
Luiz Carlos Bresser-Pereira,
economista
Eleonora de Lucena, jornalista
Celso Amorim, embaixador
Raduan Nassar, escritor
Chico Buarque de Hollanda
Mario Bernardini, engenheiro
Roberto Schwarz, crítico literário
Pedro Celestino, engenheiro
Fábio Konder Comparato, jurista
Kleber Mendonça Filho, cineasta
Laerte, cartunista
João Pedro Stedile, ativista social
Wagner Moura, ator e cineasta
Vagner Freitas, sindicalista
Margaria Genevois, ativista de
direitos humanos
Rogério Cezar de Cerqueira Leite,
físico
Fernando Haddad, professor
universitário
Marcelo Rubens Paiva, escritor
Maria Victoria Benevides, socióloga
Luiz Costa Lima, crítico literário
Paul Singer, economista
Ciro Gomes, político
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo,
economista
Alfredo Bosi, crítico e historiador
Eclea Bosi, psicóloga
Manuela Carneiro da Cunha,
antropóloga
Fernando Morais, jornalista
Leda Paulani, economista
André Singer, cientista político
Luiz Carlos Barreto, cineasta
Paulo Sérgio Pinheiro, sociólogo
Maria Rita Kehl, psicanalista
Tata Amaral, cineasta
Eric Nepomuceno, jornalista
Carina Vitral, estudante
Luiz Felipe de Alencastro,
historiador
Roberto Saturnino Braga, engenheiro e
político
Roberto Amaral, cientista político
Eugenio Aragão, subprocurador geral
da República
Ermínia Maricato, arquiteta
Marcia Tiburi, filósofa
Frei Betto, escritor e religioso