segunda-feira, 16 de julho de 2018

A uberização da Uber, precarização do trabalho.

Imagem: Bruno Maron
Por Rodrigo Firmino e Bruno Cardoso.
Desde a década de 1980, a crise que assola o mundo do trabalho e a sociedade salarial vem sendo documentada e pensada pelo trabalho acadêmico e amplamente debatida nas arenas políticas dos mais diversos países. Essa crise implica o abalo do modelo que prevaleceu em parte considerável do século XX, caracterizado pelo predomínio do emprego formal, pela força da representação sindical e pelas negociações setoriais, além da associação entre a identidade dos cidadãos e sua ocupação profissional e um perfil de gênero majoritariamente masculino. 
Muitas dessas transformações se consolidaram ou se radicalizaram com a popularização e a conexão constante de dispositivos comunicacionais digitais e a internet, assunto que vem sendo tratado de forma exaustiva pela sociologia.1 Como efeitos, temos ao mesmo tempo o lento fim dos empregos e o esvaecimento das fronteiras entre o trabalho e o não trabalho. Além disso, os dispositivos tecnológicos e a rede vêm propiciando o surgimento de novos modelos de trabalho e de exploração de serviços, entre os quais nos interessa aqui diretamente o da sharing economy.
Tendo como protagonistas empresas que rapidamente se tornaram gigantes do ramo, como Airbnb e Uber, o fenômeno se espalha para vários tipos de serviço, acompanhados pela grande quantidade de empresas que apostam no que ficou conhecido como uberização. Esse fenômeno é marcado, entre outras coisas, pela precarização das relações de trabalho, já que as empresas se apresentam apenas como fornecedoras da tecnologia de intermediação de serviços, não assumindo com isso nenhuma responsabilidade trabalhista em relação a seus usuários-parceiros. 
Exemplos são os mais variados e assustadores, como o caso da prefeitura de Ribeirão Preto (SP), que chegou a elaborar um projeto, popularmente conhecido como professor Uber, para a contratação de aulas avulsas para a rede municipal de educação.2 Se para a Uber a consequência mais imediata parece ser a precarização das relações de trabalho e a extinção do vínculo formal, no caso do Airbnb os impactos se sentem mais, para além do setor hoteleiro, no processo de gentrificação das vizinhanças e da expulsão dos locatários tradicionais, com contratos longos e valores (bem menores) mensais, e não diários. Ambos, Airbnb e Uber, colaboram para a produção da cidade contemporânea, bastante diferente das cidades que viram o encerramento do século XX.
A rapidez da disseminação e o impacto da economia colaborativa não podem ser explicados apenas em razão do encolhimento do mercado de trabalho formal e da precarização das relações de trabalho, nem por conta do desenvolvimento e popularização dos dispositivos tecnológicos conectados pela internet. 
O modelo Uber-Airbnb obteve sucesso, diante de várias tentativas diferentes de start-ups na fervilhante economia dos aplicativos, também por ter “afinidade eletiva”, como diria Max Weber, com aquilo que é chamado de self empreendedor,3 característico da racionalidade neoliberalcontemporânea e dos modos de subjetivação que a produzem. 
Em outras palavras, trata-se da sedução do empreendedorismo, da autoconcepção dos indivíduos como “empresas de si”, constituídas primordialmente por capital humano e concorrendo com inúmeros outros indivíduos-empresa pela prestação de serviços ou por oportunidades de mercado. 
De proprietários imobiliários com vários imóveis no Airbnb a motoristas de Uber que trabalham até catorze horas por dia, seja como forma de aumentar seu capital econômico ou de sobreviver em um contexto de crise e queda nos índices de vagas de trabalho formal e de encolhimento do valor real do salário mínimo, cada vez mais pessoas se envolvem com o modelo da sharing economy.
Dani e o “comandante”: a precarização da liberdade
A uberização ganha contornos curiosos a cada dia, mas recentemente presenciamos o que parece ser uma tentativa de elevar ao máximo o aproveitamento desse tipo de precarização do ponto de vista da exploração do trabalho. Os detalhes do esquema impressionam pela engenhosidade das relações propostas para maximizar a exploração das horas contratadas de um trabalhador, a ponto de o contratado realizar atividades adicionais em suas horas de trabalho para, indiretamente, pagar por seu próprio salário.
Após um encontro da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits), em São Paulo, tomamos um UberX conduzido por uma jovem motorista chamada Daniele,5 muito simpática e alegre. Daniele seguia o caminho sugerido pelo aplicativo e conduzia com eficiência. Animados com as possibilidades de novos projetos de pesquisa sobre vigilância da Lavits, conversávamos sobre Big Data e as possibilidades de uso da coleta e manipulação de dados por governos, empresas e cidadãos. 
Debatíamos projetos para, por exemplo, modificar a precificação de apólices de seguro baseada na análise de dados individualizados e em tempo real de clientes, personificando de maneiras cada vez mais precisas os cálculos de risco.
Daniele manipulava seu celular enquanto conduzia, recebendo e respondendo mensagens de um interlocutor chamado “comandante”, mas parecia atenta à nossa conversa. Foi quando nos ocorreu envolvê-la na discussão, questionando-a sobre as condições do seguro de seu veículo pelo fato de usá-lo como instrumento de trabalho informal. 
Daniele respondeu dizendo que no seguro não havia informações sobre o uso da Uber, mas disse que o veículo, na verdade, pertencia a outra pessoa, seu “chefe”. Esse fato não passou despercebido, e queríamos saber mais sobre o que parecia ser um exemplo de terceirização de frota Uber, o que não seria o primeiro caso.
No entanto, estávamos equivocados. Daniele era motorista profissional, contratada por Michel para servir sua família. Seu trabalho seguia todas as regras trabalhistas, como jornada de oito horas diárias e registro em carteira. Entretanto, nas horas em que estava a trabalho e sem atividades específicas com a família de Michel, Daniele era obrigada a realizar corridas como motorista Uber, com as seguintes condições: todo valor repassado pela Uber iria diretamente para a conta do chefe; o e-mail cadastrado no serviço era o de Michel, que monitorava valores e trajetos conforme estes aconteciam; em caso de acidentes, a responsabilidade recairia sobre Daniele; celular e veículo eram de propriedade de Michel; e não havia a possibilidade de trabalhar sem aceitar essas condições.
Muito constrangidos e preocupados, começamos a fazer cada vez mais perguntas e a tecer comentários, sugerindo cuidados e o registro de todo o processo em caso de problemas futuros com a justiça trabalhista. Daniele então nos revelou outro detalhe assustador: o “comandante” com quem ela trocara mensagens pouco antes era o próprio Michel, que reclamava da quantidade pequena e do preço baixo das corridas. Afinal, ele recebia relatos de todas as corridas em tempo real. 
Já nos preocupávamos se nossas conversas também não estariam sendo monitoradas pelo “comandante”. Daniele se sentia pressionada e tinha de cumprir todos os requisitos, pois, como ela própria disse, “desse jeito sou eu que pago meu próprio salário”. A lucidez de sua análise ressaltava que o pagamento que recebia era composto por parte do que ela mesma arrecadava com o serviço de Uber durante sua jornada de trabalho, desempenhando uma função que se desviava de sua atividade-fim – conduzir a família de Michel ao shopping, à escola, ao clube etc.
A exploração se revelou complexa, astuta e eticamente questionável, de uma trabalhadora “semiprecarizada”, em uma situação construída sobre ambiguidades, por um patrão que se identificava no celular como “comandante”. Tratava-se de uma maximização da exploração de sua força de trabalho. Era curioso e surpreendente que, numa atividade tão característica da sharing economy e do self empreendedor, os velhos conceitos de mais-valia e de propriedade dos “meios de produção” pudessem fazer tanto sentido.
A história ganhou contornos de assédio moral quando Daniele relatou ter pedido para ser bloqueada pela própria Uber. Bloqueios de usuários/parceiros da Uber são comuns em casos de desobediência das regras de uso do serviço, mas nunca ou raramente a pedido do próprio usuário/parceiro. 
Isso mostra uma tentativa de Daniele de se desvencilhar da atividade adicional sem perder o emprego. Funcionou por alguns dias, apesar dos pedidos insistentes do “comandante” para que ela resolvesse a situação junto à Uber. A pressão se dava por meio de constantes comentários de que ele não conseguiria manter a motorista e que seria “obrigado a demiti-la”. 
Impaciente, ele mesmo criou uma nova conta para Daniele, que precisou voltar a fazer as corridas, já que dependia do dinheiro para se manter. Ela contou que, no auge da pressão, foi no escritório da Uber e explicou a história, sendo informada de que aquela situação era irregular e que não seria possível reativar sua conta. 
Já buscando abandonar definitivamente essa situação de “uberização da Uber”, Daniele contou que estava completando um curso para motorista de ônibus e que já tinha trabalhado como motorista de van escolar, função que não se importaria de desempenhar novamente.
Pouco antes de nos deixar em nosso destino, ainda houve tempo de sabermos outra faceta do caso: Daniele mencionou haver outra motorista trabalhando para a família nas mesmas circunstâncias. Chamou-nos a atenção o fato de serem ambas motoristas mulheres, o que foi justificado por Daniele como ciúme do “comandante” pelo fato de as motoristas estarem à disposição de sua esposa. 
Para além do ciúme da esposa, outros atravessamentos por relações de gênero (e poder) podem ser percebidos nessa situação, já que o “comandante” parecia inspirar medo em sua motorista e alimentava a relação patronal com constantes ameaças, certamente aproveitando-se do fato de sua funcionária ser mulher. 
A razão de empregar apenas mulheres possivelmente o fazia exercer outras formas de dominação e poder mais ou menos sutis e já extensamente pensadas e apontadas como características das relações de gênero no mundo do trabalho.
Antes que deixássemos Daniele e ela se fosse com outro passageiro, perguntamos se ela gostaria que a avaliássemos com a nota máxima (cinco estrelas) ou se preferia uma nota baixa, para ser bloqueada novamente pelo aplicativo. “Nota alta, né, porque a gente tem nosso orgulho.” A nota que demos, cinco estrelas, não era de forma alguma injusta. Longe disso, a viagem acabou sendo perturbadoramente agradável, apesar da história de precarização disfarçada, muito pela simpatia e abertura da própria Daniele, duplamente uberizada e sob vigilância de seu “comandante”.
Uberizações
O caso de Daniele nos mostra aspectos sombrios daquilo que vem sendo chamado de sharing economy. No lugar da maior liberdade e autonomia prometidas pelas formas de empreendedorismo criativo, o que pudemos ver foi um trabalho ainda mais intenso, controlado e hierarquizado. 
Se é verdade que o modelo de trabalho que constituiu o capitalismo industrial fordista vem se enfraquecendo desde a década de 1980, pelo menos não foi para nos dirigirmos a um mundo no qual o próprio trabalho e sua importância na constituição disciplinar da sociologia perderiam a cada dia mais sua centralidade.6 
De modo quase oposto, o trabalho vai se tornando onipresente, distribuído por dispositivos tecnológicos que nos acompanham a todo momento, nos alertam, nos conectam, nos rastreiam e, até certo ponto, nos aprisionam na mais plena mobilidade.
O “comandante”, sem dúvida, foi empreendedor ao ter a ideia de colocar suas duas funcionárias para trabalhar, nas “horas vagas de trabalho” como motoristas de sua família, também como motoristas potenciais de qualquer usuário da Uber em São Paulo. Ao ter a ideia de transformar seu veículo particular em meio de produção e, por meio de um contrato formal ambíguo, apropriar-se da mais-valia produzida por suas duas trabalhadoras, o “comandante” não faz algo muito diferente daquilo que Marx observou na aurora do capitalismo industrial, ainda no século XIX.
Não pretendemos com isso afirmar que a economia compartilhada e suas variações de capitalismo criativo empreendedor possam ser reduzidas ao caso que apresentamos, ou mesmo que este seja significativo das relações econômicas e sociais que emergem da sharing economy e a sustentam. 
Muito menos defendemos que a perspectiva marxista, elaborada 150 anos antes do surgimento de empresas como Uber e Airbnb e do modelo econômico que proporcionam, seja a principal chave de explicação para as transformações contemporâneas do mundo do trabalho. Contudo, ao destacarmos as especificidades desse caso, levando em consideração o contexto político do Brasil do pós-golpe de 2016 e o avanço das políticas neoliberais de desregulamentação do trabalho, não há como não pensarmos nas crescentes possibilidades de radicalização da exploração capitalista e da precarização das relações de trabalho. 
Gradualmente, um pouco sem sentirmos, um tanto sem reagirmos, vamos nos acostumando com formas cada vez mais criativas, empreendedoras e autônomas de explorar os mais pobres, mais fracos e mais precários. Um mundo de uberexploração de um trabalho cada vez maisuberificado.
*Rodrigo Firmino é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), editor-chefe da revista urbe (www.scielo.br/urbe) e membro fundador da Rede Latino-Americana de Estudos em Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits – www.lavits.org). E-mail: rodrigo.firmino@pucpr.br. Bruno Cardoso é professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro fundador da Lavits. E-mail: brunovcardoso@hotmail.com.
1 Ver, por exemplo, Manuel Castells, A sociedade em rede, Paz e Terra, São Paulo, 1999.
2 Ver Ana Luiza Basilio, “Professor Uber: a precarização do trabalho invade as salas de aula”, Carta Capital, 28 ago. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/BaAMiW>.
3 Nikolas Rose, Inventando nossos selfs, Vozes, Petrópolis, 2011; Nikolas Rose e Peter Miller, Governando o presente, Paulus, São Paulo, 2012.
4 Pierre Dardot e Christian Laval, A nova razão do mundo, Boitempo, São Paulo, 2016.
5 Os nomes foram modificados para preservar a identidade dos envolvidos.
6 Claus Offe, “Trabalho: a categoria-chave da sociologia?”, RBCS: Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.4, n.10, p.6-20, 1989.

domingo, 15 de julho de 2018

No dia do amigo, venha conhecer o CVV.

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Foto - Imagem ilustrativa disponibilizada na internet

Convidamos o público em geral para vir conhecer o CVV/São Luís, entidade não governamental, cujo objetivo é oferecer gratuitamente apoio emocional às pessoas e prevenção do suicídio. 

Na oportunidade teremos uma palestra inaugural, na qual serão abordadas questões referentes ao modo de funcionamento e trabalho voluntário.

Quando: Na próxima sexta-feira, dia: 20/07/2018 (data em alusão ao Dia do Amigo). Horário previsto: 14:00h

Onde: Auditório do COREME, no Hospital  Nina Rodrigues. Na Avenida Getúlio  Vargas n°. 2508, Bairro do Monte Castelo, São Luís - MA.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Índia. A história de Solapur, onde as cooperativas populares de habitação constroem uma cidade para as e os trabalhadores.


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Os projetos habitacionais populares em Solapur, na Índia, provam que a grande força dos movimentos organizados pelos trabalhadores, com a cooperação dos governos, pode produzir resultados.

“Antes, usávamos uma pequena cabana em uma favela em Shastri Nagar, cidade de Solapur. 
Quando chovia, a cabana costumava pingar, e não havia um único espaço seco dentro. Tínhamos que tirar continuamente a água quando chovia”, diz Balamani Ambaiah Mergu. Ela está enrolando beedis, um cigarro fino, em sua casa em Kumbhari, o local de uma iniciativa de habitação liderada pelo Centro dos Sindicatos Indianos (CITU).

Mergu, cuja língua materna é Telugu, é uma das trabalhadoras da produção de beedi que fazem parte do primeiro dos três principais projetos habitacionais do CITU em Solapur, no sudeste de Maharashtra, um estado no oeste da Índia. O projeto, batizado em homenagem ao falecido líder comunista Godavari Parulekar, conta com 10.000 caeesas e foi considerado o maior do gênero na Ásia.

A iniciativa de habitação do CITU em Solapur é um esforço histórico que proporcionou moradias acessíveis a milhares de trabalhadores. Ao formar cooperativas e persuadir os governos federal e estadual a dedicar fundos para esse fim, os trabalhadores tiveram mais de 15 mil casas construídas desde 2001. A construção de outras 30 mil casas começou em janeiro de 2018, e deve ser concluída em quatro anos.

Ler o dossié


Assembleia aprova criação de Grupo de Estudos da Constituição do Maranhão.


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Ribamar Santana - Agência Assembleia.

A Assembleia aprovou, nesta quarta-feira (11), Projeto de Resolução Legislativa 016/2018, de autoria da Mesa Diretora, criando o Grupo de Estudo da Constituição do Estado do Maranhão, em comemoração aos 30 anos de promulgação da Carta Magna Estadual.

O Grupo de Estudo tem por objetivo elaborar a Constituição do Estado do Maranhão Anotada, tendo a coordenação dos trabalhos sob a responsabilidade de três deputados, indicados pela Presidência da Casa, e a Consultoria Legislativa como responsável pela execução da tarefa.

A Resolução Legislativa prevê que o presidente da Assembleia poderá convidar membros de outros poderes ou órgãos do Estado, para participar do Grupo de Estudo, para contribuírem em áreas de suas respectivas atuações.

A Constituição do Estado do Maranhão foi promulgada pela Assembleia Estadual Constituinte do Maranhão em 5 de outubro de 1989, um ano depois da promulgação da Constituição Federal. O corpo da atual Constituição do Maranhão conta com 273 artigos e, ainda, mais 53 artigos nos Atos das Disposições Transitórias.

Letalidade no Rio e na Baixada demanda a construção de um ‘Pacto Pela Vida’.

Foto - Um Pacto pela Vida. Como construí-lo?
por Fabio Leon, em RioOnWatch.
Rio de Janeiro. Sujeitos matáveis, criminalizados pela pobreza, indignos de vida. Não importa os dados produzidos pelas pesquisas acadêmicas e tampouco os gritos de ativistas ou movimentos sociais de direitos humanos, a impressão que se tem é que políticas públicas que poderiam interferir diretamente na redução dos homicídios em massa da população negra, periférica e favelada, protagonizados por agentes do Estado, estacionam em um grau de ineficiência traduzida na falta de rigor de suas aplicações pelas autoridades e poder público. As sensações percebidas por militantes de causas minoritárias é um misto de perplexidade e desânimo, embora tentativas de se discutir a violência por quem sofre as arbitrariedades das forças de segurança permaneçam legítimas.
Um exemplo desse cenário aconteceu em dois eventos na última quinta-feira, dia 5 de julho, em territórios opostos da cidade do Rio de Janeiro. No Complexo da Maré, o luto e as lutas de mães que perderam seus filhos nas mãos da máquina de matar do Estado converteu-se na intenção de formalizar um processo judicial inédito. 
Pela primeira vez, um conjunto de favelas está propondo ao Ministério Público, com o apoio da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, uma ação civil pública para que as operações militares nas comunidades passem a ter letalidade zero. Por isso, o nome do evento é “Perturbando o Juízo“, em alusão à demanda que está sendo feita ao poder judiciário. 
Para o debate acerca da proposta, foram convidados o secretário estadual de segurança em exercício, o General Richard Nunes, além de representantes do Ministério Público, da Polícia Militar e da Polícia Civil para debate em um galpão cultural da comunidade. Nenhum deles apareceu.
Mais tarde no mesmo dia, na Gávea, bairro nobre da Zona Sul carioca, com um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, o Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio organizava o debate Um Pacto pela Vida – Como construí-lo? Em que representantes de nove organizações se debruçaram sobre a questão de como abordar esse desafio e suas diversas implicações. Alguns dos convidados também haviam participado do debate na Maré e, talvez, impactados com o que testemunharam anteriormente, teceram avaliações mais críticas sobre os rumos a serem norteados.
O coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo, um dos primeiros a ter a palavra, disse que era preciso entender o significado essencial de pacto pela vida. A provocação visava externalizar dúvidas sobre se todas as vidas seriam contempladas num eventual pacto ou existiria a possibilidade de algumas (mais privilegiadas talvez?) se sobressaírem em detrimento de outras. “Sou morador, nascido e criado na Baixada Fluminense e sempre ouvimos falar de chacinas, grupo de extermínio. 
Deveria ser pensado um pacto social, sem dúvida. Mas será que a vida dos negros, pobres em sua grande maioria, que representam a maior fatia de moradores da Baixada Fluminense, importam aos gestores públicos? Eles mesmos alimentam essa máquina de matar. Não comparecem a determinados espaços, dão respostas evasivas sobre suas atuações. A própria sociedade não se motiva, não se mobiliza. Determinadas mortes provocam certa repercussão e indignação até ocorrer a próxima chacina”, diz Adriano.

Baixada, a campeã de várias letalidades

Falar sobre a violência na Baixada Fluminense está longe de ser uma novidade. Não importa a esfera governamental,  pouco ou nada se fez nas treze cidades que compõem uma região que abriga mais de 3 milhões de habitantes, inserida em uma dinâmica de violência que atravessa décadas. Nunca se efetivou uma política pública na área de segurança de forma estruturada como foi a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs)–ainda que essas tenham mais servido de maquiagem política para resguardar os megaeventos esportivos, tais como os Jogos Olímpicos (2016), a Copa do Mundo (2014) e a Copa das Confederações (2013), do que uma política efetiva voltada para a preservação das vidas dos moradores.
A cidade de Queimados, por exemplo, foi apontada como o município mais violento do país. O dado é do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado mês passado. De acordo com o estudo, o município tem taxa de 134,9 mortes violentas para cada 100.000 habitantes. A pesquisa considera mortes violentas a soma de agressões, intervenções legais e mortes violentas com causa indeterminada, tomando como referência o município de residência da vítima. Os dados analisados são de 2016, último ano disponível no Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM-DATASUS).
Entretanto, se forem considerados os primeiros sete meses de 2014, época em que o governo do estado ainda trabalhava com a perspectiva das Áreas de Segurança Pública Integrada(AISPs), cinco das seis AISPs da Baixada obtiveram os maiores índices do estado de letalidade violenta, a soma dos homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte, roubos seguidos de morte e autos de resistência, para cada 100.000 habitantes. Entre 2006 e 2013 houve um total de 13.163 homicídios na Baixada–uma morte a cada cinco horas.

Ministério Público reconhece falhas

Voltando ao seminário na PUC, a assessora de direitos humanos e minorias do Ministério Público (MP), Eliane Pereira, trouxe alguns esclarecimentos sobre o que o órgão tem feito em relação a esse cenário caótico. A promotora afirmou que o MP, num “processo de auto-avaliação”, segundo suas próprias palavras, reconheceu que está aquém de suas atribuições em exercer o controle da atividade policial. “No que se refere a privação de liberdades, por exemplo, não conseguimos impedir que as unidades de medidas socioeducativas para menores em conflito com a lei se transformassem em verdadeiros cárceres militarizados, decorrendo daí casos de morte. 
A partir dessa análise, acreditamos que precisamos ter mais perto os movimentos sociais e os movimentos precisam ocupar o MP. Precisamos ter racionalidade e método para estabelecer frentes de trabalho com resultados mais efetivos. Talvez tenhamos demorado a nos reinventar, a entrar nessa perspectiva de saber nos criticar institucionalmente”, disse Elaine.
O coordenador do iBASE, Itamar Silva, foi outro representante da sociedade civil que analisou criticamente a apatia que domina diversos setores da sociedade em relação à violência, especialmente àquela decorrente de agentes do Estado em favelas. E criticou ações isoladas, mesmo as progressistas. “Mortes como a do estudante Marcos Vinícius, da Maré, não causam mais tanta mobilização. E, pra piorar, vivemos debaixo de uma espécie de guarda-chuva onde cada um se protege como pode. Há uma fragmentação das lutas”, disse ele.
Para a cientista social Silvia Ramos, do Centro de Estudos em Segurança Pública e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes, e coordenadora do Observatório da Intervenção, conjunto de movimentos e organizações do qual faz parte o Fórum Grita Baixada, uma das formas para que a intervenção federal militar se fizesse legítima em suas ações para conter o avanço da criminalidade seria a mudança do gabinete de crise. “Queimados não é a cidade mais violenta do país? O que eles estão fazendo aqui? A intervenção tinha que ir para o principal batalhão da cidade e começar a trabalhar ali desde já. O problema da violência tem solução, mas demanda tempo e muitas ações estratégicas. Nunca foi fácil, porém mais difícil do que a própria dificuldade em si é trabalhar com pessoas sem inciativa”, disse Silvia.
Também participaram da mesa: Edison Diniz, da ONG Redes da Maré; defensora pública Eufrásia das Virgens; ativista do Movimento Popular de Favelas André Lima; presidente da Fiocruz Nísia Trindade; e Victoria Sulock, pesquisadora do núcleo de Direitos Humanos do departamento de Direito da PUC-Rio.
Matéria escrita por Fabio Leon e produzida por parceria entre RioOnWatch e o Fórum Grita Baixada. Fabio é jornalista e ativista dos direitos humanos e assessor de comunicação no Fórum Grita Baixada. O Fórum Grita Baixada é um fórum de pessoas e instituições articuladas em torno da Baixada Fluminense, tendo como foco o desenvolvimento de estratégias, o fomento de articulações e a incidência política no campo da segurança pública, entendida como elemento para a cidadania e efetivação do direito à cidade. Siga o Fórum Grita Baixada pelo Facebook aqui.

Por quanto tempo o banco central dos EUA poderá adiar o inevitável? por Paul Craig Roberts [*].

Por quanto tempo o banco central dos EUA poderá adiar o inevitável? por Paul Craig Roberts [*]

Quando irão as grandes empresas transnacionais dos EUA e representantes da Wall Street sentar-se com o Presidente Trump e explicar-lhe que a sua guerra comercial não é com a China, mas com eles próprios? A maior parte do défice na balança comercial dos EUA com a China é produção deslocalizada de transnacionais dos EUA. Quando estas transnacionais trazem o que produzem na China para o mercado dos EUA, os produtos são classificados como importações da China. 

Há seis anos, quando escrevia The Failure of Laissez Faire Capitalism , cheguei à conclusão evidente que metade das importações dos EUA a partir da China consiste em produção deslocalizada de empresas norte-americanas. As deslocalizações são um benefício substancial para as empresas norte-americanas devido aos custos laborais e custos de contexto muito mais baixos. Lucros, bónus para os dirigentes e ganhos de capital dos acionistas, receberam um grande impulso com as deslocalizações. Os custos destes benefícios para poucos caíram sobre os muitos – os ex-empregados norte-americanos que anteriormente tinham um rendimento de classe média e expectativas para seus filhos.

No meu livro mencionei a evidência de que durante a primeira década do século XXI "os EUA perderam 54 621 fábricas, e o emprego industrial reduziu-se em 5 milhões de trabalhadores. Ao longo da década, o número de fábricas maiores (aquelas que empregam 1 000 ou mais empregados) diminuiu 40%. Fábricas empregando 500 a 1.000 trabalhadores diminuíram 44%; aquelas que empregam entre 250 a 500 trabalhadores diminuíram 37%, e aqueles que empregam entre 100 a 250 trabalhadores reduziram-se em 30%. Estas perdas são líquidas de criação de novas empresas. Nem todas as perdas são devido às deslocalizações, algumas são o resultado de falências" (p. 100).

Por outras palavras, em termos mais simples e claros, milhões de americanos perderam seus empregos de classe média não porque a China agiu injustamente, mas porque empresas americanas traíram o povo americano e exportaram os seus empregos. "Tornar a América novamente grande" significa lidar com estas empresas, não com a China. Quando Trump aprender isto, supondo que alguém lho dirá, irá recuar em relação à China e empreender alguma ação relativamente às transnacionais norte-americanas?

A perda de empregos de classe média teve um efeito terrível sobre as esperanças e expectativas dos norte-americanos, a economia dos EUA, as finanças das cidades e Estados e, deste modo, a sua capacidade de cumprir obrigações quanto aos reformados e prestação de serviços públicos na base dos impostos para a Segurança Social e Medicare, ameaçando assim, estes elementos importantes do consenso americano.

Em suma, a elite empresarial gananciosa tirou benefícios para ela própria a um custo enorme para o povo americano e para a estabilidade económica e social dos Estados Unidos.

A perda do emprego devido às deslocalizações também teve um impacto enorme e terrível sobre a política do Federal Reserve (banco central). O declínio do crescimento do rendimento provocou a estagnação económica dos EUA. O Federal Reserve sob Alan Greenspan promoveu uma expansão do crédito ao consumo necessário para a falta de crescimento assente no rendimento dos consumidores, a fim de manter a procura agregada. Em vez de aumentos salariais, Greenspan baseou-se num aumento da dívida dos consumidores para acelerar a economia.

A expansão do crédito e o consequente aumento dos preços dos imóveis, juntamente com a desregulamentação do sistema bancário, especialmente a revogação da lei Glass-Steagall, produziram a bolha imobiliária, fraude e produtos financeiros derivados de hipotecas que deram origem à crise financeira de 2007-08.

O Federal Reserve respondeu à crise não caucionando a dívida dos consumidores, mas caucionando a dívida onde ela fora constituída – nos grandes bancos. O Federal Reserve deixou falir os bancos pequenos para serem comprados pelos grandes, aumentando ainda mais a concentração financeira. O aumento de vários milhões de milhões de dólares no balanço do Federal Reserve fez-se inteiramente em benefício de um punhado de grandes bancos. Nunca antes na História uma agência do governo dos EUA havia agido tão decisivamente a favor de apenas uma classe de proprietários.

A forma como o Federal Reserve salvou os grandes bancos irresponsáveis, que deveriam ter falido e ser fechados, foi a de aumentar os preços dos ativos problemáticos na contabilidade dos bancos, reduzindo as taxas de juro. Para ficar claro, as taxas de juro e os preços dos títulos financeiros movem-se em direções opostas. Quando as taxas de juro são reduzidas pelo Federal Reserve, que o consegue através da compra de instrumentos de dívida, os preços daqueles títulos sobem. Como os vários riscos de dívida se movem conjuntamente, com taxas de juro mais baixas os preços de todos os instrumentos de dívida sobem, mesmo aqueles com problemas. O aumento dos preços dos títulos de dívida produziu desta forma balanços solventes para os grandes bancos.

Para alcançar o seu objectivo, o Federal Reserve tinha de reduzir as taxas de juro a zero, o que mesmo com a baixa inflação verificada dava origem a taxas de juros negativas. Essas taxas tão baixas tiveram consequências desastrosas. Por um lado, baixas taxas de juro provocam todo tipo de especulações. Por outro lado, baixas taxas de juro privaram os reformados dos seus rendimentos de poupanças forçando-os a retirar capital, reduzindo assim a riqueza acumulada entre os 90% da população. A taxa de inflação subavaliada também negou aos aposentados da Segurança Social ajustes no seu nível de vida forçando-os a gastar do seu capital.

As taxas de juro baixas também incentivaram administradores de grandes empresas a pedir dinheiro emprestado a fim de comprar ações da própria empresa e, assim, elevar o seu preço e consequentemente os bónus e opções de ações dos executivos e membros dos Conselhos de Administração bem como ganhos de capital para os acionistas. Por outras palavras, as empresas endividaram-se para o benefício de curto prazo de executivos e acionistas. As empresas que se recusavam a participar deste golpe foram ameaçadas pela Wall Street com tomadas de controle(takeovers). 

Por conseguinte, atualmente a combinação da política do Federal Reserve com a de deslocalização de empresas deixou os EUA numa situação em que todos os aspectos da economia estão endividados – consumidores, governos, em todos os seus níveis, e empresas. Um estudo recente do Federal Reserve concluiu que os americanos estão tão endividados e tão pobres que 41% da população americana não pode obter 400 dólares sem pedir emprestado à família ou a amigos ou vender bens pessoais.

Um país com uma população tão endividada deixou de ter mercado consumidor. Sem um mercado consumidor, não há crescimento económico, além dos falsos números orquestrados pelo governo dos EUA subavaliando a taxa de inflação.

Sem crescimento económico, consumidores, empresas, governos federais, estaduais e locais não podem pagar as suas dívidas e cumprir as suas obrigações.

O Federal Reserve aprendeu que pode manter a boiar este esquema Ponzi que é a economia dos EUA através da impressão de moeda com a qual suporta preços de activos financeiros. A alegada ascensão das taxas de juro pelo Federal Reserve não é uma ascensão real. Mesmo a taxa de inflação subavaliada é mais alta do que os aumentos da taxa de juro, com a resultante de que a taxa de juro real cai. Se o mercado de acções tentar vender barato, antes de isto provocar muito dano o Federal Reserve intervém e compra S&P futures , elevando assim os preços das acções.

Normalmente, tanta criação de moeda pelo Federal Reserve, especialmente em conjunto com um nível tão alto de dívida do governo federal e também dos governos estaduais e locais, consumidores e empresas, provocaria uma diminuição taxa de câmbio do dólar americano. Por que é que isto ainda não aconteceu?

Por três razões. Uma é que os bancos centrais das outras três moedas de reserva – o Banco Central do Japão, o Banco Central Europeu e o Banco de Inglaterra – também estão a imprimir dinheiro. As suas"quantitative easing", que ainda continuam, compensam os dólares criados pela Reserva Federal e evitam a depreciação do dólar dos EUA

Uma segunda razão é que quando a suspeição do valor do dólar eleva o preço do ouro, o Federal Reserve ou os seus bancos autorizados a actuar no ouro curto-circuitam futuros de ouro com contratos a descoberto. Isto faz baixar o preço do ouro. Existem numerosos artigos no meu site, meus e de Dave Kranzler, provando ser este o caso. Não há dúvidas acerca disto.

A terceira razão é que os gestores de dinheiro, indivíduos, fundos de pensões, todos e tudo o resto preferem obter ganhos do que deixar de o fazer. Portanto, eles deixam-se ir no esquema Ponzi. As pessoas que não beneficiaram deste esquema na década passada foram aqueles que compreendiam o que era um esquema Ponzi, mas não compreenderam a corrupção que tem assolado o Federal Reserve e a capacidade e vontade deste banco central para continuar a alimentar o esquema Ponzi.

Como expliquei anteriormente, o esquema de Ponzi desmorona quando se torna impossível continuar a apoiar uma moeda tão sobrecarregada como está o dólar devido aos níveis de dívida e abundância de dólares que poderiam ser despejados nos mercados cambiais.

É por isso que Washington está determinada a manter sua hegemonia. É a hegemonia de Washington sobre o Japão, Europa e Reino Unido que protege o esquema Ponzi dos EUA. No momento em que um destes bancos centrais deixar de apoiar o dólar, os outros seguem-no e o esquema Ponzi poderia desabar. Se os preços de dívida e ações fossem reduzidos aos seus valores reais, os Estados Unidos já não teriam lugar nas fileiras das potências mundiais.

O que isto implica é que guerra, e não reforma económica, é o mais provável futuro dos EUA.

Num texto posterior espero explicar por que razão nenhum partido político dos EUA tem a consciência e a capacidade para tratar de problemas reais.

Do mesmo autor: 

  • A intervenção do banco central serve os Um Porcento (acerca do preço do ouro)
  • O assalto do Fed ao ouro
  • A manipulação do mercado do ouro pelo Fed 
  • [*] Foi secretário do Tesouro assistente dos EUA para política económica e editor associado doWall Street Journal. Foi colunista da Business Week, Scripps Howard News Service e Creators Syndicate. Seus livros mais recentes são The Failure of Laissez Faire Capitalism and Economic Dissolution of the West , How America Was Lost e The Neoconservative Threat to World Order . 

    O original encontra-se em www.informationclearinghouse.info/49718.htm 

    Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .
  • quinta-feira, 12 de julho de 2018

    CNJ firma protocolo com Conselho de Psicologia para atender vítimas de violência.

    Escolas de psicologia vão oferece serviços psicológicos à mulheres vítimas de violência pelo documento assinado por Cármen Lúcia e Rogério Giannini. FOTO: Nelson Jr./SCO/STF
    Escolas de psicologia vão oferece serviços psicológicos à mulheres vítimas de violência pelo documento assinado por Cármen Lúcia e Rogério Giannini. FOTO: Nelson Jr./SCO/STF.
    A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, e o presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Rogério Giannini, assinaram um protocolo de intenções para dar assistência psicológica às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, assim como de seus dependentes.
    O documento, assinado nesta quarta-feira (4/7), viabiliza o atendimento integral e multidisciplinar, prevista pela Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (Portaria 15/2017), criada no ano passado pelo CNJ, por meio de parcerias entre o Judiciário e os serviços-escolas de psicologia. 

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    Com o acordo, CNJ e CFP se comprometem a colaborar para a celebração de parcerias entre as Coordenadorias da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar dos Tribunais de Justiça e serviços-escola de psicologia, vinculados a instituições de ensino superior.

    Mulher não é propriedade

    Na assinatura do termo, a ministra Cármen Lúcia destacou a importância da união de forças para combater a violência contra a mulher. “Podemos construir juntos algo transformador para a sociedade”, disse. A presidente do CNJ apontou que há resultados positivos de casos em que o juiz determinou acompanhamento psicológico para agressores de mulheres.
    “Muitos homens consideram a esposa sua propriedade, acham normal agredi-la e não compreendem que estão fazendo uma coisa errada”, afirmou.
    O protocolo de intenções fomenta o trabalho das equipes de atendimento multidisciplinar dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher e pretende fortalecer a assistência das vítimas no tratamento das sequelas provenientes das agressões sofridas. 
    “Nossa intenção é fazer um atendimento especial a essa população, não culpabilizando a vítima, mas procurando trabalhar a autonomia dessa mulher e fortalecer seus laços sociais e comunitários”, afirmou Rogério Giannini, presidente da Conselho. 

    Parceria com os Tribunais

    O CNJ dará apoio às Coordenadorias da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, acompanhando-as na consolidação das parcerias com os serviços-escolas de psicologia. Estabelecida a parceria com os serviços-escolas de psicologia, o CFP recomendará a promoção de parceria com os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dará ciência ao CNJ.
    O documento cita que o serviço-escola de psicologia cumpre dupla função: oferece serviços psicológicos à população, assim como cria condições para o treinamento de profissionais, estudantes de psicologia. 
    Para Giannini, esse trabalho em conjunto do Judiciário, Conselhos Regionais de Psicologia, Associação Brasileira de Ensino da Psicologia (ABEP) e universidades também ajudará a formar uma nova geração de profissionais com conhecimento sobre esse tema. “Além de contribuirmos com os cidadãos, também haverá um legado na área pedagógica”, disse.
     Além da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, a promoção de parcerias para viabilizar atendimento integral e multidisciplinar às vítimas de violência doméstica, também está prevista na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) que, dentre outras medidas, prevê a possibilidade de o juiz determinar indicação de atendimento profissional especializado.
    Regina Bandeira
    Agência CNJ de Notícias
    Link: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87118-cnj-firma-protocolo-com-conselho-de-psicologia-para-atender-vitimas-de-violencia-3?acm=273219_10946