domingo, 22 de julho de 2018

Lula Livre * Lula Livro. Livro manifesto pedindo a liberdade de Lula sai essa semana

Livro manifesto pedindo a liberdade de Lula sai essa semana.

por Jornalistas Livres21 julho, 2018.

Organizado por Ademir Assunção e Marcelino Freire, o livro-manifesto Lula Livre * Lula Livro, será lançado essa semana e traz textos e fotos de gente como Aldir Blanc, Alice Ruiz, Augusto de Campos, Chacal, Chico Cesar, Chico Buarque, Eric Nepomuceno, Frei Betto, Ferréz, Glauco Matosso, Jotabê Medeiros, Laerte, Raduan Nassar, Sérgio Vaz e muitos outros. O fotógrafo Juvenal Pereira anunciou o lançamento em sua página do Facebook

Veja abaixo: Esta foto que fiz em 1989 (quando trabalhava na Folha de S Paulo) foi na reunião do PT em Cajamar – SP e foto da capa, são as duas fotografias que vão estar no livro LULA LIVRO – UM MANIFESTO.

Contente em participar mais uma vez das pelejas do Lula.

É mais do que um livro. É um livro-manifesto.

São 86 poetas, escritores e cartunistas, de todas as regiões do Brasil, se posicionando contra a farsa jurídica, política e midiática que resultou na prisão política do ex-Presidente Lula. 

Contra a continuidade do golpe de 2016.

Contra o retrocesso político, social, cultural e mental em curso no Brasil.

Haverá um pré-lançamento no dia 28, na Casa Paratodos, no Circuito Off-Flip, em Paraty.

Estão sendo organizados também lançamentos em São Paulo e na Vigília Lula Livre, diante do prédio da Polícia Federal, em Curitiba, na primeira semana de agosto.

Até quarta-feira será lançada uma página na internet com todas as obras do livro, informações e PDFs da capa e miolo para quem quiser fazer download e compartilhar.

Material em inglês já está sendo preparado para divulgação junto à imprensa internacional.

Ao barulhaço pela liberdade de Lula.

https://jornalistaslivres.org/lulalivre-lulalivro/
Link: https://jornalistaslivres.org/lulalivre-lulalivro/

Rolê pelo lado selvagem. Trump encontra Putin na Estação Finlândia.

Russian President Vladimir Putin, right, offers a ball from the 2018 football World Cup to US President Donald Trump during their joint press conference after a meeting at the Presidential Palace in Helsinki, on July 16, 2018. Photo: AFP/ Yuri Kadobnov

17/7/2018, Pepe Escobar, Asia Times.

“Todo mundo tinha de pagar e pagava um michê aqui, um michê ali” - Rolê pelo lado selvagem (Lou Reed).


“O outro elemento do gênio de Marx é uma intuição psicológica peculiar: ninguém jamais enxergou com olhos tão implacáveis a infinita capacidade humana de não perceber ou de encarar com indiferença a dor que infligimos aos outros, quando temos oportunidade de tirar algum lucro, da dor infligida” (WILSON, Edmund, Rumo à Estação Finlândia. Escritores e Atores da História, trad. Paulo Henrique Brito. São Paulo: Companhia das Letras, 1972).*
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“A Guerra Fria é coisa do passado”. Quando o presidente Putin disse tal coisa, nos comentários preliminares à conferência de imprensa que os dois presidentes, Trump e Putin deram em Helsinki, já era claro que não poderia durar. Não depois de tamanho investimento, dos conservadores norte-americanos, na Guerra Fria 2.0.

Russofobia é indústria que opera 24 horas/dia, 7 dias/semana, e inclui tudo e todos, também a mídia-empresa vassala, que permanece lívida de fúria ante a “amaldiçoada” conferência conjunta Trump-Putin. Trump está em “colusão” com a Rússia. Traidor. Como pode o presidente dos EUA promover a “equivalência moral” com um escroque de fama mundial”?

Não faltaram oportunidades para surto de indignação apoplética.

Trump: “Nosso relacionamento jamais foi pior do que hoje. Mas isso mudou. Agora mesmo, há cerca de quatro horas.”

Putin: “Os EUA poderiam ser mais firmes e dar jeito naquela liderança ucraniana”.

Trump: “Nunca houve colusão. Ganho de Hillary Clinton, fácil, em qualquer eleição.”

Putin: “Devemos nos guiar por fatos. Quem pode apontar um fato, um, que seja, que prove que houve colusão? A coisa toda não passa de sandices.”

E aí, o direto na orelha: o presidente da Rússia grita “é blefe” ao [Conselheiro Especial] Robert Mueller. Diz que se oferece para interrogar os russos acusados de interferir em eleições nos EUA, desde que Mueller encaminhe a Moscou um pedido oficial. OK. E, em troca, a Rússia apreciaria que os EUA consultassem o próprio povo, sobre se há algum crime de que Moscou possa ser acusada.

Trump acertou no fundo do gol, quando lhe perguntaram em quem acreditava: na inteligência dos EUA, que concluiu que a Rússia interferira na eleição, ou em Putin, que nega qualquer interferência. “Se o presidente Putin diz que não foi a Rússia, não vejo razão para supor que tivesse sido.”

E como se não bastasse, dobrou a aposta, e falou, ele, sobre o servidor do Comitê Democrata Nacional. “Queria muito ver o tal servidor. Que fim levou? Onde está? Onde está o servidor e o que diz aquele servidor?”

Era inevitável, e aconteceu, que um encontro de cúpula crucialmente importante entre os presidentes da Rússia e dos EUA acabaria sequestrado pela demência do ciclo ‘noticioso’ nos EUA.

Trump não se abalou. Ele sabe que os discos rígidos do computador do Comitê Democrata Nacional – de onde teriam sido ‘hackeados’ os tais ‘dados’ – simplesmente “sumiram” quando estavam sob custódia da inteligência dos EUA, FBI incluído. Ele sabe que seria necessária largura de banda muito maior para transferir arquivos, do que tudo que algum hacker poderia ter, naquele prazo. Foi um vazamento: os dados foram baixados para um flash-drive.

Além do mais, Putin sabe que Mueller sabe que jamais conseguirá arrastar 12 agentes da inteligência russa até um tribunal nos EUA. Assim sendo, a tal acusação – já desqualificada – anunciada apenas três dias antes da reunião de Helsinki, não foi senão uma granada de mão judicial preventiva.

Não surpreende que John Brennan, ex-diretor da CIA no governo de Obama, esteja furioso. “A conferência de imprensa de Donald Trump em Helsinki já supera os limites do que se define como ‘crime e transgressão grave’. Estamos diante de traição. Não é só que os comentários de Trump foram imbecis: ele está na gaveta de Putin.”

Como se ligam Síria e Ucrânia
Mas há razões para que se possa esperar pelo menos pequenos avanços nos três fronts em Helsinki: uma solução para a tragédia síria; um esforço para limitar as armas nucleares e salvar o Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário assinado em 1987 por Reagan e Gorbachev; e um movimento para normalizar as relações EUA-Rússia, afastando a Guerra Fria 2.0.

Trump sabia que nada tinha a oferecer a Putin para negociar alguma coisa na Síria. O Exército Árabe Sírio controla agora virtualmente 90% do território nacional. A Rússia está firmemente plantada no Mediterrâneo Oriental, especialmente depois de assinar acorde de 49 anos com Damasco.

Mesmo considerando menções cautelosas a Israel feitas pelos dois lados, Putin com certeza não aceitou forçar o Irã para fora da Síria.

Não parece que esteja em andamento alguma “grande barganha” que envolva o Irã. O principal conselheiro do Aiatolá Khamenei, Ali Akbar Velayati, esteve em Moscou na semana passada. A entente cordiale Moscou-Teerã parece inabalável. Ao mesmo tempo, como Asia Times apurou, Bashar al-Assad disse a Moscou que pode até concordar com a saída do Irã, mas em troca de Israel devolver as colunas sírias do Golan ocupadas por Israel. O status quo, portanto, não mudou.

Putin mencionou que os dois presidentes discutiram o acordo nuclear iraniano (ing. Joint Comprehensive Plan Of Action] e que, essencialmente, concordam empenhadamente em discordar. O secretário de Estado Mike Pompeo e o secretário do Tesouro Steven Mnuchin redigiram carta em que formalmente rejeitam um apelo para criar exceções nas sanções, em finanças, energia e atenção à saúde, enviado por Alemanha, França e Grã-Bretanha. Máximo bloqueio econômico continua a ser o nome do jogo. Putin pode ter convencido Trump das possíveis graves consequências de um embargo dos EUA sobre o petróleo iraniano e, mesmo, de um cenário (implausível) de Teerã bloquear o Estreito de Ormuz.

Julgando-se pelo que disseram os dois presidentes e por tudo que vazou até agora, Trump pode não ter oferecido reconhecimento explícito da Crimeia como território russo, nem qualquer alívio das sanções ligadas à Ucrânia.

O que parece razoável é visualizar um balé de palavras, extremamente delicado, em termos do que foi realmente discutido com relação à Ucrânia. Mais uma vez, a única coisa que Trump poderia oferecer no caso da Ucrânia seria algum alívio nas sanções. Mas para a Rússia as apostas são muito mais altas.

É sabido que Putin vê o Sudeste Asiático e a Europa Oriental como completamente integrados. A bacia do Mar Negro é onde se cruzam Ucrânia, Turquia, Europa Oriental e o Cáucaso. Ou, em termos históricos, aí é para onde convergiam os impérios russo, otomano e dos Habsburgo.

Um Mar Negro Expandido implica convergência geopolítica do que está acontecendo na Síria e na Ucrânia. Por isso só um pacote geral interessa ao Kremlin. Não é por acaso que Washington identifica esses dois nodos e trata-os como um – desestabilizar Damasco e virar as mesas em –, para causar problemas para Moscou.

Putin sabe que Síria estável e Ucrânia estável são essenciais para aliviar o peso, para os russos, nos negócios com os Bálcãs e os países do Báltico. Voltamos mais uma vez à encruzilhada geopolítica clássica, o Intermarium (“entre os mares”). É ultra contestado ‘cinturão’ da Estônia ao norte, até a Bulgária no sul – e até o Cáucaso no leste. Mais uma vez, sempre foi moldura onde se travavam as disputas entre Alemanha e Rússia. Agora é moldura para as disputas entre EUA e Rússia.

Num eco fascinante da reunião de cúpula em Helsinki, estrategistas ocidentais perdem o sono apostando se a Rússia será capaz ou não de “Finlandizar” toda a área periférica.

E isso nos leva, inevitavelmente, ao que se pode chamar de A Questão Alemã. Qual o principal objetivo de Putin: relacionamento comercial bem próximo e estratégico com a Alemanha (o business alemão a favor)? Ou algum tipo de entente cordiale com os EUA? Diplomatas da União Europeia em Bruxelas dizem abertamente que por baixo dos raios e trovoadas, esse é o graal santo entre os santos.

Rolê pelo lado selvagem
O excerto hoje já famoso de uma entrevista de Trump em seu campo de golfe em Turnberry, Escócia, antes de Helsinki, pode oferecer algumas pistas.

“Bem, acho que temos muitos inimigos. Acho que a União Europeia é inimiga, pelo que nos faz no comércio. Ninguém pensaria na União Europeia como inimiga, mas sim, é nossa inimiga. Em alguns aspectos, a Rússia é inimiga. A China é inimiga, economicamente, certamente é inimiga. Mas não significa que sejam más. Não significa coisa alguma. Só significa que são competitivas.”

Putin com certeza sabe disso. Mas até Trump, apesar de não ser estrategista Clausewitziano, pode ter tido uma intuição de que a ordem liberal pós-Segunda Guerra Mundial, construída por EUA hegemônicos e dependentes da permanente hegemonia militar dos EUA sobre a massa terrestre eurasiana e uma Europa vassala, está em dissolução.

Com Trump bombardeando esses Estados Unidos da Europa com acusações de que seriam “competidores “injustos” dos EUA, é essencial ter em mente que a ideia dessa reunião de cúpula em Helsinki foi da Casa Branca, não do Kremlin.

Trump trata a União Europeia com indisfarçado desdém. Ele adoraria que a UE se dissolvesse. Seus “parceiros” árabes podem ser facilmente controlados pelo medo. Já declarou guerra econômica à China, literalmente, com o vagalhão de tarifas – apesar de o FMI ter alertado que há o risco de a economia global perder cerca de $500 bilhões nesse processo. E está diante do absolutamente inafastável intratável eixo China-Rússia-Irã de integração da Eurásia, que absolutamente não se dissolverá no ar.

Assim, era absolutamente imprescindível conversar com Putin, “escroque de fama mundial” – na terminologia dos suspeitos de sempre. Um dividir para governar aqui, um acordo ali – quem sabe o que se pode arranjar com um pouco de viração? Parafraseando Lou Reed, a nova Trump City “é onde dizem ‘Hey babe, dê um rolê pelo lado selvagem.”

Durante a conferência de imprensa em Helsinki, Putin, saindo de uma espetacular Copa do Mundo na Rússia e correspondente espetacular show de Relações Públicas e soft power, deu a Trump uma bola de futebol. O presidente dos EUA disse que daria a bola ao filho, Barron, e passou o presente para a 1ª Dama Melania. Bom. Agora a bola está no campo de Melania.

Traduzido por Vila Vudu
* Epígrafe acrescentada pelos tradutores, que agradecem a Pepe Escobar pela oportunidade de recordar o maravilhoso livro de Edmund Wilson. Estação Finlândia, é estação ferroviária em São Petersburgo, onde Lênin desembarcou, de volta do exílio suíço, dia 16 de abril de 1917, depois de percorrer roteiro impossível, da Suíça à Rússia. Trotsky, que vivia em Londres, também viajava de volta à Rússia naqueles dias. O czar russo renunciara semanas antes; e dia 2 de abril de 1917, o presidente dos EUA obtivera autorização do Congresso para declarar guerra ao Império Austro-Húngaro. Cinco meses depois, os bolcheviques chegaram ao poder e criaram o primeiro governo proletário que o mundo conheceu. 101 anos depois, em julho de 2018, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Helsinki, Finlândia, deu uma bola de futebol, de presente ao presidente dos EUA, Donald Trump. O ‘estado profundo’ e o chamado Partido da Guerra, urraram de fúria [NTs].

Brasil. Há 54 anos… A mais longeva ditadura de nossa história.

O jornalista Roberto Amaral compara o clima de hoje ao vivido nas vésperas do golpe de 1964, que dividiu o país e abriu espaço para a violência. “Antes da ruptura, a conflagração”, escreve.
Há 54 anos… A mais longeva ditadura de nossa história
Roberto Amaral*
Completaram-se, no último 1º de abril, 54 anos da implantação da mais longeva ditadura de nossa história, com todo o seu acervo de tragédias sociais e individuais, e profundo atraso político. Suas consequências ainda se fazem sentir, pois estão na raiz dos dramas de nossos dias, cujo desfecho não podemos divisar: em alguns momentos a ‘luz no fim do túnel’ nos enche de esperanças; noutros sugere um trem na contramão.
Lamentavelmente, os regimes autoritários e as ditaduras não são fenômenos estranhos à República, marcada por insurreições militares e golpes de Estado, manifestações exacerbadas de um autoritarismo larvar cujas fontes remontam à Colônia e ao escravismo de séculos, construtor da ideologia da casa-grande, profundamente presente em nossa vida política e em nossa vida social, e mesmo nas relações interpessoais.
A própria República é obra de um golpe de Estado construído na caserna, e sua consolidação fez-se dependente de outro golpe, sustentado pela espada de Floriano Peixoto. Assim se firmou a República oligárquico-agrária, sem povo e sem eleitores, que sobreviveria até a ‘revolução de 1930’. Antes, porém, viveria o país a insurreição de 1922 (Levante do Forte de Copacabana), e os dois 5 de julho que desembocariam na Coluna Prestes (1924).
E, na sequência de 1930, o levante paulista de 1932, o levante comunista de 1935, a implantação da ditadura do ‘Estado Novo’, o putsch integralista de 1938 e, fechando o ciclo, o golpe que detonou a ditadura e levou Vargas para seu exílio na estância Santos Reis em 1945.
É a história do ‘tenentismo’ que se estende até o regime de 1964, quando seus líderes já eram generais, almirantes e brigadeiros. No seu currículo constam ainda a deposição e suicídio de Vargas em 1954, o golpe e contragolpe de 1955, a crise de 1961 e a implantação casuística do Parlamentarismo, de vida breve. A história da República tem sido a história da preeminência dos militares sobre a política e a vida institucional.
O clima de hoje muito lembra aqueles vividos nas vésperas do golpe de 1964, dividindo o país e abrindo espaço para a violência. É sempre assim. Antes da ruptura propriamente dita, a conflagração. Os conflitos exacerbados em 1963 foram a preparação ideológica da ditadura militar.
Os anos difíceis que se instalam com as jornadas de 2013, de que se apropriou a direita com seu aparato midiático, abrem as rotas que levariam ao golpe de 2016 e à instauração do regime de exceção jurídica que não sabemos se será declarado perempto com as eleições de 2018. O precedente histórico não é animador.
Esse viés autoritário, cultivado pela casa-grande desde a Colônia, é servido à população pelos aparelhos ideológicos do Estado a serviço dos interesses de nossas elites perversas. Nesta faina destaca-se o papel dos meios de comunicação de massa, a quem se pode tributar, hoje, a maior responsabilidade pelo clima de violência que pervade a política.
Em 1964 os militares e seus associados – na política e no ‘mercado’– encerraram o ciclo da Constituição democrática de 1946, enquanto a consolidação do impeachment de 2016 declarou perempto o ciclo iniciado com a ‘Constituição cidadã’ de Ulisses Guimarães, que culminara com a ascensão e queda do lulismo.
Talvez sejam os dias correntes a boa oportunidade para tentarmos antecipar o que podem ser os tempos vindouros. As lições colhidas dos fatos que não se repetem podem orientar estratégias e corrigir táticas, principalmente quando o distanciamento histórico favorece a análise fria.
Naqueles anos hoje distantes, os anos do pré-golpe e do golpe de 1º de abril, poucos viram para além da superfície, e assim muitos ignoraram a conspiração que se desenvolvia nos subterrâneos da caserna em interlocução com a ordem econômica, o Congresso e os meios de comunicação, para logo estampar-se à luz do dia.
De outra parte, uma vez mais, a continuidade e segurança do governo popular se havia deslocado das ruas para os acordos políticos de cúpula. O povo continuava percebido como elemento tático numa estratégia que se resolveria fora das ruas.
Não obstante os elementos fornecidos pela realidade palpável, não eram poucos, então, os que transferiam da mobilização popular para o ‘dispositivo militar do general Assis Brasil’, chefe da Casa Militar de Jango, a defesa do governo, das ‘reformas de base’ e da ascensão das massas.
Nesta linha pontificava o antigo capitão Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro.
No dia 17 de março de 1964, para uma plateia que lotava o auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o antigo Cavaleiro da Esperança, após dissertar sobre ‘a formação popular do Exército brasileiro’, anunciou, com o respaldo de sua biografia, a impossibilidade de um golpe militar no Brasil. E quando este se efetivou, muitos o viram como ‘apenas mais uma quartelada’, como as outras que haviam pontuado a República de 46. Passaria logo.
A história que se segue é conhecida.
Do golpe de 1964 muito se pode afirmar, menos a surpresa, defendido que foi abertamente pela grande imprensa, preparando sua recepção e animando as manifestações dos adversários do governo e de suas teses.
O pretenso combate à corrupção de 2013-2016 era, em 1963-1964, a denúncia de suposta corrupção e de infiltração comunista no governo João Goulart, dando conta das conspirações de toda ordem, militares e civis igualmente conjurados, e, hoje documentalmente comprovada, a arquitetura do Departamento de Estado dos EUA, para quem Goulart, se não era comunista, estava a serviço do comunismo, o que dava no mesmo, segundo Washington. Vivíamos o auge da Guerra Fria e poucos meses nos separavam da crise dos mísseis estocados em Cuba pela União Soviética, incidente que por muito pouco não nos levou ao suicídio nuclear.
A conspiração, aliás, já se iniciara e era visível desde a posse de Goulart, como em suas memórias registra sem peias o Marechal Denis, líder da trinca militar que em agosto de 1961 tentara impedir a posse do vice-presidente constitucional, chamado ao posto pela renúncia do presidente Jânio Quadros.
Hoje também já se sabe que a articulação que culminou com a deposição de Dilma Rousseff já era maquinada nos idos de 2013, a onda preparadora do levante de 2015, com sua inédita carga de violência, deixando para trás os piores momentos de 1963.
Nas duas oportunidades os golpes foram precedidos de grandes mobilizações populares e, ainda em ambos, o leitmotiv unificador da conspiração era, fundamentalmente, a resistência da casa-grande à ascensão político-econômica das grandes massas, naquela altura representada pelo varguismo, em nossos dias pelo lulismo.
Os golpes de 1964 e de 2016 guardam parentesco que precisa ser posto de manifesto. Ambos foram precedidos de mobilizações populares carregadas de atos de violência que expunham a genealogia fascista. Em 1964 importava aos seus verdadeiros formuladores algo muito além da mera deposição de Jango e esse seu caráter profundo só ficou claro aos analistas em 1965, com o Ato Institucional n. 2, baixado pelo presidente que havia jurado a Constituição e prometido defender a democracia.
O significado de 2013 não foi compreendido em seu primeiro momento, e os sismógrafos dos especialistas não perceberam o real significado do impeachment, aquele que se revelaria pelo governo que a ele se segue..
O difícil não está na identificação dos fatos expostos e vividos, mas na arte ou ciência da prospecção social, aquela que revela a realidade ainda em gestação, ou seja, a serpente ainda no ovo.
Em 1964 muitos não lograram antever o significado e os objetivos da ditadura, nem seu largo e profundo mando de 21 anos. Carlos Lacerda, sua principal voz civil, e Juscelino Kubitschek, que votaria no marechal Castello Branco, primeiro ditador, apostaram, olhando para trás, na transitoriedade do novo regime, e logo engrossariam a lista de suas vítimas.
Se não nos foi possível antever a gestação da irrupção popular de 2013, também faltou clareza à esquerda quanto a deposição da presidente Dilma Rousseff, apenas o passo necessário para defenestrar o lulismo, a grande operação de nossos dias.
O ovo da serpente, este é o título da obra-prima de Ingmar Bergman. Quem já assistiu, assista de novo. Quem ainda não o viu, corra para ver. Está no YouTube.
*Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia.

Texto publicado originalmente em 25 de abril de 2018 https://www.esmaelmorais.com.br/2018/04/ha-54-anos-a-mais-longeva-ditadura-de-nossa-historia/

sábado, 21 de julho de 2018

São Luís. Bairro da Liberdade realiza a primeira Copinha Futebol de Salão nas categorias sub-10 e sub-8.


O Bairro da Liberdade realizou a Primeira Copinha Quilombola de Futsal sub-0 e sub-8 anos, superando todas as expectativas de participação de equipes das diversas comunidades que integram a Liberdade. 

Foi uma competição festiva com a participação de dezenas de atletas e centenas de pais, que oportunizaram manifestações de torcidas e empolgaram as crianças, diz o vereador Cézar Bombeiro (PSD), destacando que o importante é que os meninos manifestavam o sentimento de competição, dentro de um contexto festivo.

A luta das equipes em busca da vitória, acabou mexendo com a sensibilidade dos pais e o resultado é que vencedores e vencidos mereceram os aplausos de todos os presentes. 

O vereador Cézar Bombeiro, que chegou a ficar bastante emocionado com as manifestações dos atletas e dos seus pais, destacou que, competições são muito importante sob o aspecto de educação e participação, numa demonstração de que acima de qualquer disputa deve prevalecer o sentimento de união de todos.

Diante do sucesso da Primeira Copinha Quilombola de Futsal sub-10 e sub-8 anos, a Escolinha CB deve participar de outras competições em outras modalidades esportivas, de acordo com informação da direção da escolinha.

As competições da Copinha Quilombola do bairro da Liberdade foram marcadas com a participação de outras categorias de idade, e que acabou premiando equipes de várias comunidades que integram o bairro da Liberdade. 

O vereador Cézar Bombeiro voltou a ser convocado pela comunidade para dar a sua colaboração nas demais competições e marcar presença para incentivar não apenas as crianças e os jovens, mas os seus familiares, para manterem todos nas práticas esportivas como educação e saúde.

Texto: Da Assessoria do Vereador

Israel declarou-se estado de apartheid.

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19/7/2018, Moon of Alabama.

Hoje, Israel declarou-se estado de apartheid:

“O Knesset [parlamento israelense] aprovou nessa 5ª-feira uma lei muito controversa que define Israel oficialmente como pátria nacional do povo judeu e afirma que “a realização do direito de autodeterminação em Israel é exclusivo para o povo judeu”, com 62 deputados votando a favor da nova lei, e 55 contra.
A lei do estado-nação também inclui cláusulas pelas quais uma “Jerusalém unida” é a capital de Israel; e o hebraico é idioma oficial do país. Outra cláusula diz que “o estado vê o desenvolvimento de assentamentos [são colônias (NTs)] como valor nacional e agirá para encorajar e promover o estabelecimento e a consolidação [de mais colônias].”

“A lei, que tem status de lei básica (aproximadamente o mesmo de uma lei constitucional em países que têm Constituição escrita), foi aprovada na madrugada da 5ª-feira por 62 votos a favor e 55 contra, depois de horas de discussão e debates ferozes. Entrará em vigor logo que seja publicada no Diário Oficial do Knesset.
Numa cláusula que enfureceu os deputados árabes, a lei declara explicitamente que “o direito de exercer autodeterminação nacional no Estado de Israel é exclusivo do povo judeu.”
A lei determina a segregação:
[parte da lei visa a promover o] “estabelecimento e a consolidação de assentamentos de judeus”.

Israel jamais definiu as próprias fronteiras. Apossou-se ilegalmente de toda a terra pública na Cisjordânia ocupada. Essa terra passa agora a ser garantida com exclusividade a colonos judeus: 
“Ao longo das cinco décadas de controle sobre a Cisjordânia, Israel demarcou como terra pública centenas de milhares de acres, e alocou quase metade disso para uso público. Mas apenas 400 desses acres – 0,24% do total da terra alocada até agora – foi destinada a ser usada por palestinos, segundo dados obtidos por um grupo que se opõe às colônias em terra palestina, e que recebeu informações solicitadas nos termos da lei da liberdade de informação. Cerca de 80% da população da Cisjordânia são palestinos. O grupo Peace Now disse que os demais 99,76% da terra foi entregue para uso de colonos israelenses.”

A população de árabes em Israel e territórios ocupados é igual [em números] à população de judeus israelenses. A alocação para “uso público” de terra roubada às populações nativas proprietárias legais, para uso exclusivo de imigrados judeus, já é uma de várias questões em que se confirma a discriminação por apartheid. Antes, o apartheid estava em contradição até com a lei de Israel. Agora, a criação de colônias exclusivas para judeus passa a ser exigência constitucional. A criação e a expansão acintosamente ilegais de colônias exclusivas para judeus em terra roubada dos palestinos passam a ser exigência da lei constitucional em Israel. Palestinos muçulmanos e cristãos passam agora a ter de pagar impostos para serem, eles mesmos, expropriados.

Existe povo budista? Existe povo católico? Mereceriam ganhar nação e terra exclusivas só deles, por serem budistas ou católicos? Claro que não. Até a ideia é impensável. Judeus da Etiópia, da Índia, da Lituânia, do Irã e da Polônia têm ou aspiram a alguma mesma ‘nacionalidade judaica’? Por que então constituiriam um ‘povo judeu’, nos termos do que estipula a nova lei?

É historicamente aberrante que um grupo de seres humanos que vivem em dúzias dos países da Europa Oriental passem repentinamente a se autodefinir como ‘raça única’, exclusivamente porque creem nos mesmos contos de fada religiosos. O conceito que agora é lei em Israel é o mesmo autodeclarado racismo que fermenta em governos nazistas e fascistas. A autodeclarada ‘etnicidade’ autodeclarou ‘direitos’ de posse sobre terras na Ásia Ocidental baseada em lendas sobre templos dos quais até hoje não se encontrou qualquer registro arqueológico.

Basicamente Grã-Bretanha, França e EUA são os estados que promoveram e continuam a apoiar, a favor de seus próprios interesses, esse sistema etnocrático, colonialista, imperialista e genocida.

É mais que hora de se pôr fim a essa aberração ilegal e imoral.

Traduzido por Vila Vudu.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Psiquiatras, Capitalismo e Lava Jato.


Resultado de imagem para charge Psiquiatras

Cada vez mais a operação vai me lembrando o Manual de Desordens Mentais. Sugiro, então, incluir novas patologias — como o Transtorno de Acumulação e o messianismo jurídico.
O artigo é de Priscila Figueiredo, poeta e crítica, professora de Literatura Brasileira na USP, publicado por Outras Palavras, 12-07-2018.

Eis o artigo.

Já tinha lido algumas semanas atrás que o processo contra o reitor de Santa Catarina que se suicidou tem 817 páginas e nenhuma prova, mas a intervenção do último domingo, que acabou por impedir que se resgatasse Lula da masmorra da Polícia Federal em Curitiba, recrudesceu meu interesse pela Lava Jato e o alienista-chefe, Sérgio Moro, este que sobe nas tamancas quando descobre um petista solto sem tornozeleira. 
Embora criada a partir de um modelo italiano, a operação acabou por plasmar uma fórmula própria na síntese que fez entre a experiência local, a prisão sem o trânsito em julgado, responsável por mais de 40% da população carcerária, e o modelo europeu, cosmopolita, a operação Mani pulite, que por sua vez, na caça a políticos corruptos, também fez uso do mesmo expediente da prisão preventiva já comum entre nós. 
Como nos foi explicado antes por teoria, em 2004, o que então viria a dar base para a prática anos depois do nosso mais famoso juiz de 1ª instância: “isolamento na prisão era necessário para prevenir que suspeitos soubessem da confissão de outros (…). Não se prende com o objetivo de alcançar confissões. Prende-se quando estão presentes os pressupostos de decretação de uma prisão antes do julgamento”(1).
Mas então por que buscar lá fora o que já fazíamos? Nesse caso teria havido um “desrecalque localista”, para usar a expressão que um mestre da crítica literária entre nós cunhou ao analisar as vanguardas artísticas no Brasil dos anos 20 e aqui aplicamos para entender, feitas as adaptações necessárias, uma vanguarda jurídica: o procedimento italiano nos autorizou a usar em relação agora a outra classe de gente o que sempre fizemos com as classes socialmente inferiores, especialmente com os negros e negras pobres. Descobrimos mais uma vez a nós mesmos por meio do outro em que nos perdemos… A maneira como isso tem sido feito, porém, nos leva a perguntar se se trata de democratização do procedimento ou higienismo político por meio de uma técnica, que remonta à escravidão, de higienismo socialTalvez, e esta é uma a hipótese, pois me falta conhecimento suficiente da matéria, a operação italiana tenha procurado combater a corrupção na política enquanto a nossa, ao menos a partir de certo momento, a política, ou certos grupos políticos, através da corrupção. Ocorre que o métodos de exceção do encarceramento cautelar, já presentes no original, apenas favoreceram a mudança de patamar em que eram usados, potencializados com a produção em massa de delatores – é verdade que muitos deles liberados tão logo prestem seu serviço, pois o fim é, como disse certa vez um procurador, chegar aos peixes grandes por meio dos peixes pequenos, e talvez na verdade já se tenha, apesar de a operação continuar, chegado àquele que é o verdadeiro peixe-rei.
Cada vez mais a Lava-Jato vai me lembrando o DSM, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais, que, em ampliação constante a cada edição (agora está na quinta), ameaça colocar todos atrás da grade de alguma disfunção psiquiátrica. As semelhanças espantam: ambos teriam começado a engatinhar com uma intenção razoável, depois se deformaram por completo (no caso da Lava-jato, a razão está ainda por esclarecer de modo mais satisfatório..), no caso do DSM, não só pelo falso silogismo ou pelas “piruetas lógicas”, como diz uma inteligente jornalista e médica, da teoria segundo a qual a depressão deriva de desequilíbrios químicos, como pela verdadeira luta por reconhecimento e identidade travada por profissionais de uma área em que diagnósticos sempre padeceram de ser comparativamente mais carentes de fundamentação científica em relação às demais áreas da Medicina, e essa luta acabou apenas por ser reforçada pela aliança com interesses um tanto… patológicos da indústria farmacêutica(2); um sofre de sanha punitivista e se baseia em delações; outro, de inflação diagnóstica e se serve de resultados em experimentos que teriam vindo a confirmar os pressupostos do início da pesquisa, sendo isolados e mesmo guardados a sete chaves todos os demais resultados indesejados que contrariavam as premissas iniciais (“desse modo, em vez de desenvolver um medicamento para tratar uma anormalidade, uma anormalidade foi postulada para se adequar a um medicamento”(3)); um vai fazendo réus onde lhe convém, o outro, doentes em toda parte e idade (de criança de menos de 3 anos a gente cujo luto passa do 16º dia), pois é o que lhe convém.
Mas o mais importante: ambos têm muitas convicções e poucas provas científicas, e fizeram como fazem estragos ainda insuficientemente mensurados. Aliás: como conseguiram medir que passando do 16º dia de luto a pessoa é um depressivo, em vez de supor que se trata de alguém curtindo uma tristeza não apenas justa, mas culturalmente – até bem pouco tempo atrás pelo menos – esperada? Não o é agora por quê? O luto não condiz mais com o dispositivo social? Era transgressor ou suspeito não observá-lo, como bem nos conta a figura da “viúva alegre”; agora a conduta interditada seria respeitá-lo em todas as suas fases, de modo que só me resta esperar que o interditado continue a ser tão sedutor como sempre foi. Porque faz a máquina e o trabalho 24/7 pararem por um tempinho, o velho e universal recolhimento fúnebre, praticado, sob variadas formas e rituais, no Ocidente e no Oriente, na riqueza e na pobreza, passa a ser agora quase ato de delinquente.
Há uma divertida seção no catálogo chamada Transtorno do Controle dos Impulsos Não Classificados em Outro Local… Parece capítulo do Tristam Shandy, mas também podia figurar num planeta do Pequeno Príncipe, no 1984, ou ainda em “Dr. Mabuse”, “Laranja mecânica”, “Blade Runner”, sei lá. Tenho esperança, no entanto, que o próximo DSM, que seria o DSM-6, venha a incluir entre as patologias listadas (concebidas por luminares iluministas ou futuristas) o messianismo jurídico (que poderia entrar no capítulo das manias ou psicoses). Esse manual taxionômico – que não para de crescer e, tão insatisfeito como o Fausto, não dá sinais de que vá dizer em algum momento, como o doutor no entanto esperava depois do pacto com o diabo, “detém-te, és tão belo!” – poderia se converter numa nova Enciclopédia, mas das perversões e delírios do capitalismo, as de sempre e as novas, pois, além de sugerir novas rubricas classificatórias, poderíamos aproveitar as já existentes, como o Transtorno de Acumulação.
Como poderiam ser compreendidas sob essa denominação apenas aquelas pessoas que, por exemplo, acumulam lixo ou gatos e cachorros em sua própria casa, e não aquelas que concentram, de forma inédita, aliás, propriedade fundiária, imobiliária, riqueza nacional, títulos etc.? O que é mais preocupante — ter 40 cachorros no próprio apartamento ou alguns terem metade do PIB de um país? Assim, defendo que a fúria acumulativa do poder econômico possa ser considerada da perspectiva do Manual como uma desordem psiquiátrica de gravidade extrema, pois, se não faz sofrer pais e amigos próximos (como o fazem aqueles que empilham quinquilharias e papéis velhos), que antes os estimulam, a esses entesouradores, pois muitas vezes também sofrem do mesmo distúrbio, submetem a maior parte da sociedade a uma grande provação, quando não a destroem. Evidentemente os grandes laboratórios teriam de dar o bracinho a torcer e acatar o diagnóstico no qual estariam incluídos; por alguma coerência passariam a ser ver como doentes, mas no cálculo de custo e benefício eles sairiam ganhando, pois todos os outros setores do capitalismo, inclusive o financeiro e rentista, seriam obrigados a reconhecer sua própria imagem no espelho, isto é, acatar a exposição da própria morbidez (e então se medicar) naquele que é o código dos códigos, pois o Manual é um dos únicos hoje em dia levados a sério, de alto a baixo, tendo vindo na verdade a tomar o lugar que um dia fora das Tábuas de Moisés.
A vantagem destas é que eram breves e soletradas por toda a comunidade em que passaram a ser referência, enquanto a enormidade dessa bíblia médica e o jargão de que faz uso limitam a sua difusão apenas entre os doutores da Lei, que a aplicam, no entanto, a todos que se confiam a sua sabedoria – e todos que se confiam a sua sabedoria são quase todos. Desconfio que o verdadeiro RH, ou Departamento de Recursos Humanos, do mundo do trabalho seja na verdade o DSM… Sob sua lista de desordens mentais o voluntariado do capitalismo deve ler a contrapelo uma lista de ordenamentos e regras de conduta. E é bom, além de mais produtivo, já ir adestrando as crianças.
À especulação financeira também poderia ser administrada terapia eficaz, tanto mais que o vício do jogo constitui uma compulsão há muito conhecida, ainda que agora num nível jamais concebido, como em Wall Street; esta, aliás, incluindo-se aí as agências de rating, poderia ter seus edifícios já assépticos convertidos em clínicas (devidamente gradeadas, mas onde os pacientes teriam o tratamento conveniente e, claro, humano, como sempre tem de ser, pois desumanidade também haverá de ser morbidez). Os conferencistas e quase todos os participantes do G20 em Davos poderiam ficar aí mesmo, não descer mais para a Terra, e Davos voltaria a ser o que foi no passado, uma montanha mágica para tratamento de doentes (antes de tuberculose, agora de transtornos mentais). O problema é que a tirania do DSM, mesmo desviada para fins anticapitalistas, teria também, por força da lógica, de ser descrita nosologicamente.
Esse seria o momento a que todo dialético digno do nome não pode se furtar, o momento da negação da negação, tal como, no conto “O alienista”, de Machado de Assis, o personagem-título acaba por trancafiar a si mesmo. O maníaco da classificação teria ele mesmo de se por sob tratamento, noblesse oblige, mas nessa altura já estarão devidamente isoladas da sociedade todas as forças antissociais: grandes capitalistas, jogadores do mercado, higienistas e fascistas, religiosos da estupidez, mitônomos irrefreáveis (os produtores de fake-news, os de sempre, gestados no interior da imprensa corporativa sob o comando de seus diretores e secretários de redação, e os atuais, alastrados como células terroristas). E, claro, juízes que na dúvida fazem todos réus, psiquiatras que na dúvida tornam todos doentes…
Referências
(1) Sérgio Fernando Moro“Considerações sobre a operação mani pulite”, revista CEJ, Brasília, n.26, jul/set 2004, p.58.
(2) Marcia Angell, “A epidemia de doença mental”, revista Piauí, agosto de 2011, n.59.
(3) id., ib.

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