Vou criar este topico onde noticias "de ontem" mas importantes para a nossa questão social serão aqui "requentadas" independente do nexo temporal.
Reflexões I - Prostituição.
O duro caminho de volta
Nas paredes do instituto, meninas escrevem suas histórias na Europa em papel cartolina. |
“Várias vezes ficou em dúvida se realmente queria ir, mas ela
queria experimentar outra coisa, ficar um tempo longe do homem com quem
teve um relacionamento por vários anos e com quem agora só vivia
conflitos.
Como ela estava combinando a viagem junto com uma colega, uma
estimulava a outra.
Quando embarcou, ainda pensou em desistir, mas
queria encarar ao mesmo tempo sabendo que já estava devendo dinheiro da
passagem e passaporte. Agora de volta, parece que o tempo passou tão
rápido, como se não tivesse ido, não tivesse acontecido tanta coisa.
Voltar sem nada também não era bem o que queria. Como encarar a família,
os vizinhos? Alguém iria entendê-la?”
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O relato, uma ficção baseada em suas próprias histórias, provocou
choro entre 11 mulheres do Pará que, durante oito meses, criaram
codinomes inspirados em pedras preciosas para falar sobre sua
experiência no exterior. O resultado desse trabalho foi apresentado em
Belém, na terça-feira 13, a representantes de ONGs, universidades e
autoridades locais, pelas 11 mulheres. O pesquisador Marcel Hazeu e a
psicóloga Lucia Isabel da Conceição Silva ajudaram a colher os relatos
das mulheres, identificadas com nomes como Ametista, Jade, Diamante e
Cristal.
Cinco delas haviam voltado da Europa. As outras seis viviam no
Suriname, país vizinho que atrai brasileiros (e brasileiras) por causa
dos garimpos. Todas tinham histórias parecidas: deixaram o Brasil em
busca de uma oportunidade, acumularam dívidas com os empregadores e se
tornaram prostitutas em boates ou áreas próximas de garimpos.
Das 11 mulheres, três foram enganadas sobre o tipo de trabalho que
iam fazer e acabaram na prostituição. Outras quatro sabiam que iam se
prostituir, mas foram surpreendidas pelas condições de trabalho nas
boates. Confrontadas com dívidas altas (os donos das boates cobrando
caro pela passagem, a comida e a cama) tiveram que trabalhar duro para
conseguir sua liberdade (e seu passaporte) de volta.
De volta ao Brasil, fizeram parte do projeto “Mulheres em Movimento”,
da ONG Sodireitos, sediada na capital paraense.
Os relatos produzidos
por elas servirão como material de discussão para a elaboração do II
Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que está sendo
elaborado em Brasília. O programa foi financiado pela UNGift, junto com
mais 12 projetos (entre 440) sobre tráfico de pessoas, recebidos de 76
países em 2010.
A preocupação com o tema tem fundamento: a cada ano, cerca de 60 mil
brasileiros são vítimas das redes internacionais de tráfico de pessoas e
têm como principais destinos a Espanha, Portugal e Suíça, segundo dados
divulgados em agosto de 2010 pela Secretaria Nacional de Justiça (SNJ).
Os primeiros resultados do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas (2008 e 2010) mostraram que 80% dos brasileiros e
brasileiras deportados pela Espanha eram imigrantes ilegais relacionados
a algum tipo de crime de tráfico de pessoas, especialmente destinados à
exploração sexual.
Segundo estimativas do Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e
Crime (Unodc), a exploração sexual é a maior causa do tráfico de
pessoas: 79% dos casos, sobretudo mulheres.
O tráfico de pessoas só
perde para o tráfico internacional de drogas e armas como tipo de crime
organizado mais lucrativo no mundo, movimentando 2,5 milhões de pessoas e
mais de 32 bilhões de dólares por ano.
De acordo com a antropóloga Maia
Sprandel, do Grupo de Trabalho de Migrações Internacionais da
Associação Brasileira de Antropologia e Assessora Técnica da Liderança
do PT no Senado, o tráfico de pessoas é difícil de identificar, pois se
confunde muitas vezes com a migração irregular. O fato de ser um
estrangeiro sem documentos torna a pessoa mais vulnerável ao tráfico,
lembra ela.
No caso das mulheres do Pará, o trabalho feito pelas ONG tinha como
objetivo fazer com que elas narrassem os próprios casos para que
tivessem consciência da exploração sofrida tanto por aliciadores como
pelos empregadores – e também pelo país que não as protegia. Assim,
evitariam um possível retorno ao local, já que a maioria, ao voltar para
casa, encontrava as mesmas dificuldades que a levava a buscar uma
alternativa em outra nação.
Os relatos desenvolvidos pelo grupo capturaram as lembranças pessoais
das vítimas da exploração. Num dos contos, a personagem relembra as
saudades do País, que tentava vencer usando chinelos havaianas, tomando
caipirinha e acompanhando a seleção brasileira de futebol. A situação é
comparada por ela como a de “um soldado na guerra”. E a recepção no País
de origem não era menos dolorosa: “Depois da alegria do reencontro, ela
sabe que sua presença seria desnecessária para os outros, às vezes
incômoda, às vezes até sem sentido, para ela e para os outros. Uma vida
de dois anos em duas malas”.
Num
dos contos, apersonagem relembra as saudades do País, que tentava
vencer usando chinelos havaianas, tomando caipirinha e acompanhando a
seleção brasileira de futebol. A situação é comparada por ela como a de
'um soldado na guerra'.
Embora com destinos diferentes, as histórias tinham desfechos comuns:
Cristal era babá no Suriname, mas fugiu depois de três meses de
trabalho escravo; Ametista trabalhava de forma ilegal na Alemanha e na
Holanda, também como babá, mas um acidente a obrigou a voltar para o
Brasil; Diamante trabalhou de forma ilegal num restaurante em Portugal e
foi expulsa do país. “Depois de três anos procurando trabalho, eu
consegui uma vaga em um restaurante. Já ia me legalizar. Mas antes disso
acontecer, acabei sendo deportada, presa e humilhada”, conta Diamante.
Ágatha, de 30 anos, relembra sua experiência na Espanha: “Chegando
lá, fui recebida por um homem que me levou para o clube em Ribadeo e lá
eu fiquei durante três meses, sem poder sair, pagando uma dívida de
passagem que não tinha fim. Este clube foi fechado em uma operação da
polícia espanhola uma semana depois do término do pagamento do meu
‘bilhete’. Trabalhei em vários clubes em Lugo, Leon e Burgos. Já tinha
mais ou menos um ano lá quando comecei a pensar em trabalhar em outros
lugares que não fossem clubes, mas como não tinha ‘papeles’, não
consegui”.
No Suriname, Jade, de 26 anos – e cinco filhos – teve que fugir do
clube onde trabalhava para se livrar dos aliciadores. Passou dois anos
vivendo na rua e só voltou ao seu país com a ajuda do consulado
brasileiro. “Consegui voltar para casa, trazendo meu filho mais novo.
Não sei ler e escrever e gostaria de aprender”, conta.
Estigmas
Segundo o relatório Mulheres em Movimento, as mulheres exploradas no
exterior não optaram e nem se identificaram como “prostituta” ou
“imigrante”, mas escolheram migrar, às vezes por meio da prostituição,
sem imaginar as consequências desta decisão.
Ao final, quando sua história foi narrada pelas próprias mulheres houve “um silêncio absoluto” no público, conta pesquisador “Assim, toda mulher migrante do Brasil, de classe baixa, começa a ser
identificada como uma prostituta, atuando e muitas vezes se
reconhecendo como tal”, diz o relatório. “Esta identidade é produzida
no contexto migratório”, aponta o documento.
Segundo a ONG, ao chegar a outro país, as mulheres se deparam com um
mercado que se alimenta da “erotização da imagem da mulher brasileira,
como mais aberto ao sexo e, consequentemente, mais ‘quente’ e liberal
que as demais”. A consequência é que esse discurso, segundo a entidade,
“também começa fazer parte do discurso das próprias mulheres migrantes”.
O preço que se paga é alto, perceberam as mulheres. Ao invés de serem
vistas como mulheres trabalhadoras, querendo sair das periferias para
melhorar de vida, como as gerações anteriores já fizeram a partir do
Nordeste e do interior da Amazônia, elas são muitas vezes simplesmente
vistas como “putas”.
“Em geral, trata-se de mulheres não mais tão jovens, às vezes
semianalfabetas, para quem não existe amparo financeiro ou programas de
capacitação do governo”, diz o pesquisador Marcel Hazeu.
De
volta ao Brasil, mulheres se reuniram, criaram codinomes inspirados em
pedras preciosas; relatos ajudavam na compreensão da exploração que
sofriam no exterior.
Ao final da apresentação do relatório, a um público de cerca de 130
pessoas reunidas em Belém, uma cena simbólica: Ametista, uma das
mulheres do grupo, voltou para casa de barco.
Ela mora numa ilha próxima
a Belém, para onde voltou depois de uma experiência na ilegalidade na
Holanda. É o mesmo lugar onde Marcel Hazeu a buscou diversas vezes para
que ela participassem, a contragosto no início, do grupo de pesquisa. Ao
final, quando sua história foi narrada pelas próprias mulheres, houve
“um silêncio absoluto” no público, relembra Hazeu.
Ametista não pensa mais em voltar para a Europa, onde trabalhava como
babá. “Depois de três tentativas consegui entrar numa faculdade. Estou
fazendo engenharia ambiental. Estou trabalhando como educadora social,
alfabetizando jovens e adultos na periferia.” Ela ganha 800 reais, mais
um dinheiro para o transporte. A ONG Sodireitos lhe ajudou a comprar um
barco, que leva Amentista e os outros moradores das ilhas para a cidade.
“Pago minha faculdade e convivo com minha filha de sete anos e meus
pais”.
copiado de : http://www.cartacapital.com.br/politica/o-duro-caminho-de-volta
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