Por Luciano Martins Costa em 21/12/2011 na edição 673.
Comentário para o programa radiofônico do OI, 21/12/2011.
A revista britânica The Economist publica neste final de
semana reportagem sobre a situação de haitianos e seus descendentes que
migraram ou nasceram na República Dominicana. Por 75 anos, o governo
dominicano garantiu a cidadania a quase todas as pessoas nascidas no
país, independentemente da origem de seus pais.
Há cinco anos, porém, começaram a ocorrer anulações de documentos de
cidadãos nascidos em território dominicano mas cujos pais haviam se
instalado ali em situação ilegal.
Tratava-se, claramente, de uma medida
dirigida especificamente aos haitianos.
Centenas de queixas foram encaminhadas oficialmente à Comissão
Latinoamericana de Direitos Humanos, que condenou formalmente a nova
política mas não tomou qualquer medida no sentido de corrigir essa
distorção.
Agora, a perseguição se agravou e cerca de 200 mil cidadãos dominicanos
podem ser considerados apátridas de uma hora para outra após toda uma
vida como cidadãos da República Dominicana, simplesmente pelo fato de
serem negros de descendência haitiana.
Mas a imprensa latinoamericana, e especialmente a imprensa brasileira,
parece cega e surda diante do drama que persegue o povo do Haiti.
O Brasil, através de sua mídia, aprendeu a olhar com compaixão para o
povo daquele país ao longo de décadas. A tirania da família Duvalier,
seguida da dominação por gangues e policiais corruptos, ajudaram a
construir esse sentimento de solidariedade. O auge dessa relação
aconteceu em 2004, quando a seleção brasileira de futebol foi ao Haiti
para uma partida contra a equipe local.
As imagens de milhares de haitianos acompanhando o ônibus que levava
Ronaldo Fenômeno e outras estrelas do futebol correram mundo e
produziram documentários de sucesso, como O dia em que o Brasil esteve aqui,
dirigido por Caio Ortiz e João Dornelas. O evento serviu para manter a
atenção da imprensa brasileira sobre o que acontecia naquele país,
principalmente com a grande presença de soldados brasileiros nas tropas
enviadas pela ONU.
Depois veio o devastador terremoto de magnitude 7, que na tarde de 12
de janeiro de 2010 arrasou a capital haitiana. Durante a fase mais dura
da crise humanitária que se seguiu, milhares de brasileiros se juntaram
ao esforço internacional para amenizar o sofrimento do povo do Haiti,
enviando alimentos, remédios e equipes especializadas de defesa civil.
Tudo registrado pela imprensa.
A tragédia banalizada
Mas o tempo, do qual se diz que cura todos os males, na verdade o que faz é banalizar as tragédias.
A ONU mobilizou seu Alto Comissariado para Refugiados, levantou fundos,
mas, a um mês de se completarem dois anos da tragédia, ainda há pelo
menos 700 mil haitianos fora de suas casas, alojados precariamente em
acampamentos ou abrigados provisoriamente em casas de famílias que foram
poupadas pelo terremoto. O principal trabalho da ONU foi o de
providenciar documentos, e grande número de cidadãos que conseguiram
resgatar suas identidades deram início, há alguns meses, a um lento e
penoso êxodo em direção à América do Sul.
O caminho dos refugiados passa pela República Dominicana, de onde são
tangidos pela nova política repelente do governo local, fazem a
travessia do Caribe para o Panamá e dali seguem, pelo Equador, Peru e
Bolívia. A maior parte deles esté neste momento concentrada na cidade de
Brasiléia, no Acre, que forma com Epitaciolândia a tríplice fronteira
com a boliviana Cobija.
E o que tem a imprensa brasileira a ver com isso?
Aparentemente, nada. Eram, até o final da semana, mais de 800 haitianos
abrigados em um pequeno hotel e em algumas casas de Brasiléia, mantidos
pelo governo do Acre e pela solidariedade dos moradores da cidade. Na
maioria, são homens jovens, de até 40 anos, profissionais de construção
civil, mas há entre eles mulheres grávidas e crianças muito pequenas.
Antes que a imprensa tradicional do Brasil descobrisse essa pauta, ela era publicada no dia 13 passado pelo jornal inglês The Guardian (ver aqui),
na pista de uma reportagem produzida por este observador juntamente com
o blogueiro Altino Machado, e publicada pelo portal Terra Magazine (ver
aqui e aqui)
No mesmo dia, uma equipe da TV Globo esteve na região, para uma
reportagem sobre o risco de uma epidemia de dengue. Os jornalistas
enxergaram os mosquitos – carapanãs, como são chamados no Acre – mas não
viram os haitianos.
Na noite de sexta-feira passada, dia 16, o Jornal Nacional
finalmente descobriu a história. Só então os jornais do Sudeste
acordaram para o problema. Nesta terça-feira, dia 20, uma audiência
pública de emergência, realizada na Comissão de Relações Exteriores do
Senado, deu partida a uma solução para o drama.
Isso revela que, quando a imprensa se movimenta, muitas crises podem ser evitadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário