por Conceição Lemes
Danilo Paiva Ramos tem 30 anos, é antropólogo, faz doutorado na USP,
onde é pesquisador. Domingo, 5 de dezembro, ele foi à casa de amigos
assistir ao jogo Corinthians vs Palmeiras. Na volta, acabou espancado na Paulista por um PM.
Muito indignado, fez um boletim de ocorrência no 78º Distrito
Policial e um relato da arbitrariedade e da violência daquele fim de
noite e mandou, por e-mail, para muita gente (Veja aqui).
Ontem, terça-feira, 7 de dezembro, eu conversei com Danilo, entre a
ida dele à Corregedoria e à Ouvidoria da Polícia Militar e o novo exame
de corpo de delito, no Instituto Médico Legal. Ele deu mais detalhes do
que aconteceu desde o instante em que desceu na estação Trianon-Masp, do
metrô. O que impressiona é a segurança da impunidade por parte de
autores e responsáveis.
Viomundo — Vocês estavam em quantos?
Danilo Ramos – Eu estava sozinho, voltando para
casa! Desci no metrô Trianon-Masp e vi na calçada da Paulista um grupo
tocando tambor, festejando o pentacampeonato, todos superpacíficos. Eu
vestia a camiseta do Corinthians, parei para olhar. Em questão de uns
cinco minutos, já estávamos sendo espancados.
Eu não percebi que um grupo de policiais se formou atrás de mim.
Quando vi, já estava apanhando. Como eu estava um pouco distante do
pessoal que batucava, fui um dos primeiros com que os policiais se
defrontaram. Todos com cassetetes na mão, eles vieram “varrendo” a
calçada da Paulista. Bateram primeiro na palma da mão, depois na
barriga…É pra não deixar marcas.
Viomundo — No seu relato, você diz que tentou conversar com o
policial agressor, para saber por que estava apanhando. Depois, falou
com um suposto sargento que estava no local. Gostaria que você
repassasse esses momentos.
Danilo Ramos — Na verdade, eu demorei um pouco para entender o que estava acontecendo. m soldado me agrediu mais de uma vez. Fiquei muito indignado.
Perguntei o nome dele, que não respondeu. Continuou me xingando, me
ameaçando.
Perguntei então por que estava fazendo aquilo. Respondeu que as
pessoas da Paulista precisavam dormir, descansar. Depois, atrás dele,
veio outro PM, com cassetete, berrando que iria me espancar de verdade.
Nessa hora, vi um senhor mais alto, com quem algumas pessoas da
multidão estavam indo conversar. Reparei pela identificação que era
sargento e fui questioná-lo: “Eu estou sendo espancado por um soldado
seu e preciso saber o nome dele”.
“Me aponta quem é esse soldado”, devolveu-me. Apontei, porque era
fácil reconhecê-lo pelo aparelho que usava nos dentes. “Eu não conheço
esse soldado”, respondeu. “Se você quiser uma identificação, anota aí a
minha.” Estava escrito 3 sgt LUIZ.
As pessoas já estavam correndo e um rapaz veio me tirar dali: “Sai, sai, que eles vão te pegar mesmo!”
Fui saindo com o pessoal. Daí, sozinho, desci a Pamplona e fui para a
minha casa. No caminho, tirei a camiseta, pois havia um monte de
viaturas circulando e fiquei com medo de que me seguissem e me
espancassem mais severamente.
Cheguei em casa, atemorizado, tremendo, conversei com a minha esposa e fomos ao 78º DP, na rua Estados Unidos.
Na delegacia, assim que comuniquei ao delegado que iria fazer um
boletim de ocorrência contra um soldado que tinha acabado de me espancar
na Paulista, ele alterou a voz, começou a gritar, insinuando que eu
tivesse feito alguma coisa com esse soldado: “Polícia não bate à toa,
você deve ter feito alguma coisa, você deve ter provocado”.
“Eu não provoquei”, rebati. “Eu tratei o soldado por senhor o tempo
todo, enquanto ele me xingava. Eu tratei também o sargento por senhor o
tempo inteiro…”
E prossegui: “Os PMs xingam para provocar até a gente perder a razão.
Justamente por isso eu tratei todos como senhor. E o pessoal do grupo
também não estava xingando, estava superpacífico, não estava fazendo
nada demais. Agora se esse é modo com que o senhor trata as vítimas na
sua delegacia, eu vou procurar outra”.
Aí, o delegado [Marcelo da Silva Zompero] disse: “Espera que eu preciso pegar o seu nome”.
Diante da intimidação, reagi: “O senhor vai me passar o seu nome também, porque ele vai constar no outro BO”.
Ele parou: “Então vou registrar o BO aqui para você”. Daí em diante,
ele começou a me tratar como vítima, foi muito cortês, fez todos os
procedimentos necessários. Inclusive disse que eu deveria procurar a
Corregedoria da Polícia Militar.
Do 78º DP, ligaram para alguns batalhões e não conseguiram
identificar quem estava fazendo a operação na Paulista naquele horário.
Viomundo — A que horas foi isso?
Danilo Ramos – A agressão, por volta da meia noite. A ida à delegacia, em torno da meia noite e meia.
Na madrugada de domingo para segunda, eu fui ainda ao IML [Instituto
Médico Legal], para fazer exame de corpo de delito. Eu estava com a mão
inchada — ainda está um pouco — e com dores fortes no abdômen, que eu
ainda estou sentindo.
Fui atendido por uma médica que fez um exame que durou menos de 1
minuto. Ela simplesmente olhou pra mim, preencheu um papel e mandou que
eu entregasse o protocolo na delegacia.
Hoje pela manhã [ontem, 7 dezembro] fui à Corregedoria da PM. Lá fui
bem tratado, eles fizeram uma primeira pesquisa para saber quem que
poderia ser o sargento, mostraram algumas fotos para eu identificar…
O soldado que me agrediu eu consigo mais ou menos identificar, mas o sargento, não.
Aparentemente para essas ações da PM eles formam um grupo com soldados de batalhões diferentes…
Eu registrei queixa por abuso de autoridade. Mas eles me disseram que
houve também outra contravenção, que foi a prevaricação do suposto
sargento. Porque eu lhe comuniquei que um dos seus soldados tinha me
espancado e ele ignorou, fez como se não fosse problema dele também. Na
Corregedoria, pediram outro exame no IML que vou fazer agora à tarde.
Viomundo — E na Ouvidoria da PM, como foi?
Danilo Ramos -- Fui à Ouvidoria
assim que saí da Corregedoria. Fiz uma solicitação para que
acompanhassem o caso. Lá quem me atendeu foi o senhor Bira, que disse
que a prática de os soldados trabalharem sem identificação está
realmente muito comum e que isso foi usado recentemente na ação da PM na
USP. Foi o senhor Bira, aliás, que acompanhou o caso da USP.
Ele chegou a dizer que, infelizmente, existe até uma conivência do
governador com este tipo de ação. Há uma série de fatos que comprovam
esse tipo de atitude da PM e que continua a ser praticada, pois eles têm
a segurança de que não vai acontecer nada com eles.
Viomundo — O que mais te assustou nessa história?
Danilo Ramos — Eu tenho 30 anos. Participo do
movimento estudantil, de passeatas, desde 2.000. Trabalhei interior de
São Paulo e no sul do Pará com o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra), trabalho na Amazônia numa região de fronteira, onde tem
exército, trafico de drogas.
Eu nunca vi tanto prazer em espancar, parecia que eles estavam
brincando enquanto espancavam a gente. À medida que eu e outras pessoas
questionavam, eles xingavam mais, batiam mais.
Prazer mesmo, sadismo puro, com a segurança da impunidade. Ninguém
ali podia fazer qualquer coisa contra eles… Fiquei superchocado, não
consigo dormir direito, tenho pesadelos durante a noite, é um terror
absurdo.
Viomundo – E agora o que vai fazer?
Danilo Ramos — Fiz o texto, que vocês publicaram,
estou tentando divulgar da maior forma possível. Eu quero identificar
essas pessoas, eu quero que o soldado e o sargento sofram processo
administrativo e criminal.
Por isso eu declarei na Corregedoria e te digo agora: eu quero uma
resposta da PM, do governador, ou seja lá de quem for, sobre esse tipo
de tática que os soldados estão utilizando.
Antigamente, você só ouvia falar de atrocidades da PM na periferia
das grandes cidades, como São Paulo, no sul do Pará… Eles tiram os
distintivos, espancam as pessoas, matam.
Agora, isso se tornou uma coisa rotineira. Se na avenida Paulista,
com um monte de câmeras, eles fazem isso, é porque têm certeza de que
nada vai lhes acontecer .
Pelo que a ouvidoria me explicou, todos os processos acabam
arquivados. Portanto, de pronto, eu sei que isso não vai dar em nada.
Agora, eu realmente faço questão de que o meu nome apareça, de que a
minha instituição apareça. Se o Estado não der nenhuma segurança aos
seus cidadãos, isso vai acontecer. De novo. E, de novo. E, de novo. É
uma lógica muito perversa a gente correr risco, porque o Estado garante
a impunidade.
Leia também:
Antropólogo da USP é espancado por PM na avenida Paulista
Souto Maior: Depois da irracionalidade
Máteria copiada: http://www.viomundo.com.br/denuncias/danilo-ramos-nunca-vi-tanto-prazer-em-espancar-gente-e-a-seguranca-da-impunidade.html
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