Em tempos de vacas magras, também a Comissão Europeia precisa reavaliar
seus gastos.
Ao apresentar, nesta quarta-feira (07/12), em Bruxelas, o
projeto de orçamento de política externa da UE para o período 2014-2020,
o comissário do Desenvolvimento, Adris Piebalgs, anunciou que novos
modelos de cooperação terão de ser encontrados para 19 países
emergentes, já que partir de 2014 sua assistência bilateral será
encerrada.
Na América Latina, a medida afetará Argentina, Brasil, Chile, Colômbia,
Costa Rica, Equador, México, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela. Além
desses países, deixarão de receber ajuda para o desenvolvimento China,
Irã, Malásia, Maldivas, Tailândia, Cazaquistão, Índia e Indonésia.
Perda para os pobres
A
seleção desses 19 países baseou-se na classificação da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), disse à Deutsche Welle
Catherina Ray, porta-voz de Peibalgs. "Trata-se de uma classificação internacionalmente reconhecida. Suspendemos a assistência a todos os
países com uma renda média-superior, como é o caso de quase todos os
emergentes."
A categoria "média-superior" da OCDE inclui as nações com um Produto
Interno Bruto (PIB) entre 3.000 e 9.400 dólares. "O segundo critério que
aplicamos se refere àqueles com um PIB superior a 1% do PIB médio
mundial. Esses países são suficientemente ricos para financiar com seus
próprios meios a luta contra a pobreza. São eles que devem decidir que
estratégia aplicar para ajudar aos pobres que seguem existindo em muitos
deles."
Isso é precisamente o que criticam as organizações não governamentais
de ajuda ao desenvolvimento. "Os pobres seguem abandonados à própria
sorte", comenta Michael Flacke, do Serviço da Igreja Evangélica da
Alemanha para o Desenvolvimento (EED). As ONGs também empregam o índice
de classificação da OCDE, mas somente como um entre vários critérios, já
que o crescimento econômico não serve como indicador exclusivo.
Flacke cita o exemplo da China: "Um país com recursos suficientes para
satisfazer as necessidades de toda a sua população. No entanto, 20
milhões de pessoas vivem lá em situação de pobreza absoluta." Como esse
grupo representa apenas uma pequena percentagem do total demográfico
chinês, "não há vontade política do governo para reverter essa
situação".
Além disso, acrescenta o porta-voz do EED, os indicadores econômicos
pouco ou nada revelam sobre a situação dos direitos humanos, cuja defesa
"representa um papel-chave na ajuda ao desenvolvimento", assinalou em
entrevista à Deutsche Welle.
Equador e a lógica da UE
"É uma boa notícia que alguns países não mais necessitem de ajuda ao
desenvolvimento. Este é precisamente o objetivo da assistência: que um
dia os países receptores estejam em condições de superar seus problemas
pelos próprios meios. Por isso, é muito positivo esses países terem
alcançado um nível de bem-estar que lhes permite definir, eles mesmos,
suas políticas de desenvolvimento", resumiu Catherine Ray a posição do
órgão que representa.
O embaixador do Equador na Alemanha, Jorge Jurado, compartilha desse
ponto de vista. Ele vê no corte da ajuda para seu país a partir de 2014
"um impacto muito positivo, pois já estamos jogando nas ligas superiores
da América Latina, e isso mostra que nosso governo está trabalhando de
forma efetiva para tirar nosso país do subdesenvolvimento".
Ainda assim Jurado classifica como "lamentável o fato de que ainda
exista uma série de aspectos que realmente merecem a cooperação da UE em
todos os sentidos, e nós a consideramos bem-vinda". Por outro lado, o
diplomata se "surpreende" com a brevidade do prazo até a suspensão da
assistência. "Porque de alguma forma creio que se poderia ter negociado
para que fosse mais longo no caso equatoriano, para que pudessemos
aproveitar ainda melhor a cooperação." O Equador registra, no ano em
curso, 8% de crescimento, assim como uma média de crescimento de 4,5%
nos últimos cinco anos.
Problemas à vista
Com tais indicadores, o país reflete uma tendência generalizada em toda
a América Latina. O mais recente relatório da Comissão Econômica das
Nações Unidas para a América Latina (Cepal) sobre o desenvolvimento na
região confirma a avaliação positiva que faz a Comissão Europeia.
Em 2010, o número de pessoas em condições de pobreza foi o mais baixo
dos últimos 20 anos. Desde 1990, a taxa de pobreza diminuiu 17 pontos
percentuais, de 48% para 31%, ou seja: uma queda de 204 milhões para 177
milhões de pessoas pobres, sobre o total de 550 milhões de habitantes
da América Latina.
Entretanto, a Cepal prevê que em 2012 se farão também sentir na região
os efeitos da crise nos Estados Unidos e na Europa. Para o ano em curso,
o prognóstico de crescimento ainda é de 4,4%, segundo anunciou
recentemente em La Paz a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena.
Porém, em 2012 haverá problemas no fluxo financeiro, nas remessas de
dinheiro, investimentos e no comércio, antecipou.
Cooperação continua
O fim da ajuda bilateral não marca o fim do diálogo e da cooperação,
ressalva Catherine Ray, da Comissão Europeia. "Seguiremos cooperando
estreitamente com esses países. Os grandes desafios como a mudança
climática, as políticas de segurança, o combate ao tráfico de drogas e
de pessoas são temas que nos afetam a todos, igualmente."
Nessas áreas, a Comissão pretende criar novas associações com as 19
nações emergentes, que seguirão recebendo fundos de Bruxelas. "Estamos
convencidos de que esses países estão muito desenvolvidos, dispõem de um
sistema tributário e de recursos próprios, e há alguns anos estão
representando um papel cada vez mais importante no cenário global." De
fato, a China e o Brasil assinalaram em mais de uma ocasião sua
disposição de auxiliar a Europa a superar a atual crise do euro.
Até 2015, a UE quer elevar sua ajuda ao desenvolvimento para 0,7% do
PIB, com maior ênfase a temas como direitos humanos, democratização e
boa governança. No momento, a UE é a maior doadora de ajuda ao
desenvolvimento em nível mundial. De 2014 a 2020, ela prevê o emprego de
57,5 bilhões de euros na cooperação internacional, o que representa um
acréscimo de 38% em relação ao período 2007-2013.
Autoria: Mirjam Gehrke (av)
Revisão: Alexandre Schossler
Revisão: Alexandre Schossler
Matéria copiada: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,15587981,00.html
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