Foto: Leonardo Wen/Folhapress
"Por esses caminhos rudes/que o Destino nos impõe/entre defeitos, virtudes, tudo o mais que se compõe/Morte e Vida se encontraram" (...) "Morte e Vida se encontraram/e logo reconheceram quem eram/E se falaram de coisas que ocorreram"; postada em 2008 em seu blog, poesia Vida e Morte foi feita por Chico Anysio quando ele soube que estava doente; internado desde dezembro, genial escritor e humorista está em estado de saúde considerado "crítico" em boletim médico
247 - Em sua genialidade, Chico Anysio não se
rende ao tempo e escreve em seu blog poesias e comentários sobre coisas
do cotidiano e da vida. Em uma poesia e uma crônica, postadas em 31 de
março de 2008 e 11 de novembro de 2008, respectivamente, ele mostra
pensamentos que o caracterizam além das câmeras, após a descoberta da
doença.
Leia abaixo os dois textos na íntegra.
VIDA E MORTE
Por esses caminhos rudes
que o Destino nos impõe,
entre defeitos, virtudes,
tudo o mais que se compõe,
Morte e Vida se encontraram
e logo reconheceram
quem eram. E se falaram
de coisas que ocorreram.
que o Destino nos impõe,
entre defeitos, virtudes,
tudo o mais que se compõe,
Morte e Vida se encontraram
e logo reconheceram
quem eram. E se falaram
de coisas que ocorreram.
"Como é que vai essa vida ?"
- perguntou a Vida à Morte.
"Está sendo bem servida ?
Como é que anda esta sorte ?"
A Morte então respondeu:
"Vou vivendo sem reclamos.
Carregando quem morreu
e por outros que chamamos.
- perguntou a Vida à Morte.
"Está sendo bem servida ?
Como é que anda esta sorte ?"
A Morte então respondeu:
"Vou vivendo sem reclamos.
Carregando quem morreu
e por outros que chamamos.
E você, que é que me conta
antes que um dia eu te corte ?"
"Viver hoje é um faz-de-conta,
porque a vida é de morte.
Doenças, vírus, bacilos,
desastres em profusão,
os corpos, nos seus vacilos,
provocando infecção...
antes que um dia eu te corte ?"
"Viver hoje é um faz-de-conta,
porque a vida é de morte.
Doenças, vírus, bacilos,
desastres em profusão,
os corpos, nos seus vacilos,
provocando infecção...
Mas dá pra espichar os dias
de ficar por esse mundo".
de ficar por esse mundo".
"Não são as más companhias
que te carregam pro fundo ?"
"Não, não" - respondeu a Vida
com um pequeno sorriso.
"Eu sou mesmo uma perdida
que nem vive o que é preciso".
A Morte, então, num deboche,
disse à Vida: "Até um dia...".
A vida é mero fantoche
da Morte e, com tirania,
carregando o seu cajado
que simboliza o poder,
deixou a Vida de lado
pra mais um pouco viver.
disse à Vida: "Até um dia...".
A vida é mero fantoche
da Morte e, com tirania,
carregando o seu cajado
que simboliza o poder,
deixou a Vida de lado
pra mais um pouco viver.
A Vida, que sabe ter
um tempo certo na Terra,
soube, astuta, se conter
(o seu semblante até cerra).
Depois que a morte sumiu
com sua carranca adunca,
a Vida ao seu Deus pediu:
"Que a Morte não viva nunca !"
um tempo certo na Terra,
soube, astuta, se conter
(o seu semblante até cerra).
Depois que a morte sumiu
com sua carranca adunca,
a Vida ao seu Deus pediu:
"Que a Morte não viva nunca !"
COMO A VIDA DEVIA SER
Eu acho que o ideal seria que as pessoas nascessem velhas e morressem
crianças. O homem nasceria com 90 anos, ia ficando mais moço, mais
moço, até morrer de infância.
Nascendo com 90 anos, você aos 65 se casaria com uma mulher de 59,
mas e a recompensa? A cada dia, a cada semana, a cada mês, ela ia
ficando mais nova, mais nova, até se transformar numa gata de 20.
Entendeu? E, depois do casamento, vocês dois ficariam noivos, seriam
namorados, até chegar ao amor infantil, branco e desinteressado... mãos
dadas... (no máximo) e apagando das árvores, os corações entrelaçados.
Você nasceria rico, aposentado e sábio. Começaria a ganhar cada vez
menos... até entrar para a Faculdade para ir desaprendendo tudo e ir
ficando mais ingênuo e mais puro. Depois a bicicleta, o velocípede,
desaprenderia a andar, esqueceria como engatinhar, o voador, o
cercadinho... do cercadinho pro berço, as fraldinhas molhadas, três
gotas de Otalgan para a maldita dor de ouvido, o chá de erva doce para a
dorzinha de barriga...a mamadeira de água, o peito da mãe e, num dia
qualquer, pararia de chorar.
Com o tempo correndo para trás, a humanidade regrediria nos séculos
até aparecer o último homem: Adão. Último-primeiro quando então,
pegando-o na mão, ao invés de soprar sobre ele Deus inspiraria o homem
outra vez para dentro de si mesmo.
FONTE:http://brasil247.com/pt/247/cultura/49278/Chico-narra-encontro-da-vida-e-da-morte-em-blog.htm
Obrigada Chico Barros!
ResponderExcluirOuvi esse texto há muito tempo no fantástico e com não tinha acesso à internet, nunca o encontrei, pq só lembrava de alguns fragmentos. E hoje como o dia foi de homenagens ao Chico, ouvi um pedacinho na globo deste texto que sempre procurei pq havia me impressionado muito no dia que ouvi. Corri logo para o google digitei o pedacinho que guardei veio o seu blog. Fiquei feliz pq o texto realmente é intenso, forte e emocionante.