André de Souza, Catarina Alencastro e Luiza DaméDIREITO À HISTÓRIA.Em uma solenidade carregada de emoção, a presidente Dilma Rousseff instalou ontem a Comissão da Verdade - para apurar violações dos direitos humanos praticadas de 1946 a 1988 -, dizendo que a iniciativa não é um ato de revanchismo, mas um esforço para revelar a História recente do país. Para Dilma, a verdade é o contrário do esquecimento, mas não significa ressentimento, ódio nem perdão. A presidente, que foi presa e torturada durante a ditadura militar, chorou e ficou com a voz embargada ao falar sobre o sentimento de parentes de mortos e desaparecidos políticos, que até hoje não têm informações sobre o que aconteceu com seus familiares.
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A palavra "verdade", na tradição grega ocidental, é exatamente o
contrário da palavra "esquecimento". É algo tão surpreendentemente forte
que não abriga nem o ressentimento, nem o ódio, nem tampouco o perdão.
Ela é só e, sobretudo, o contrário do esquecimento. É memória e é
História. É a capacidade humana de contar o que aconteceu - disse a
presidente.
Num recado claro
aos militares, que resistiram à instalação da comissão, a presidente
afirmou que o não conhecimento da verdade perpetua o rancor, em vez de
pacificar as relações não resolvidas entre duas partes que estiveram em
lados opostos na ditadura:
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A ignorância sobre a História não pacifica, pelo contrário, mantém
latentes mágoas e rancores. A desinformação não ajuda a apaziguar,
apenas facilita o trânsito da intolerância. A sombra e a mentira não são
capazes de promover a concórdia.
Ao
lembrar o período do qual ela própria participou ativamente como
guerrilheira, Dilma teve que interromper o discurso. A presidente se
comoveu ao falar dos que morreram durante a resistência ao regime
militar, quando ela perdeu amigos e companheiros, e das famílias que até
hoje não sabem o paradeiro deles.
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O Brasil merece a verdade. As novas gerações merecem a verdade, e,
sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e
parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e
sempre a cada dia. É como se disséssemos que, se existem filhos sem
pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca,
nunca mesmo, pode existir uma História sem voz. E quem dá voz à História
são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la - afirmou.
Processo construído passo a passo
Citando
Galileu Galilei, Dilma afirmou que nem a tirania pode impedir a verdade
de vir à tona. Segundo ela, chegou o momento de o Brasil conhecer a sua História:
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Atribui-se a Galileu Galilei uma frase que diz respeito a este momento
que vivemos: "A verdade é filha do tempo, não da autoridade". Eu
acrescentaria que a força pode esconder a verdade, a tirania pode
impedi-la de circular livremente, o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba
por trazer a luz. Hoje, esse tempo chegou.
Toda
a organização da solenidade buscou dar à Comissão da Verdade um caráter
de missão de Estado e não de governo. Dilma se cercou dos quatro
últimos presidentes - José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva -, destacando o papel de cada um
para que o Brasil conseguisse finalmente instalar a comissão, já criada
em outros países vizinhos, como a Argentina e o Chile. Dilma também
enalteceu a atuação de Tancredo Neves e de Itamar Franco. Disse estar alegre pela companhia dos presidentes que a antecederam "nestes 28 benditos anos de regime democrático".
- Cada um de nós deu a sua contribuição para este marco civilizatório, a Comissão da Verdade. Esse é o ponto culminante de um processo
iniciado nas lutas do povo brasileiro, pelas liberdades democráticas,
pela anistia, pelas eleições diretas, pela Constituinte, pela
estabilidade econômica, pelo crescimento com inclusão social. Um
processo construído passo a passo durante cada um dos governos eleitos
depois da ditadura - ressaltou.
A
presidente disse que a comissão é uma homenagem a todos que lutaram
pela revelação da verdade histórica e demonstra a maturidade política do
país. Já está definido que a Comissão da Verdade vai apurar crimes
cometidos pelos agentes públicos. Em seu discurso, Dilma procurou
encerrar a polêmica criada, desde a escolha do colegiado, sobre o foco
da investigação: se incluirá eventuais crimes de militantes de esquerda
ou apenas violações dos direitos humanos por parte do Estado.
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O Brasil deve render homenagens às mulheres e aos homens que entenderam
e souberam convencer a nação de que o direito à verdade é tão sagrado
quanto o direito que muitas famílias têm de prantear e sepultar seus
entes queridos, vitimados pela violência praticada pela ação do Estado
ou por sua omissão - afirmou.
Dilma
disse que não levou em conta critérios pessoais nem avaliações
subjetivas na escolha dos sete membros da comissão - Claudio Fonteles,
Gilson Dipp, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita
Kehl, Rosa Maria Cardoso da Cunha e Paulo Sérgio Pinheiro. Para ela, o
grupo é plural e identificado com a justiça e o equilíbrio.Em
nome da comissão, falou o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. Para
ele, a Comissão da Verdade ajudará a consolidar a democracia
brasileira, mas "sem apedrejamento". Dias afirmou que a comissão vai
buscar obstinadamente a verdade. O ex-ministro reconheceu o trabalho de
Dilma e dos ex-presidentes Fernando Henrique e Lula para que a comissão
pudesse ser instalada, mas não fez qualquer menção a Sarney e Collor.
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É preciso revelar a História para que seja mostrado o que dela foi
escondido. A História vale pelo que conta e pelo que dela se espera.
Nossos olhos devem estar projetados ao futuro, às novas gerações, na
esperança de que a democracia brasileira jamais volte a ser violentada -
afirmou.A
cerimônia começou com a leitura de uma mensagem enviada pela comissária
de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Naveen Pillai. A
comissária parabenizou o país pela comissão, que, segundo ela, permitirá
ao Brasil se reconciliar com o passado e consolidar a democracia.
FONTE:http://www.exercito.gov.br/web/imprensa/resenha O Globo. |
quinta-feira, 17 de maio de 2012
Verdade sem ressentimento. Dilma instala comissão para apurar crimes da ditadura e destaca política de Estado
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