quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Lei nº 12.527/2011 (lei de Acesso à Informação). Por favor, onde é o Serviço de Acesso à Informação?


CONSIDERO DE GRANDE VALIA O CONTEUDO DESTA MATÉRIA, POR ISTO A REPUBLIQUEI INTEGRALMENTE ABAIXO, DANDO OS DEVIDOS CRÉDITOS ÀS SUAS AUTORAS.

04. Dez. 2012 - No mês passado, eu e a Daniela Mattern, do IT3S, fizemos um levantamento para saber que estados criaram, de acordo com o artigo 9o. da Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), os Serviços de Informação ao Cidadão (SICs).

Qualquer cidadão brasileiro pode requerer informações independente da existência dos SICs desde maio, quando a lei entrou em vigor. Esses serviços, no entanto, facilitam os pedidos de acesso e seu acompanhamento.

O artigo 9o. da lei diz que o acesso às informações será assegurado pela “criação de serviço de informações ao cidadão, nos órgãos e entidades do poder público, em local com condições apropriadas para: 
a) atender e orientar o público quanto ao acesso a informações; 
b) informar sobre a tramitação de documentos nas suas respectivas unidades; 
c) protocolizar [existe esta palavra?!] documentos e requerimentos de acesso a informações”.

A Lei de Acesso vai mais longe. Ela obriga, em seu artigo 8o., a divulgação das informações de interesse coletivo (e das informações produzidas e custodiadas pelo poder público) em “sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet)”. 

E estabelece os seguintes requisitos: os sites devem “conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”. E as informações não precisam ser pedidas somente pela internet. O mesmo artigo 8o. determina que os órgãos públicos indiquem “local e instruções que permitam ao interessado comunicar-se, por via eletrônica ou telefônica, com o órgão ou entidade detentora do sítio”.

Lá no artigo 10, a lei volta a este tema: estabelece que “qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1o desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida” e que “os órgãos e entidades do poder público devem viabilizar alternativa de encaminhamento de pedidos de acesso por meio de seus sítios oficiais na internet.

O que fizemos?
Procuramos, na internet, nos portais dos governos de estado, quais estão cumprindo a lei. Nosso pressuposto era simples: o de que deveriam ter sido criados SICs de fácil acesso, visíveis nos sítios eletrônicos do governo e com orientações claras para a realização de pedidos. O serviços são importantes para incentivar que mais cidadãos façam uso da lei. 

E seu uso é importante porque contribui para criar uma cultura de acesso e abertura de dados. Então, visibilidade, facilidade de acesso, clareza, possibilidade de acompanhamento dos pedidos — e não estabelecimento de nenhuma restrição a não ser as previstas na lei — foram alguns dos critérios que usamos. 

Fizemos uma tabela com as seguintes perguntas:

1. Existe um selo de Acesso à Informação com link na home do governo do estado?
A referência que usamos aqui foi a do governo federal – a CGU fez com que todos os portais tenham, em sua homepage, um banner de “Acesso à Informação”, a partir do qual se pode entrar no Serviço de Informações ao Cidadão.

2. Existe um SIC central e um órgão superior responsável pela implantação da lei?
Se existem somente SICs descentralizados, o cidadão precisa saber de antemão em qual órgão a informação de que ele necessita está. E, para controlar como o estado está – ou não – cumprindo a lei, é preciso entrar nos sites de todos os órgãos. Voltaremos a isso na pergunta 4.

3. Eu tenho várias opções para realizar meu pedido? (pessoalmente, por telefone, carta, internet)
… como determina o artigo 8o. da lei?

4. Como preciso me identificar para pedir a informação? Há uma opção de sigilo? 
Isso é importante e tem a ver com a regulamentação da lei. A lei estabelece que, para fazer um pedido, é necessária “a identificação do requerente”. Sem mais. Isso quer dizer que se eu me identifico – Patrícia Cornils – identificada estou. 

Pelo menos era assim que eu considerava. Mas, como explica minha amiga Liane Lira, da Transparência Hacker, há dois absurdos em ter que se identificar. O primeiro é jurídico. Se a informação é pública, se é de interesse coletivo, se pertence ao cidadão… porque a pessoa que pede acesso a ela precisa se identificar? O segundo absurdo é político. Em informações que envolvem conflito, interesses econômicos, interesses políticos, a obrigatoriedade de se identificar ao Estado pode, na prática, impedir o acesso.

A regulamentação da lei, no Poder Executivo federal (Decreto 7724/2012), exige ainda mais. Um “número de documento de identificação válido”. Por que?
 Não sei. O Rio de Janeiro se esmerou ainda mais: colocou um verdadeiro “olhalá o que você vai fazer!” no  decreto que regulamenta a lei (43.597/2012) para os órgãos do Poder Executivo.

O decreto exige, como condição para a apresentação de um pedido de acesso, o preenchimento de um termo no qual o cidadão se responsabiliza, “integralmente e a qualquer tempo pela adequada utilização das informações a que tiver acesso”. “Estou ciente de que posso vir a ser responsabilizado por danos morais e materiais decorrentes da utilização, reprodução ou divulgação indevida dessas informações”, diz o termo. Que medo.
A regulamentação pode contrariar o espírito da lei – prover amplo acesso à informação pública. E isso mostra como o Estado se defende da nova cultura que a lei pretende criar.

5. Eu tenho que saber em que órgão está a informação que eu preciso?
Não faz parte da ideia de acesso à informação que os cidadãos sejam obrigados a conhecer a estrutura do Estado e tenham, para poder fazer um pedido, que descobrir obrigatoriamente que órgão produz ou custodia as informações de que ele precisa. A lei não obriga o poder público a informar onde estão seus dados (a não ser mediante um pedido de acesso). Mas um Estado que queira cumprir a lei não deveria obrigar os cidadãos a serem especialistas em bases de dados públicas. Este foi o raciocínio que levou a esta pergunta.

6. Há um catálogo dos dados públicos do estado?
Não conseguimos apurar isso devidamente. Mas, pelos motivos acima, um catálogo de dados é fundamental para que se saiba que tipo de informação, onde, em que formato, com que periodicidade o Estado produz.

7. Existe um campo de busca, no Serviço de Informações ao Cidadão, para eu pesquisar onde estão os dados sobre temas que me interessam?
Se eu quero saber sobre “Saúde”, posso ver uma lista de dados disponíveis?

8. Eu recebo um número de protocolo ou confirmação que meu pedido foi recebido?

9. Eu consigo acompanhar o estágio de meu registro?
Para que ele não fique perdido em escaninhos digitais ou concretos, para que o cidadão acompanhe seu pedido, verifique se o órgão solicitado cumpre os prazos da lei, para que o cidadão não perca os prazos de recurso.

10. Os formulários e páginas são intuitivas, existe uma ajuda pro usuário?
Não adianta ter um SIC maravilhoso se é muito difícil entender como ele funciona. E está lá no artigo 8o.: “de forma onjetiva, clara e linguagem de feacil compreensão”.

11. Há uma opção para reclamar de bugs/sugerir melhorias para a ferramenta?
Por que se a ideia é estabelecer um serviço útil, que funcione… nada melhor do que abrir interlocução com que vai usá-lo, né? Em São Paulo, por exemplo, onde há um SIC fácil de usar e que funciona, não há como registrar um recurso por conta de um pedido não respondido. Os desenvovedores do site só previram a possibilidade de recurso quando há uma resposta negativa. Para recorrer em caso de não-resposta, o que se faz?

Algumas coisas que nosso levantamento apontou:
  • Governos que organizaram um SIC estadual: AL, AP, BA, ES, PB, PR, RS, SC, SP, SE, TO (11)

.
  • Governos que não têm SIC: AC, AM, CE, DF, GO, MA, MT, MS, PA, PE, PI, RJ, RN, RO (14)

.
  • Não conseguimos averiguar: MG (o Fale Conosco, que seria o SIC estadual, não estava no ar) e RR (as páginas do governo não carregam).
  • Mesmo em estados que criaram seus SICs, encontrá-los pode ser uma tarefa complicada. Na Paraíba, por exemplo, não há, na homepage do governo do estado, um link ou um banner para o SIC. Há um link para o Portal da Transparência. No Portal da Transparência há um banner para o SIC-PB, que não funciona. Para acessar o SIC-PB, o cidadão deve acessar -> Indiretas -> CODATA -> Informações ao Cidadão. Lá ele encontra um link para o SIC-PB  que fica em um IP sem domínio próprio: http://200.164.109.29/sicpb/ .
    No Paraná, o serviço existe, mas não como Serviço de Informação ao Cidadão, mas dentro do Portal da Transparência. No Portal da Transparência, no menu lateral, há um botão para Solicitação de Informações que direciona à página onde pode ser preenchido um formulário de pedido à informação.
  • Não há um padrão de nome para o Serviço de Acesso à Informação e nem para o que é um Pedido de Acesso à Informação. Em Goiás, um pedido de acesso é uma “Manifestação” e o caminho para realizá-lo é um um serviço de “Manifestações” da Ouvidoria. “As manifestações (Elogio, Denúncia, Requerimento L.A.I., Reclamação, Sugestão e Informações) serão encaminhadas aos órgãos e entidades que compõem a estrutura organizacional do Poder Executivo Estadual (…)”. http://www.cgego.com.br/ouvidoria/index.php
  • A regulamentação da lei é feita das mais variadas formas: decretos, projetos de lei, normas internas. Em alguns estados, ela não foi regulamentada. O fato de um estado ter regulamentado o acesso à informação não necessariamente diz que foi criado o Serviço de Informação ao Cidadão. Estados que regulamentaram e tem um serviço de acesso: Rio Grande do Sul e São Paulo. Estados que regulamentaram e ainda não criaram o SIC: Rondônia e Pernambuco.
  • Há também diversidade dos órgãos responsáveis pela implementação da lei no Poder Executivo. O mais comum é que sejam as Ouvidorias e Controladorias. Mas em São Paulo, por exemplo, é o Arquivo Geral do Estado. No Rio Grande do Sul, a Casa Civil.
  • Há confusão entre “Acesso à Informação”, que diz respeito a toda informação não sigilosa e não pessoal produzida pelo poder público e “Transparência”, no sentido em que o termo foi adotado aqui, de controle social do uso dos recursos públicos. Em muitos estados, o link pra o SIC está nos portais de Transparência. Limitar a Lei de Acesso a este entendimento é reduzir seu alcance. Outro exemplo de redução do alcance da lei é o Rio Grande do Norte: o estado publicou os salários de seus servidores públicos, depois da entrada em vigor da Lei de Acesso. Mas não criou o Serviço de Acesso à Informação.
  • Outro exemplo de falta de entendimento sobre a lei (ou de “Veja Bem!”) é um esclarecimento publicado no portal do Acre – que ainda não conta com seu Serviço de Informação ao Cidadão. Na página de “Perguntas Frequentes” sobre a Lei de Acesso à Informação há a seguinte pergunta: “Posso solicitar o acesso a qualquer informação?” E a resposta é: “Não. O acesso a informação não compreende as informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Assim, só será possível o acesso a informações que não tenham sido classificadas como sigilosas. Havendo informações que sejam somente parcialmente sigilosas, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo.” http://migre.me/c43By .
    O espírito da lei é exatamente o contrário: você pode solicitar qualquer informação, a publicidade é a regra e o sigilo é a exceção. A reposta da CGU à mesma pergunta é: “Como princípio geral, sim, salvaguardando-se as informações pessoais e as exceções previstas na lei. A informação produzida pelo setor público deve estar disponível a quem este serve, ou seja, à sociedade, a menos que esta informação esteja expressamente protegida. Daí a necessidade de regulamentação, para que fique claro quais informações são reservadas e por quanto tempo.
  • Nos estados que regulamentaram a lei, ou que criaram seus Serviços de Informação ao Cidadão, prevalece o entendimento de que não é possível pedir informações anonimamente. Há interpretações radicais, como a do Rio de Janeiro (pergunta 4), que exige, além da identificação, o Termo de Responsabilidade. Nos estados de AP, PB, PA, RJ, RO, SC, SP, TO é preciso de um documento válido, obrigatoriamente, para fazer um pedido de acesso.
Somente AL, ES, MG, RS e SE permitem pedidos sem necessariamente número de documento Há opção de anonimato somente na BA, CE e MT. No Mato Grosso, se você aperta o botão de anonimato, o formulário continua o mesmo – então é ficção. E em Goiás há opção de anonimato para solicitações, denúncias… mas não para pedido de acesso à informação.
Anonimato – Bahia, Ceará
Identificação sem documento – AL, ES, MG, RS e SE
Identificação + Documento – AP, PB, PA, RJ, RO, SC, SP, TO
Identificação + Documento + Cópia do documento + Termo de Responsabilidade – RJ
Ainda há muito o que levantar e avaliar para entender como a implementação da lei está acontecendo no Brasil. Dentro de cada governo estadual há os sites das secretarias.
Nos estados, municípios e a nível nacional há os poderes Legislativo e Judiciário, sobre os quais a lei também incide. É preciso avaliar se os prazos são cumpridos, se as informações cedidas têm qualidade. Este é somente um bit, em um contexto que é grande e que está em movimento. É nossa contribuição. No dia 24 de novembro, a Daniela Mattern apresentou o levantamento no Seminário E-Democracia, na Assembleia Legislativa de São Paulo. A apresentação está aqui. E a tabela com os resultados da pesquisa está aqui.
Críticas, elogios, palpites, ideias de como continuar são muito bem-vindos.

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