Postado em: 11 dez 2012 às 23:46
Em meio às obras em Rondônia, milhares de homens e mulheres se encontram e desencontram, e o dinheiro desaparece com a mesma velocidade que surge, em meio a sexo, violência e ausência dos órgãos públicos
Ana Aranha, APublica
“Quando cheguei aqui, achei triste, chorava toda noite. Essa poeira,
as ruas sem asfalto. Eu trabalhava lavando louça, não lembro como fui
pela primeira vez. Ele era estranho, levou pó pra cheirar no quarto,
queria beijar na boca, transar de novo. Depois chorei. Se fosse na minha
cidade, ia ter vergonha, nojo. Aqui é normal, quase todas as meninas
fazem. Eu mudei, não sou a mesma mulher.”
Micheli (nome fictício) tem 20 anos. Há quatro meses, deixou sua
cidade natal, no Pará, e desembarcou na vila de Jaci Paraná, distrito de
Porto Velho, Rondônia. Encontrou trabalho e morada em um brega, nome
local para bordel, onde começou ajudando na limpeza. Em duas semanas
estava se prostituindo, como “quase todas as meninas”.
É impossível andar pelas ruas de Jaci e não topar com um brega. São
bares abertos, às vezes com mesinhas de plástico espalhadas pela
calçada. À noite, a música toca no último volume. Durante o dia, as
mulheres que os frequentam andam pela vila de shorts curtos e barriga de
fora.
Elas estão em Jaci para prestar serviço aos milhares de homens que
entram e saem da vila em turnos, às 7 e às 17 horas. São os horários de
entrada e saída da construção da usina hidrelétrica de Jirau, uma das
maiores obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em curso no
país. A usina cresce em torno de uma barragem no rio Madeira, no meio
da floresta amazônica. A vila de Jaci é o núcleo urbano mais próximo, a
20 quilômetros.
A obra chegou a ter 25 mil funcionários no seu pico, mais que o dobro
do que era previsto no plano inicial. Alguns trabalhadores se
instalaram na vila, outros passam os dias de folga lá. O Ministério
Público de Rondônia estima que a vila saltou de 4 mil para cerca de 16
mil habitantes desde 2009, quando a usina de Jirau começou a ser
construída. Os trabalhadores carregam sotaques do Norte, Nordeste, Sul e
Centro-Oeste do Brasil. Alguns ainda não dominam o português, como os
haitianos e bolivianos.
“Uns só querem farrear, outros são tristes. Dizem que traem a mulher
porque precisam, mas não gostam”, diz Michele. A maior parte dos
trabalhadores viajou sozinha. Ficam de três meses a um ano sem voltar
para casa. “É trabalho pesado. Quando acaba, eles querem se divertir,
beber”, diz Michele.
Por isso, há 68 pontos de prostituição em Jaci.
Para ela, os piores momentos do ofício são quando o cliente fica
agressivo depois de exagerar na bebida ou na cocaína, que circula em
fartura pelos bregas. Ou, quando pedem para passar a noite. “Deus me
livre dormir abraçado como se fosse marido e mulher”.
A vila de pescadores virou um lugar de passagem. As pessoas estão em
busca de dinheiro, não de vínculos. Há uma tensão constante no ar. A
sexualidade pulsa das roupas curtas, que às vezes expõem as partes
íntimas das mulheres à luz do dia. São comuns as histórias de brigas
dentro dos bregas. Elas acontecem entre os trabalhadores ou entre as
prostitutas – há uma crescente tensão entre as brasileiras e a leva de
bolivianas. Muitas terminam em facadas, algumas em morte.
A rota do dinheiro: da usina ao crime
Em época de pagamento na usina, Jaci Paraná ferve com o dinheiro dos trabalhadores.
Começa pelos bordéis. Além das prostitutas locais, mulheres vêm de
outros estados para fazer programa só na semana do pagamento. Segundo
Michele, algumas vivem na ponte aérea com Belo Monte, usina hidrelétrica
em construção no Pará. Elas se deslocam de acordo com o dia do
pagamento em cada usina.
Nessas semanas, o valor do programa cresce expressivamente. As mais
experientes chegam a negociar R$ 400 por meia hora com um funcionário de
melhor salário. Como Michele tem restrições (ela não faz sexo anal ou
em grupo), o máximo que já conseguiu em meia hora foi R$ 130. Em semanas
normais ela cobra R$ 80, dos quais R$ 20 vão para a cafetina, pelo uso
do quarto.
“Quem ganha mesmo são elas, as donas dos bregas, sempre prostitutas
muito experientes”, diz Shirley, uma das muitas cabelereiras que foram
morar em Jaci para atender essas mulheres. Ela não quer ter o nome
identificado. Shirley conta que as cafetinas ganham com o aluguel do
quarto, com as bebidas consumidas pelos trabalhadores e fazendo
empréstimos às prostitutas.
Como a competição é dura, elas oferecem ajuda para as mulheres
“investirem na beleza”. Michele foi convencida pela cafetina a trocar
seus cachos por fios lisos e longos. Para isso, fez um aplique de mega hair(aplicação
de mechas) que lhe custou R$ 1.150. Ela fez uma dívida com a cafetina
para comprar as mechas e outra com a cabelereira, pela mão-de-obra de
aplicar as mechas ao seu cabelo. Desde então, todos os programas de
Michele vão para a cafetina, mas a dívida não diminui no ritmo que
deveria. “É assim mesmo, elas mandam as meninas aqui e depois não passam
o dinheiro do trabalho delas”, diz Shirley.
Depois dos bregas, os salões de beleza são a segunda atividade
comercial a se beneficiar da circulação dos salários da usina. A vila
tem um salão em cada esquina. Desde que começou a aplicar o mega hair, Shirley ganha mais do que o marido, que é encarregado na construção das turbinas em Jirau.
Mas, acumular bens é perigoso em Jaci. A parca estrutura de segurança
pública fica impotente diante da força do dinheiro que circula na vila.
Duas semanas antes da entrevista, Shirley teve sua casa assaltada, e o
marido levado como refém. O prejuízo foi de mais de R$ 20 mil em
dinheiro e equipamentos eletrônicos, mas ela não vai fazer a denúncia,
pois todos sabem quem são os assaltantes e o que fazem. Apesar disso,
nada acontece.
A polícia não dá conta da força que ganhou o crime local. Os
comerciantes pagam uma empresa particular, que tem carros e motos bem
identificados, para circular pelas três principais ruas da vila. Em
setembro deste ano, o comandante da Polícia Militar de Jaci foi
assassinado dentro do posto policial. O mesmo grupo rendeu os outros
policiais, que foram obrigados a deitar no chão da rua, com o rosto para
baixo, enquanto os assaltantes explodiam os caixas da pequena agência
do Bradesco.
Para a prefeitura, “tudo vai se acomodar”
O caos social que tomou conta do vilarejo está diretamente ligado à
explosão demográfica ocorrida na região. Para realizar uma obra da
magnitude da usina de Jirau (de valor estimado em R$ 15 bilhões), o
empreendimento é obrigado a fazer investimentos para equipar a estrutura
pública local. A ideia é que se construam equipamentos de serviço
público para absorver o crescimento da demanda, como escolas, unidades
de saúde, postos policiais. São as chamadas “ações de compensação
social”.
Como Jirau, a usina hidrelétrica de Santo Antônio, em construção no
mesmo rio Madeira, tem obrigações semelhantes. A diferença é que Santo
Antônio atraiu mais gente para a capital Porto Velho e região. Em Jaci, o
impacto de Santo Antônio foi na remoção dos ribeirinhos que moravam em
bairros alagados. Neste caso, a usina construiu casas em outro bairro ou
deu indenização.
Para absorver o aumento populacional gerado pela proximidade com
Jirau, Jaci Paraná deveria ter recebido ao menos R$ 20 milhões em
repasses da Energia Sustentável do Brasil – empresa responsável por
Jirau que tem a multinacional de origem francesa GDF Suez como maior
acionista. Com esse dinheiro, a promessa era construir escolas, uma
unidade de saúde, um batalhão de polícia ambiental, um sistema de
captação, tratamento e abastecimento de água e o asfaltamento das ruas.
Esses equipamentos deveriam estar prontos antes da chegada dos
milhares de trabalhadores. Mas, enquanto eles fazem hora extra para
acelerar a construção da usina, que deve entrar em funcionamento no
início de 2013, as obras de compensação social mal saíram do papel. Tudo
o que a empresa entregou em Jaci foram quatro quilômetros de ruas
asfaltadas, sarjetas e reformas em duas escolas. Além de financiar
campanhas temporárias – para prevenção à malária e no combate à
exploração sexual infantil, por exemplo.
Para Angela Fortes, conselheira tutelar de Porto Velho, município
sede que responde pela gestão de Jaci, as ações estão longe de dar conta
da demanda criada. “Quando as usinas foram anunciadas, prometeram novas
escolas e hospitais. Criaram aquela expectativa no povo”, lembra.
“Depois que as usinas chegaram, temos escolas com salas lotadas e
centenas de crianças sem matrícula”. Entre 2007 e 2008, a procura por
novas matrículas em Porto Velho saltou de 1,5 mil para 4 mil. Angela
estima que em Jaci e outras vilas da região há cerca de cem alunos sem
matrícula hoje.
Parte da culpa pela demora em aplicar esse dinheiro é do governo de
Rondônia e da Prefeitura de Porto Velho. Com base no plano assinado com a
empresa, são eles os responsáveis por indicar como o investimento em
equipamentos públicos deve ser realizado. A Prefeitura de Porto Velho
administrou R$ 65 milhões de Santo Antônio e R$ 91 milhões de Jirau.
Pelas mãos do governo do estado passaram R$ 75 milhões de Santo Antônio e
R$ 67 milhões de Jirau.
A atual Prefeitura de Porto Velho, porém, não deu prioridade à
absorção da demanda criada pela obra. “Eu sempre fui contra construção
de novas escolas em Jaci. Sempre quiseram, e eu nunca deixei” diz o
secretário municipal Pedro Beber, chefe da Secretaria Extraordinária de
Programas Especiais, responsável pela gestão municipal dessas verbas.
“Os trabalhadores estão indo embora, e ficaríamos com um elefante
branco.”
Beber defende que o melhor para a vila de Jaci é esperar o alvoroço
passar e focar em estruturas para as pessoas que vão ficar depois da
obra. Ele minimiza o fato de alunos terem ficado sem matrícula este ano e
em 2011. “Em um ou dois anos, tudo vai se acomodar”, diz.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) é o órgão responsável por monitorar as ações como um
todo. Em tese, se o plano de investimento acordado com a empresa não for
seguido, o órgão tem o poder de segurar as licenças ambientais para a
próxima etapa da obra. Na prática, porém, as licenças ambientais são
aprovadas mesmo quando os técnicos registram problemas graves,
principalmente nas ações direcionadas à população local.
Foi assim com a construção da Unidade de Pronto Atendimento (UPA),
que deveria ser construída para suprir a demanda de atendimento de
emergência em Jaci. Essa era uma das obras mais esperadas pela
população, já que os 15 mil habitantes contam apenas com um posto de
saúde.
A obra deveria ser executada com recursos de Jirau, em convênio
com a prefeitura. Em novembro de 2011, durante vistoria sobre as ações
de compensação social de Santo Antônio, os técnicos do Ibama notaram que
as obras estavam abandonadas. O fato foi encaminhado a Brasília em
relatório que recomendava um auto de infração contra a empresa Energia
Sustentável .
Quase um ano depois, em outubro de 2012, a empresa obteve a licença
para iniciar a operação de suas turbinas. As obras da UPA foram
retomadas, mas ainda não há previsão de entrega.
Nova Jerusalém
Ao sair das ruas empoeiradas de Jaci, 15 quilômetros adiante pela BR,
quem entra na vila de Nova Mutum Paraná tem a impressão de atravessar
um portal entre dimensões. O local é o avesso de Jaci.
Todas as ruas são asfaltadas, há calçadas e grandes rotatórias com
gramado no centro. Tudo é planejada e simétrico. Há o setor comercial e o
residencial, que abriga 1.600 casas em diferentes blocos. Em cada
bloco, as casas são idênticas e separadas por um gramado de mesma
metragem. A única semelhança com Jaci é o agrupamento de homens
uniformizados no ponto de ônibus no fim da tarde.
Nova Mutum Paraná foi planejada e construída pela Energia Sustentável
para abrigar os engenheiros e encarregados de Jirau, trabalhadores que
podem levar suas famílias para o estado onde trabalham. Em vez de bregas
e barrigas de fora, grávidas e crianças pequenas aparecem na porta de
casa na hora em que os homens saem em direção ao ponto de ônibus.
A maior parte da vila é ocupada pelos trabalhadores. Logo na entrada,
há uma área reservada às 150 famílias da antiga Mutum Paraná, um
vilarejo de ribeirinhos que foi esvaziado e removido para o alagamento
pela usina. A comunidade tinha cerca de 400 famílias, e a maior parte
optou por pegar a indenização.
Nova Mutum é a menina dos olhos das peças publicitárias com apelo
social da Energia Sustentável. Espalhadas pela vila, placas sobre
sustentabilidade ficam ao lado de fotos que mostram os ribeirinhos e os
trabalhadores, sempre acompanhadas do selo da empresa.
A tranquilidade das ruas padronizadas é quase excessiva. Depois de
andar por minutos sem ver ninguém, a pergunta é inescapável: onde estão
todos os moradores?
“As casas são muito bonitas, mas, e a nossa existência?”, questiona
Rovaldo Herculino Batista, ribeirinho que vendeu a casa feita pela usina
porque não encontrou fonte de renda em Nova Mutum. “Não adianta fazer a
cidade maravilhosa, a Nova Jerusalém, se você tira a pessoa do seu
lugar, onde tem seu trabalho e vida. Como vamos ganhar dinheiro?”
Na velha Mutum, como os ribeirinhos se referem à antiga comunidade,
eles pescavam, garimpavam e exerciam atividades de serviço. Batista
trabalhava no garimpo de cassiterita e tinha uma sucataria onde
desmontava as dragas abandonadas para vender as peças. Sua mulher vendia
frutas e legumes pela comunidade em um carrinho de mão. Não faltava
dinheiro para a família.
Na mudança, eles ganharam uma pequena quitanda, mas os vizinhos já
não tinham a mesma renda para comprar. A sucataria acabou, assim como o
acesso aos peixes. Batista intensificou as idas ao garimpo, mas ficou
difícil equilibrar as contas na casa nova com seis filhos e três netos.
Além dos produtos serem mais caros no mercado local, a conta de luz era
indecorosa. Nos três meses antes de desistir da sua “Nova Jerusalém”,
Batista recebeu cobranças de R$ 629, R$ 671 e R$ 547.
É irônico. Os habitantes mais impactados pela construção de uma das
maiores usinas do país são obrigados a pagar uma das taxas de luz mais
caras. Além de R$ 19 por mês pela iluminação pública.
Entre os ribeirinhos que ficaram em Nova Mutum, são muitas as
reclamações sobre promessas não cumpridas pela Energia Sustentável.
“Eles prometeram que aqui ia ter faculdade, indústrias, milhares de
empregos. Cadê? Nada disso foi cumprido”, questiona Sônia Cabral Costa,
ex-moradora da velha Mutum, hoje dona de uma loja de roupas em Nova
Mutum. “Essas pessoas tinham sua fonte de renda, vieram acreditando no
que a empresa prometeu”.
Este ano, o sobrinho de Sônia completa o Ensino Fundamental. Ano que
vem, será obrigado a viajar 30 quilômetros, todos os dias, para estudar
em Jaci Paraná. Entre as promessas da Energia Sustentável estava a
construção de duas escolas na vila, uma de ensino fundamental e outra de
ensino médio. De fato, as escolas foram construídas. O detalhe é que
uma delas foi repassada à iniciativa privada.
Na porta do Colégio Einstein, uma placa com o logo da usina e do
governo federal anuncia em letras garrafais que o prédio foi construído
com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES). Mas, só entra lá quem pode pagar a mensalidade de R$ 240. Ou R$
200, se for filho de “camargueiro’ – modo como os moradores se referem
aos funcionários da empreiteira Camargo Corrêa.
Enquanto o colégio particular tem 20 alunos por sala, a escola
pública tem salas com mais de 40 e faz turnos noturnos para dar conta da
demanda. “No ano passado, ficaram 230 alunos sem matrícula porque a
gente não tinha vaga”, diz Neida Rodrigues dos Santos, vice-diretora da
escola municipal. “Os pais vinham implorar na minha porta, mas não tinha
onde colocar.”
“Era para ser municipal, mas precisava de uma escola para o filho dos
engenheiros, e a Jirau resolveu negociar com iniciativa privada. Não
vejo problema”, diz Pedro Beber, o responsável pela gestão das verbas de
compensação social que passam pela prefeitura. “Se eles estão pagando
os professores, [o município] não tem interesse em assumir essa escola.”
Problemas de infraestrutura também são comuns em outras vilas criadas
por Jirau e Santo Antônio para abrigar a população rural que teve de
ser removida. O mais frequente é em relação às dificuldades em produzir
no solo. Os ribeirinhos foram tirados da margem do rio Madeira, área
fertilizada naturalmente pela cheia, e colocados em terrenos comprados
de fazendeiros, onde alguns criavam gado.
Outra reclamação comum é sobre
o cheiro de esgoto nas casas. Os novos assentamentos foram feitos em
regiões próximas à área alagada pela usina. Devido ao aumento de água
represada no rio, o lençol freático transborda, provocando o vazamento
do esgoto e das fossas.
A previsão inicial das usinas era para a remoção de 2.849 pessoas,
1.087 na área alagada por Jirau e 1.762 na reserva de Santo Antônio.
Segundo o Movimento do Atingidos por Barragens, há hoje 4.325 pessoas
que foram removidas ou atingidas indiretamente pelas reservas.
Em busca do rio
Depois de quase dois anos na vila de Nova Mutum, a família de Batista
decidiu voltar para perto do rio. Ao lado dos mesmos vizinhos da velha
Mutum, construíram uma casa de madeira próxima a um igarapé que leva o
nome de Jirau. Mas agora há a suspeita de que essa área também será
alagada.
A informação corre entre os moradores e funcionários da usina e está
sendo investigada pela procuradora Renata Ribeiro Baptista, do
Ministério Público Federal em Rondônia. “Jirau nega, mas nós estamos
acompanhando de perto”, afirma. “Essa situação mostra o dilema dos
ribeirinhos. Eles correram de volta para os seus hábitos de vida, que
estão ligados à proximidade ao rio. Mas a vida como eles conheciam foi
tomada pela usina.”
“Eu não me considero mais um cidadão brasileiro, me sinto um cachorro
na coleira que não escolhe para onde vai”, diz Jonas Romani, pescador
de 55 anos. Ele morava em um bairro de Jaci Paraná que foi alagado pela
usina de Santo Antônio. Como Batista, mudou-se para Jirau e agora perde o
sono com a possibilidade de ter que mudar de novo. “Se eles não têm
certeza se aqui vai alagar, porque não interditam? Deixam a gente vir,
construir nossas coisinhas, plantar nossa macaxeira, pra depois alagar
tudo de novo?”
O processo de arrancar as pessoas do lugar onde construíram suas
vidas é sempre sujeito a injustiças. Há as pequenas e as grandes. A
história de Esmeralda Marinho Gomes, 63 anos, é uma das grandes.
Ela alugava uma casa na velha Mutum desde 2006. Mesmo quem morava de
aluguel tinha direito a escolher entre uma indenização de R$ 55 mil ou
uma casa pequena em Nova Mutum. Mas, na semana em que os funcionários da
usina passaram para fazer o cadastro, Esmeralda estava no garimpo.
Quando voltou, deu início a uma saga de tentativas de contato com a
usina. Como a comunidade era de posseiros, as casas não tinham
documentação oficial e, portanto, não havia contrato, apenas um acordo
com o proprietário. “Primeiro disseram que era estudo de caso. Depois,
que não tinha prova suficiente”, diz. Ela nunca recebeu indenização.
Enquanto os vizinhos estavam em Nova Mutum, Esmeralda alugava um
quarto na vila. Quando os primeiros começaram a mudar para o igarapé
Jirau, ela mudou junto. Com a debandada dos ribeirinhos e os cortes na
usina, o futuro das 1.600 casas de Nova Mutum começa a preocupar.
Jirau
está reduzindo a quantidade de trabalhadores progressivamente. A
previsão de entrega da obra é 2016, quando o número de funcionários
passará a ser ínfimo perto da estrutura criada para abrigá-los. Até
agora, nenhuma indústria ou atividade de geração de renda independente
da construção da usina foi criada no local.
“Eu já arrumei minha casinha em Jaru”, diz Sônia, a ex-moradora de
velha Mutum que tem uma loja de roupas em Nova Mutum. “Quando acabar a
obra, acabou o emprego, acabou tudo. Isso aqui vai virar uma
cidade-fantasma.”
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