Um novo documentário revela como 400 norte-americanos tornaram-se financeiramente mais ricos que metade da população do país |
Uma forma de medir o aumento da desigualdade de renda é comparar, ao
longo do tempo, o salário do trabalhador médio com o do trabalhador do
topo do mercado. É o que faz o economista político Robert Reich,
ex-secretário do Trabalho dos EUA e professor da Universidade da
Califórnia, em Berkeley, no documentário Inequality for All (Desigualdade para Todos), que acaba de ser apresentado no Sundance Festival.
Em 1978, diz Reich, um trabalhador homem norte-americano típico
ganhava cerca de 48 mil dólares anuais, enquanto um profissional de
elite recebia cerca de 393 mil dólares anuais. Em 2010, o trabalhador
médio viu seus ganhos reduzidos a 33 mil dólares anuais, enquanto o
profissional do topo pulou para mais que o dobro, aproximadamente 1,1
milhão de dólares anuais.
Mas a desigualdade torna-se brutal mesmo quando se examinam os
rendimentos dos mega-milionários. Eles cresceram tanto nas décadas
neoliberais que hoje, conta Reich, as 400 pessoas financeiramente mais
ricas dos EUA possuem mais que metade da população do país – os 150
milhões de norte-americanos da base da pirâmide.
Cobrindo uma amplo espectro da teoria econômica de modo simples e interessante, o documentário Inequality for All pretende fazer, para a questão da desigualdade de renda, aquilo que Uma Verdade Inconveniente fez
para as mudanças climáticas, com Robert Reich no lugar de Al Gore como
grande professor. Esforçando-se para manter-se imparcial e oferecendo
“respiros” visuais, este é um documentário que quer comunicar-se com um
público além dos simpatizantes do movimento Occupy.
Como Uma Verdade Inconveniente, Desigualdade para Todos ancora-se
em uma longa aula, no caso “Riqueza e Pobreza”, de Robert Reich, em
Berkeley, com cortes para entrevistas e recursos visuais – uma coleção
de gráficos alarmantes que se alinha a outras tendências
socioeconômicas.
Reich tem um argumento simples: a ampliação da
distância entre ricos e pobres está levando ao fim da classe média e irá
paralisar a economia, se não for controlada. Para apoiar sua tese,
traça todo o desenvolvimento fiscal do país desde a Grande Depressão, e
faz isso com louvável ausência de tom professoral.
Se a classe média não consegue mais se manter, à medida que o custo
de vida aumenta e o salário se mantém igual, argumenta Reich, o motor
central da economia – os gastos com o consumo – devem levar o sistema à
paralisação.
Uma de suas preocupações principais é que, para compensar a
estagnação dos salários, os trabalhadores da classe média fizeram
empréstimos. Este é um dos gráficos mais chocantes: o salário se mantém
imutável na base da tela, enquanto a dívida pessoal sobe para a
estratosfera.
Paralelamente, o jovem diretor Jacob Kornbluth acompanha
personagens do mundo real, incluindo um empresário multimilionário que
argumenta contra seu próprio papel de ‘criador de emprego’ isento de
certos impostos, e um casal Mormon que vota no partido Republicano e
procura sindicalizar trabalhadores de uma usina geotérmica em sua
cidade.
Mas o depoimento mais revelador é o de uma trabalhadora mãe de
dois filhos cuja demissão do marido fez com que perdessem sua casa.
Forçada a dividir uma pequena casa com outra família, ela pergunta:
“Como faço para ganhar dinheiro? Não que eu queira ser rica, mas… Como
você faz para ganhar dinheiro, quando não tem ações?”
Reich recorda com carinho seu tempo de White House como
secretário do Trabalho de Clinton, embora se admita frustrado com o que
(não) conseguiu alcançar. Mas, estranhamente, não menciona o importante
papel de Clinton na desregulamentação financeira que viria abalar a
economia mundial uma década depois. Ainda assim, ele oferece lições a
serem aprendidas.
Como informa durante o filme, vem pregando contra o
crescimento da desigualdade há décadas, e quando começou era considerado
de centro. Mas, recentemente, as mesmas ideias levaram a Fox News a
tachá-lo de marxista radical.
Em uma das sequências mais tocantes, Reich é arrastado para um
diálogo áspero com um trabalhador que se opõe com eloquência à
sindicalização.
Reich trava com ele um debate de admirável civilidade e,
ao mesmo tempo, falta de condescendência. Esse diálogo mostra que não
será fácil derrubar os muros que impedem a reforma do sistema
financeiro, e a luta que o filme terá de travar para tocar as pessoas
que mais precisam ser convencidas.
* A partir do quarto parágrafo, o texto é tradução/adaptação de resenha publicada pela revista Variety
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