Uma curta nota, intitulada “Baixas na PF”, da coluna “Holofote”, assinada pelo jornalista Pedro Dias Leite (Veja,
edição 2306, de 30/01/13), causou grande surpresa e indignação entre os
policiais federais de todo o país.
De acordo com a revista, o aumento
do número de suicídios, entre os cerca de 10 mil integrantes da Polícia
Federal, chamou a atenção do diretor-geral do órgão, delegado Leandro
Daiello Coimbra.
A média de um caso por mês, até outubro do ano passado,
teria levado o órgão a lançar um programa de apoio psicológico aos
policiais. “Os primeiros resultados foram animadores. Agora, o foco
recairá sobre os integrantes mais velhos da corporação, que se mostraram
resistentes à iniciativa na primeira etapa”, informou a nota.
Reproduzida por Ricardo Setti, em sua coluna na edição online da
revista, a nota foi excluída, no dia seguinte, depois que dezenas de
leitores que integram os quadros da Polícia Federal enviaram
comentários, dizendo que não tinham conhecimento da existência do tal
serviço. O jornalista informou que, em respeito aos leitores, retirou a
postagem do blog e encaminhou a questão ao autor da nota, para apurar a
questão em profundidade.
A falácia do diretor-geral, ou de algum de seus assessores (o colunista
não revelou sua fonte), gerou uma reação em cadeia da Federação
Nacional de Policiais Federais (Fenapef) e da maioria de seus sindicatos
estaduais, que cobraram explicações do diretor-geral e dos
superintendentes regionais do órgão sobre o serviço de apoio
psicológico, do qual ninguém nunca ouvira falar e não sabe se existe,
nem mesmo no papel. Até hoje, não se tem notícia que algum dos
dirigentes da PF tenha indicado onde e como recorrer ao atendimento.
Psicólogos de plantão - Ninguém faz a mínima ideia de onde surgiu a informação sobre os
primeiros resultados “animadores”. Nem quanto aos policiais mais
antigos, que estariam recusando o apoio especializado, outro atentado de
informação à lógica e à realidade. Só em eventuais alucinações, os
muitos policiais federais que precisam de tratamento, dependentes de
medicamentos controlados ou que dormem às custas de tranquilizantes,
poderiam recusar acompanhamento psicológico ou psiquiátrico que não
existe.
O Sindicato Nacional dos Servidores do Plano Especial de Cargos da
Polícia Federal (Sinpecpf), que representa os profissionais de saúde do
órgão, em nota, também contestou a veracidade da informação. A entidade
informou que a PF conta hoje com apenas 15 psicólogos em seu quadro.
Além de poucos, alguns pensam em alternativas com melhores perspectivas
de remuneração e valorização profissional. Com uma equipe tão ínfima, é
inviável implantar qualquer programa preventivo de apoio psicológico de
âmbito nacional para atender, na realidade, em torno de 14mil servidores
(11,5 policiais e 2,5 mil administrativos), lotados em mais de 160
unidades da PF, no Brasil e no exterior.
De acordo com o sindicato, hoje a atuação das equipes psicossociais da
PF se restringe a ações pontuais, parte delas em caráter emergencial, o
que nem de longe pode ser chamado de política ou programa preventivo de
saúde. No ano passado, a única medida tomada pela PF, em decorrência da
alta no número de suicídios, foi colocar dois psicólogos de plantão à
disposição dos servidores na superintendência do órgão no Distrito
Federal.
Cinismo ou escárnio - Apesar das muitas reclamações e evidências, ao que parece a direção do
órgão não pediu a correção ou se retratou das informações truncadas nem
para o público interno, muito menos para a opinião pública. Os gestores
da renomada Polícia Federal, sempre solícitos em divulgar as grandes
operações policiais, sob os holofotes da mídia, não demonstram muito
empenho para tornar claros os problemas e soluções relacionados aos
recursos humanos, como se estes não tivessem reflexos no desempenho das
atividades do órgão e na qualidade de serviços oferecidos à sociedade.
Vejanão dedicou uma única linha ao assunto na edição seguinte.
Na edição de Carnaval (2308, de 13/02/13), a seção de cartas do leitor,
finalmente, abriu espaço para publicação de dois parágrafos da nota do
sindicato dos servidores da PF que desmentiu a informação.
Não fosse a postura do jornalista Ricardo Setti, poucos saberiam que a
informação atribuída ao dirigente máximo da PF não é verdadeira. A
maioria dos leitores de Veja que acompanha apenas à versão
impressa continua desinformada sobre o tema. Resta torcer para que a
nota desperte o interesse para abordagens mais precisas e profundas no
semanário ou em outros veículos de comunicação.
Na melhor das hipóteses, alguém antecipou a notícia de ideias ou
medidas que ainda não saíram do plano das intenções. Neste caso, Veja
tomou uma “barriga” (que na gíria jornalística refere-se à informação
falsa divulgada como furo de reportagem). Ou o diretor-geral da PF e
seus assistentes desconhecem a realidade do órgão que administram.
Na
hipótese mais pessimista, talvez se tenha tratado assunto tão sério de
forma irresponsável e leviana, num desrespeito aos policiais federais
que, de fato, precisaram ou estão necessitando de apoio especializado.
Soa como cinismo ou escárnio à memória e aos familiares dos muitos
colegas que já se foram, de forma trágica, sem qualquer acompanhamento
ou atenção por parte do órgão.
Lacunas ignoradas - Perde o leitor, a sociedade e autoridades, a quem cabe tomar as
iniciativas para que metas, ações, programas ou serviços relacionados à
saúde mental de profissionais de segurança pública, e não apenas da PF,
deixem de ser apenas boas intenções ou pretexto para promoção pessoal de
seus gestores.
Esta é uma questão da mais alta relevância pública:
afinal, são agentes do Estado, armados, que estão nas ruas para prestar
segurança à população. Ter certeza que todos os policiais estão aptos e
em plenas condições mentais para agir na linha de frente contra a
criminalidade, cada vez mais violenta, sem que representem ameaça à
própria incolumidade e a de cidadãos, mais que desejável, também é (ou
deveria ser) prioridade de políticas de segurança pública.
Para além do preocupante aumento de suicídios ou tentativas (cerca de
20 casos de policiais federais, ativos e aposentados, nos últimos dois
anos), faltam reportagens que revelem as razões de altos percentuais de
policiais afastados por problemas de estresse, depressão e vários outros
problemas psicológicos ou psiquiátricos. Há unidades da PF em que as
licenças para tratamento de saúde chegam a 30% do efetivo.
A inexistência de acompanhamento dos servidores que passam por traumas e
as implicações daqueles que se envolvem em ocorrências violentas, que
vitimam os próprios policiais, cidadãos e até os criminosos são lacunas
ignoradas pela instituição. Algumas polícias militares mantêm programas
que nunca foram sequer comentados na poderosa PF.
Assunto reservado - Além da natureza estressante da própria atividade de risco, como em
outras corporações, na PF certos fatores agravam a situação: falta de
reconhecimento, sobrecarga de trabalho, viagens, jornadas extenuantes,
relações hierárquicas autoritárias, assédio moral e disciplinar,
perseguições e discriminações, chefias despreparadas. Além de degradar o
ambiente de trabalho, desmotivam e culminam no afastamento de
policiais.
Em termos de acompanhamento periódico das condições psicológicas de
profissionais que usam armas de fogo, o ramo de segurança privada, que
emprega vigilantes em bancos, transporte de valores, escolta armada e
segurança pessoal, tem controle mais efetivo que a própria PF.
Por lei,
vigilantes são obrigados a passar por avaliação psicotécnica e exames
médicos, anualmente. Por ironia, a atividade é fiscalizada pela própria
PF, confirmando o velho ditado de que “em casa de ferreiro, o espeto é
de pau”.
O assunto suicídio ainda é tratado com reserva nas redações, o que
talvez explique a falta de espaço ou interesse. Contudo, sobram pautas e
fontes sobre suas causas e meios de preveni-lo.
Mas a dor e a morte de policiais, parafraseando Chico Buarque, não costumam sair nos jornais brasileiros.
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