sábado, 22 de junho de 2013

Algumas ponderações para entender o que se passa nas ruas.

Algumas ponderações para entender o que se passa.



Fábio Fonseca de Castro



Lendo o que se tem escrito, ouvindo o que se tem dito, debatendo com o PT a respeito do movimento que vai tomando as ruas do país, creio que podemos reunir alguns elementos para tentar,  sem pretensão de explicá-lo, compreendê-lo. 

Em primeiro lugar, é preciso compreender que se trata de um fenômeno social complexo, com muitas camadas, interesses diversos – alguns divergentes – e com variedade de espectros ideológicos, que vão da esquerda mais radical à direita mais conservadora. Assim, não é possível reduzí-lo a uma agenda única. É preciso resistir à tentação de simplificá-lo.

Da mesma forma, é preciso não olhá-lo com uma perspectiva tradicional, que considera a organização social, exclusivamente, como uma construção consciente. A sociedade contemporânea produz novos fenômenos agregativos e, com isso, inventa novas formas para a política. 
O movimento que estamos vendo não começou  de uma hora para outra. Ele provém de forças sociais subterrâneas, não necessariamente politizadas e nem organizadas, que se agregam na construção de um espaço público possível.

Isso não quer dizer que as mobilizações não irão, logo mais, se reelaborar e se institucionalizar. Parece evidente que uma das suas consequências será produzir novos fenômenos de liderança e novos discursos para o uso da política convencional.

As características do movimento.

Feitas essas ressalvas quanto à complexidade e quanto à dimensão política das manifestações, algumas características podem ser mapeadas:

·      uma insatisfação difusa com a política e um sentimento difuso de contestação.

·      um movimento líquido e de demandas múltiplas

·      um comando também difuso, com forte horizontalização e com várias expressões políticas

·      uma dinâmica auto-organizativa, veloz e espontaneamente mobilizado pelas redes sociais.

A agenda do movimento

Como disse acima, é evidente que não há uma agenda unificada, mas uma superposição de agendas. Porém há alguns pontos de referência comum, que parecem estar ganhando corpo no passar dos dias:

·      a luta contra a corrupção.

·      o repúdio aos partidos políticos.

·      o elogio do apartidarismo e do espontaneísmo.

·      a exigência por transparência no uso dos recursos públicos.

·      investimentos maiores e de mais qualidade em políticas sociais, particularmente para a mobilidade urbana, saúde e educação.

De onde ele vem?

Trata-se de um movimento subterrâneo, invisível, mas que se autoproduz por meio da internet e, especificamente, das mídias sociais. É preciso perceber que não se trata de um fenômeno novo. Ele acontece em escala planetária. O Brasil está reproduzindo padrões de mobilização em curso nas formas contemporâneas de associativismo.

Merece destaque o Movimento Passe Livre (MPA), que ganhou visibilidade com as agressões infligidas pela polícia de São Paulo. Embora se recuse a disputar o poder, na coerência de seu apartidarismo atual, não se trata de um movimento anarquista, na medida em que reivindica a negociação com o poder público.

Por que ele está acontecendo?

Porque a sociedade brasileira está experimentando uma crise de representação. Experimentamos um déficit de representação política, de honestidade e de coerência política, de democracia e de legitimidade. As instituições políticas – os partidos, o Congresso, o Executivo e o Judiciário estão desacreditados.

A prática de manipulação da sociedade pela mídia e pelo jornalismo, bem como a prática de manipulação da mídia e do jornalismo por figuras públicas que ocupam cargos importantes, do Supremo às forças policias, contribuem decisivamente para essa tendência.

Além disso, a sociedade brasileira passou a conviver, nos últimos anos, com uma ofensiva significativa do pensamento conservador. Esse pensamento, que pauta o elogio do apartidarismo e da não-politização do debate público mencionadas acima, tem contribuído, decisivamente, para a formação ideológica da juventude brasileira que está nas ruas.

Ao fazê-lo, esse pensamento conservador não apenas produz uma política incapaz de uma compreensão histórica da sociedade, como também uma agenda inconsequente e muitas vezes irresponsável.

E o PT, onde fica?

Experimentamos, no PT, um impasse político, o “paradoxo petista”. É um fenômeno evidenciado pelo fato de que as conquistas sociais dos últimos anos vieram acompanhadas por uma situação, ainda não compreendida pelo Partido, de despolitização da política.

O PT não está conseguindo fazer face à despolitização em curso da sociedade brasileira. Institucionalizando-se no poder formal, está abandonando muitas de suas lutas históricas. Sem formação e sem projeto, a militância se torna passiva. Sem diálogo, os movimentos sociais se tornam distantes. 
Há uma desconfiança geral de que o partido, uma vez no governo, foi cooptado pelos interesses hegemônicos das elites e pelos interesses de manobra das classes médias.

O centro do problema, assim, resulta da perda da identidade política do Partido. Em consequência, percebe-se uma perda dos referenciais discursivos mais caros do PT, justamente os que conferem essa identidade.

Qual a tendência?

A mobilização das ruas está em curso e em disputa. Isso poderá significar um retorno conservador, uma radicalização à direita ou à esquerda, com todas as hipóteses presentes nesse espectro.

Há grande possibilidade de que o movimento produza continuidades, institucionais e não-institucionais, e erupções sociais – notadamente durante a Copa de 2014. Possivelmente, também procurará pautar o processo eleitoral do próximo ano.

Mas é evidente que a explosividade – para radicalizar a noção de espontaneidade – dessas mobilizações, seguem em aberto; com tendências e possibilidades, mas em aberto.


Link desta Matéria: http://hupomnemata.blogspot.ca/2013/06/algumas-ponderacoes-para-entender-o-que.html

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